30/09/2015

O que Deus uniu, o homem não deve separar (Mc 10, 2-16)

O que Deus uniu, o homem não deve separar (Mc 10, 2-16) 


[Thomas Hughes]


Segunda-feira, 28 de setembro de 2015 - 16h53min


Durante a caminhada d'Ele rumo a Jerusalém, onde o poder central religioso-político vai condená-Lo à morte, no intuito de acabar não somente com a pessoa d'Ele, mas com o seu projeto, Jesus, no texto de hoje, entra primeiro em controvérsia com os fariseus, os guardiães da prática fiel da Lei. Esses, que gozavam de muito prestígio diante da população mais simples, se outorgavam o direito de serem os únicos intérpretes autênticos da vontade de Deus, através da sua interpretação da Lei. Por isso entram em conflito com Jesus, não na busca de conhecer melhor a vontade do Pai, mas, como ressalta o texto "para tentá-lo" (v. 2). O campo de batalha escolhido era o debate sobre o divórcio. O texto de referência para eles era Dt 24, 1-4, onde não se trata da legitimidade do divórcio, mas, dos critérios para que possa acontecer.

O Evangelho de Mateus, no capítulo 19, deixa mais claro do que Marcos o sentido do debate (veja Mt 19, 1-9). O pano de fundo eram os critérios necessários para que um homem pudesse divorciar a sua mulher (nem se cogitava a mulher pudesse divorciar o marido, pois a mulher era considerada "objeto" que pertencia ao homem!). No tempo de Jesus havia duas tendências, simbolizadas pelas escolas rabínicas dos grandes fariseus Hillel e Shammai. Uma escola, mais laxista (Hillel), ensinava que se podia divorciar a mulher por qualquer motivo, mesmo dos mais banais. A escola mais rigorosa - do Shammai - só permitia o divórcio por motivos muito sérios. Por isso, em Mateus a pergunta se define melhor: "é permitido divorciar a mulher por qualquer motivo que seja?" (Mt 19, 4).

Em ambos os evangelhos, Jesus se recusa a entrar no debate de casuística que cercava a questão e se limitava a reafirmar o projeto do Pai para o casamento: "Portanto, o que Deus uniu o homem não deve separar". Jesus reafirma com toda firmeza o ideal do casamento cristão - uma união permanente, baseada no amor, e fortalecida pela graça do sacramento. Seria inútil buscar nesse trecho uma teologia mais desenvolvida do casamento, muito menos orientações pastorais para os problemas práticos de casamentos malsucedidos, pois, isso não foi a intenção do autor. Marcos simplesmente reafirma o princípio de que "o que Deus uniu, o homem não deve separar". Deixa em aberto a questão de quando é que Deus realmente uniu o casal! Será que, só porque passaram por uma cerimônia validamente celebrada na igreja, um casal é necessariamente unido por Deus? Os problemas reais são muito mais complexos, angustiantes e difíceis de serem solucionados.

O trecho continua com a questão das crianças. A questão aqui não é a criança como símbolo da inocência, mas de dependência. As crianças e os que se assemelham com elas vivem essa situação de dependência, de "sem-poder". Quem quer entrar no Reino de Deus terá que ab-rogar-se de todo poder dominador, tornando-se como criança.
 
Recusando-se a aceitar a situação em que a mulher era simples objeto de posse do homem e assim passível de ser divorciada, e propondo o fraco e dependente como modelo em uma sociedade que valorizava o prepotente, Jesus mostra que os valores do Reino de Deus estão na contramão dos valores da sociedade do seu tempo - e de hoje. Propõe uma igualdade de dignidade entre homem e mulher, uma fidelidade e compromisso permanentes, e a busca de uma vida de serviço e não de dominação! Realmente, uma proposta no contra fluxo da sociedade pós-moderna que nega o permanente, perpetua o machismo e admira o poderoso e dominador! O texto de hoje nos convida para que entremos "com Jesus na contramão" e para que criemos uma sociedade baseada em outros valores do que os que estão hoje em vigor, às vezes até no seio das próprias igrejas.


Por experiência em humanidade

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Segunda, 28 de setembro de 2015

Por experiência em humanidade. Artigo de Andrea Riccardi

A experiência humana da Igreja é a da dor de tantos, de muitos, que não podem mais esperar. E Francisco foi o seu porta-voz.

A opinião é do historiador da Igreja italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado no jornal Avvenire, 26-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

discurso do Papa Francisco na ONU tem uma história sobre as costas. Francisco se reconecta explicitamente àprimeira visita de um papa ao Palácio de Vidro, feita por Paulo VI no dia 4 de outubro de 1965, quando gritou: "Jamais plus la guerre! Mai più la guerre!".   Era a esperança da Igreja de Roma 20 anos depois do fim do segundo conflito mundial e no coração da Guerra Fria. Uma esperança que não cederia diante dos tantos conflitos desencadeados até 1989 e depois no mundo global (muitos, ainda em aberto, foram os lembrados por Francisco).

Em 1965, muitos aconselharam Paulo VI a se apresentar na ONU como "mestre em verdade", em lei natural ou em civilização. Ele optou, em vez disso, por qualificar a si mesmo e a Igreja com uma imagem humilde, mas cheia de significado: "Perita em humanidade". No seu discurso, Montini escrevera (o que depois foi apagado): "Nós somos antigos".

A experiência em humanidade da Igreja tem uma longa história. Assim como Paulo VI, Francisco, como "perito em humanidade", lembrou: sem espírito, não há paz. Ele citou o seu antecessor: "O edifício da civilização moderna deve se assentar sobre princípios espirituais...".

O papa reiterou a necessidade das Nações Unidas: o que seria do mundo sem a ONU?, perguntou-se. Os poderes – conhecidos e ocultos – levariam a "tremendas atrocidades". Mas a ONU deve estar à altura da sua missão, não burocrática, capaz de responder à necessidade de paz e de justiça, decidida e capaz de limitar também a "submissão asfixiante a sistemas de crédito em relação aos países em vias de desenvolvimento".

Na sua legitimação da ONU, o papa desenvolveu muito a ideia de justiça como coração de uma vida internacional baseada na "fraternidade universal": um grande tema, muitas vezes reduzido a justicialismo.

A justiça não pode esperar. O mundo a exige. Francisco, de modo concreto, indicou um "mínimo absoluto" de justiça, para fazer viver uma família: "Casa, trabalho e terra". Sem esse mínimo, não há vida. E acrescentou: "a liberdade de espírito" (que inclui a religiosa e a educativa).

Esses direitos não são vividos sozinhos, mas "em comunhão com os outros seres humanos". Diante de uma globalização que cria e exalta indivíduos sozinhos, o papa sublinha mais uma vez o valor das relações, da "socialidade humana".

Esse testemunho vem das profundezas da Igreja, que é comunhão e que sabe que não nos salvamos sozinhos. "Nenhum homem é uma ilha" é o título de um famoso livro de Thomas Merton, que o Papa Francisco lembrou aoCongresso dos Estados Unidos da América.

O homem e a mulher não são nem mesmo separados do ambiente. O papa falou de um "direito do ambiente", até porque "qualquer dano ao ambiente é um dano à humanidade". Os pobres, que são descartados e vivem de descartes, são as principais vítimas da violência ao ambiente.

As palavras do papa à ONU fizeram ouvir a voz dos pobres e os gemidos da criação naquele entrelaçamento queFrancisco propõe. Nessa perspectiva, o papa levantou o seu grito contra a guerra, meio século depois de Paulo VI.

Ele lembrou as "consequências negativas das intervenções políticas e militares não coordenadas entre os membros da comunidade internacional": essa é a experiência histórica. Ele citou os conflitos abertos, destacou a perseguição aos cristãos e a outras minorias. Mas também a "guerra difusa", ignorada demais, do tráfico de drogas. E quantas outros comportamentos violentos! O tráfico de pessoas, o tráfico de armas, a exploração infantil: todos produtos de um clima consolidado de violência.

Diante desses duros cenários, Francisco reiterou a necessidade de escolhas e políticas contracorrentes, inspiradas na fraternidade universal e na sacralidade da vida. De forma simples mas inovadora, indicou as categorias mais afetadas: pobres, idosos, crianças nascidas e por nascer, doentes, desempregados, abandonados e rejeitados de todos os tipos...

A voz dessa humanidade ferida – não apenas "casos" sociais, morais ou políticos – deu força às palavras do Bispo deRoma. Porque a experiência humana da Igreja é a da dor de tantos, de muitos, que não podem mais esperar.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547328-por-experiencia-em-humanidade-artigo-de-andrea-riccardi


El Papa ha dado mensajes extraordinarios de la Iglesia

Papa Francisco pide en el Congreso de EEUU no temer a los extranjeros

Ante el Congreso de EE.UU., el papa Francisco expresó que es necesario evitar el reduccionismo entre lo correcto y los pecadores, pues ha afectado a muchos. Ello, aseguró, "promueve el odio y la violencia, porque se etiqueta al otro". Para resolver las crisis económicas y geopolíticas, sostuvo, la respuesta debe ser de esperanza, paz y justicia. En su discurso hizo un llamado a EEUU a renovar la cooperación y eliminar las nuevas formas globales de esclavitud y las injusticias. El sumo pontífice dijo que el país norteamericnao sigue siendo una tierra de sueños y que el pueblo del continente americano "no tenemos a los extranjeros, porque la mayoría de nosotros una vez fuimos extranjeros. No debemos repetir los errores del pasado", sentenció. Al referirse a la crisis de refugiados en Europa, el santo padre pidió enfrentar los retos y comprender que viajan por una mejor oportunidad de vida. teleSUR  http://multimedia.telesurtv.net/web/telesur/#!es/video/papa-francisco-pide-en-el-congreso-de-eeuu-no-temer-a-los-extranjeros 

Conselheiros Tutelares




Você já escolheu em quem vai votar para conselheiro tutelar? Procure o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente para conhecer os candidatos e informe-se sobre os locais de votação. O seu voto faz a diferença na vida das meninas e meninos da sua cidade. São os conselheiros tutelares que cuidam dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.



27/09/2015

Nem que a Coisa Engrossa

Nem que a Coisa Engrossa 

Sua força está na soma de suas fragilidades. Juntos são resistentes e perseverantes. Os que os move a acampar é a esperança de dignidade. A lona preta é rito de passagem, o caminho à conquista da terra. Mas entre os dois há muitas batalhas diárias, chuva, frio, calor, medos... A espera reacende o brilho nos olhos e o orgulho de quem está tomando as rédeas da própria vida. Esta conquista é também transformação interior. Nem que a coisa engrossa é um olhar de dentro do cotidiano de um acampamento dos Sem-Terra no Sul do Brasil. Vozes pouco escutadas em um mundo que os deseja ignorar. No acampamento Terra Livre vivem aproximadamente 100 famílias de diferentes origens, todas com um sonho em comum, a dignidade. 2008.

Videoteca Virtual Gregório Bezerra

https://www.youtube.com/watch?v=L0lrZeQ__SU

Jesus não é exclusivo de ninguém

Jesus não é exclusivo de ninguém [José Pagola]


Quinta-feira, 24 de setembro de 2015 - 11h37min

A cena é surpreendente. Os discípulos se aproximaram de Jesus com um problema. Neste caso, o porta-voz do grupo não é Pedro, mas João, uns dos irmãos que andavam buscando os primeiros lugares no grupo. Agora o grupo de discípulos procura ter exclusividade de Jesus, buscam seu monopólio. Pretender ter exclusividade de sua ação libertadora.
Eles estão preocupados. Um exorcista que não faz parte do grupo está expulsando demônios em nome de Jesus. Os discípulos não gostam de que as pessoas fiquem curadas e que possam iniciar uma vida mais digna. Eles pensam somente no prestígio de seu próprio grupo. Por isso tentaram cortar pela raiz sua atuação. Este é o único motivo: "ele não nos segue".
Os discípulos pensam que, para atuar em nome de Jesus e com sua força curativa, é preciso ser membro de seu grupo. Pensam que ninguém pode invocar a Jesus e trabalhar por um mundo mais humano sem fazer parte da Igreja. É realmente assim? Que pensa Jesus a respeito?
Suas primeiras palavras são claras: "não lhes proíbam". O nome de Jesus e a sua força humanizadora são mais importantes do que o pequeno grupo de seus discípulos. É bom que a salvação que traz Jesus se estenda além da Igreja estabelecida e ajude as pessoas a viver de forma mais humana. Ninguém deve vê-la como uma competência desleal.
Jesus quebra toda tentativa sectária de seus seguidores. Ele não formou seu grupo para controlar sua salvação messiânica. Ele não é um rabino de uma escola fechada, mas um profeta de uma salvação aberta a todos e todas. Sua Igreja deve colocar seu nome onde ele é invocado para fazer o bem.
Ele não quer que entre seus seguidores se fale dos que são nossos e dos que não os são, os "de dentro e os de fora". Quer dizer, ele não quer que se fale entre os que podem e os que não podem atuar em seu nome. Sua maneira de ver as coisas é diferente: "quem não esta contra nós está a nosso favor".
Em nossa sociedade há muitos homens e mulheres que trabalham por um mundo mais justo e humano sem fazer parte da Igreja. Alguns nem são crentes em Deus mas estão abrindo caminhos ao reino de Deus e à sua justiça. Estes são nossos. Devemos ficar alegres em vez de olhar para eles com ressentimento. Devemos apoiá-los em lugar de desqualificá-los.
É um erro viver na Igreja vendo hostilidade e maldade por todos os lados, acreditando ingenuamente que somente nós somos portadores do Espírito de Jesus. Ele não nos aprovaria. Antes, convidar-nos-ia para colaborar com alegria com todos aqueles que vivem de maneira evangélica e que se preocupam dos mais pobres e necessitados.

26/09/2015

Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá

Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá

Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM

O mundo global visto do lado de cá, documentário do cineasta brasileiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização e do globalitarismo.
Milton Santos foi um dos intelectuais mais importantes do país e também foi o maior geógrafo brasileiro. Escreveu mais de 40 livros. Publicou seu trabalho na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão, em Portugal e na Espanha. Deu aula nas principais universidades do mundo. Recebeu prêmios e foi o único pensador, fora do mundo anglo-saxão, a ganhar o Vautrim Lud, uma espécie de Nobel da Geografia.
Durante toda a sua vida acadêmica, Milton Santos buscou agregar a Geografia às contribuições de outras disciplinas: Economia, Sociologia, História, Filosofia. Nos últimos anos de vida, seu trabalho mostrava uma clara preocupação com a Globalização. Crítico dos processos econômicos que excluíam as nações mais pobres, Milton Santos acreditava num mundo mais humano, mais solidário e justo.

'No Brasil, é normal homem pisar em mulher; branco, em preto; e rico, em pobre'

ENTREVISTA ANNA MUYLAERT
'No Brasil, é normal homem pisar em mulher; branco, em preto; e rico, em pobre'
Cineasta conta o processo de elaboração do filme 'Que Horas Ela Volta', que é o indicado brasileiro ao Oscar, rompendo 30 anos de protagonismo de diretores homens
por Claudia Rocha e Guilherme Weimann, do Brasil de Fato publicado 24/09/2015 12:33
DIVULGAÇÃO
Que horas ela volta?

"Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert, é a indicação brasileira ao Oscar 2016 de melhor filme estrangeiro: temática da exploração ainda atual

Brasil de Fato – "Que horas ela volta?" é rotulado pela crítica como um filme de arte. Para a diretora Anna Muylaert, entretanto, o longa precisa ser assistido também nas periferias do país. Nada mais justo, já que o roteiro conta a história de Val (Regina Casé), uma empregada doméstica que passou anos trabalhando na casa de uma família rica do Morumbi e tem sua vida alterada com a chegada de Jéssica (Camila Márdila), sua filha que foi deixada no Nordeste e está em São Paulo para prestar vestibular.

Ganhador do Festival de Berlim e com premiação também em Sundance, o filme é a representação brasileira na disputa pelo Oscar. A escolha rompeu uma hegemonia masculina de 30 anos de indicações de diretores homens e acendeu um debate sobre o machismo no cinema.

Nesta entrevista, a diretora falou sobre a repercussão do filme, que já ultrapassou 150 mil espectadores. Confira:

Quando você teve a ideia do filme, o objetivo era ter o foco no retrato das relações humanas ou a ideia já era debater questões políticas?

Eu não pensei em política enquanto estava construindo o roteiro. Queria dar um destino melhor para a filha da empregada. Na minha cabeça de dramaturga, eu queria tirar o clichê da maldição da repetição. Durante muitos anos o caminho era igual, a filha vinha para cá ser cabeleireira e acabava como doméstica, assim como a mãe. Eu determinei a mudar isso. A partir do primeiro dia em que apresentei a ideia, a associação com o retrato do período pós-Lula foi imediata. O filme estava mais enraizado na realidade do que eu achava.

GUILHERME WEIMANN/BFAnna Muylaert
Anna Muylaert, diretora

Falando um pouco sobre essa nova realidade, que foi alterada devido aos diversos programas sociais implantados na última década, você acredita que houve uma mudança na autoestima do brasileiro?

A partir do Lula, sem dúvida, houve um trabalho de melhoria da autoestima tanto pelo Bolsa Família e pelas cotas raciais nas universidades, como também pela Copa do Mundo e Olimpíadas. Acho que se há algo que o Lula fez foi subir a autoestima das classes menos favorecidas. Mas isso é um pequeno começo, a questão da educação ainda está muito atrasada em relação aos países europeus, por exemplo, que são socialmente mais democráticos. Aqui demos um pequeno passo para o direito à cidadania.

Sobre a personagem Jéssica, como você encara o fato de algumas pessoas interpretarem ela como uma pessoa 'metida', quando na verdade ela só quer ser tratada como os outros hóspedes da casa? Como você pensou na personalidade dela?

Ela foi uma menina que teve educação, apesar de não ter dinheiro. Além disso, ela não teve empregada, portanto nem conhecia essas rígidas regras separatistas. A minha ideia é que ela chegaria com uma inocência. Mas, claro que ao perceber aquelas relações, ela simplesmente não acredita. Na cabeça dela, aquelas regras não significam nada. Há quem ache ela arrogante e há quem ache ela maravilhosa. Dependendo do que você acha da Jéssica fica claro em quem você vota.

Foram realizadas cabines [sessões de teste com o público] só com empregadas domésticas. Como foi a reação delas? E os patrões? Você chegou a ser vítima de algum discurso de ódio por causa do filme?

Eu soube que, após a sessão, rolou um desabafo de um grupo [das domésticas] com coisas que estavam presas por muito tempo na garganta. Mas, muitas ficaram bastante travadas. Esse jogo de regras é um jogo invisível. O filme mexe muito com os dois lados. Tanto com o patrão, que sai de lá e diz que vai aumentar o salário da empregada, quanto com elas que se enxergam no filme e ficam motivadas a deixar de aceitar humilhações. Eu esperava que eu fosse vítima [de discurso de ódio], mas estranhamente ainda não houve. Os patrões usam o filme como um momento de revisão de atitudes e valores. Mas já fiquei sabendo de duas mulheres que levantaram e saíram da sala revoltadas em uma das cenas da Val, o que eu achei bem chocante.

Você costuma brincar que o seu filme é um filme de "nadas", porque os principais pontos estão relacionados a situações do cotidiano, que só têm importância pelo contexto, como é o caso da problemática em relação às personagens com a piscina da casa. Como foi essa construção do roteiro?

Eu estava girando atrás de uma solução quando, em agosto de 2013, seis meses antes da filmagem, minha fotógrafa, a uruguaia Bárbara Alvarez, me deu um livro do Cortázar com o conto Casa Tomada. Assim, achei uma solução para a Jéssica. Ela viria inocente das regras, e iria quebrando essas regras, até ser expulsa de volta. Quando a patroa entra na cozinha e a Jéssica está tomando sorvete, a cena é quase de um filme de terror. Mas a tensão está justamente na percepção das pessoas. Não há nada demais no fato de uma adolescente estar tomando sorvete.

Você optou por retratar uma família em que a mulher é protagonista e tem um papel mais autoritário. Teve algum motivo específico para a escolha?

Não foi uma opção consciente. Isso foi baseado na minha visão. Eu acho que os homens estão muito fragilizados perante as mulheres atualmente. Acho que as mulheres estão muito fortes. Eu, por exemplo, sou cineasta e criei dois filhos sozinha. Trabalhei com os meus dois braços, enquanto boa parte dos homens trabalha com um braço só, já que chegam em casa e dormem. Acho que na América Latina é muito forte esse conceito do homem não ajudar em casa. Apesar de estarmos poderosas, a gente ainda não quebrou o tênue fio dessa regra machista. Nós, mulheres, precisamos dizer 'estamos fazendo o serviço, então não manda em mim'. Porque os homens não fazem, aí as mulheres fazem, e no final eles chegam e tiram a foto ao lado do prefeito. Isso acontece em todas as classes e em todos os países. Eu acho que a nova onda feminista é a missão da mulher dizer para o homem que ele está agindo de maneira ridícula.

Você deu uma declaração em que diz que está incomodando os homens por ter atingido a 'esfera do dinheiro' dentro do universo do cinema. Não só nesta área, mas em praticamente todas, observamos essa situação. Como foi sua trajetória, você esbarrou muitas vezes no machismo?

Tenho quase 25 anos de carreira. No começo, eu podia fazer o serviço, mas não podia receber o crédito. E eu não exigia. Acho que a mulher tem um excesso de humildade, enquanto o homem um excesso de arrogância. Isso precisa ser equilibrado. As mulheres acabam errando também porque há um conjunto de regras que dizem que o homem deve estar à frente e a mulher atrás. Depois passei para uma condição onde eu levava o crédito, mas ainda ganhava menos do que o homem, e achava normal. Há sempre uma valorização do masculino e desvalorização do feminino. Foram muitos anos para eu perder esse excesso de humildade, que na verdade é uma subserviência. Humildade é bom, subserviência não. Autoestima é bom, mas arrogância não. Quando meu filme começou a ter visibilidade, comecei a sofrer um bullying que nunca tinha sofrido antes, de parceiros meus dizendo que se eu cheguei lá era por responsabilidade deles. Hoje, com esse filme, eu alcancei um patamar do cinema onde só há homens como Walter Salles, Fernando Meirelles, Padilha e Hector Babenco.

Como foi a relação com a Regina Casé? Você havia pensado nela desde o início do projeto?

Eu decidi que a Regina [Casé] interpretaria a protagonista quando assisti ao filme Eu, tu, eles. Depois disso, não pensei mais em outra pessoa para o papel da Val. Nosso processo de aproximação foi longo até chegar à filmagem que, por sinal, foi bastante complicada em decorrência do bebê que ela havia acabado de adotar. Tiveram momentos difíceis, principalmente pelo calor do verão. Mas o importante é que, artisticamente, a gente se deu maravilhosamente bem. Acho que é, talvez, a parceira mais incrível que eu já tive.

O filme retrata essa cultura escravista herdada do período colonial. Foram realizadas pesquisas sobre isso?

Fizemos uma pesquisa para encontrar a personagem principal, que é inspirada na Edna. Ela foi babá do meu filho por aproximadamente dois anos e acabou se tornando minha amiga. Quando era criança, foi deixada na Bahia pela mãe e buscada apenas dez anos depois. Sobre essa arquitetura colonial e os espaços de poder dentro da casa, não foi preciso praticamente nenhuma pesquisa, já que esses valores estão presentes em qualquer casa da classe alta brasileira.

Além do seu filme, vários outros abordaram essa mesma temática nos últimos anos. "Domésticas", de Gabriel Mascaro, talvez seja o mais evidente. Mas também podemos citar "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, e "Casa Grande", de Fellipe Barbosa. Algum deles te influenciou?

Eu tive uma influência muito grande do filme 'O Som ao Redor'. Eu me conecto a ele porque eu realmente amei, saí do cinema tremendo. Apesar de completamente diferentes, ambos estão tirando diversas pessoas da invisibilidade. Já o documentário "Domésticas", que foi exibido para a nossa equipe durante a preparação, serviu de inspiração para o figurino da Val. O "Casa Grande", entretanto, foi diferente. No início da sua exibição no Festival de Cinema de Paulínia, achei que alguém tivesse feito o mesmo filme que eu. Mas, passados os primeiros trinta minutos, o filme abandona o caráter crítico e assume o papel do herói adolescente que termina trepando com a empregada, o que eu considero retrógrado e machista. Na Europa, os espectadores perguntam se isto realmente existe ou se é pura ficção. Em suma, todo mundo está abordando um tema que urge porque o Brasil ainda está no século XIX. Essa é uma cultura gerada nos primórdios da colonização, quando os portugueses vieram para o Brasil explorar o ouro e comer as mulheres. A lógica era o ócio ao invés do negócio. Isso não dá mais, é 7 a 1 em todo o canto. É urgente profissionalizar, legislar e respeitar essas mulheres. No Brasil, ainda é normal homem pisar em mulher; branco, em preto; e rico, em pobre. Os cineastas estão no cinema para isso e é ótimo que estes filmes estão dando certo, porque faz o mundo pensar e repensar estas atitudes.

Uma jovem, que também se chama Jéssica, publicou um artigo no blog Nós da Periferia relatando as semelhanças da sua história com a Jéssica do filme. Como está sendo a recepção do público?

Está incrível. Estou recebendo uma mensagem a cada cinco minutos. Ontem, um menino me escreveu relatando um episódio que ocorreu após a publicação de uma crítica muito bonita que fez sobre o filme. A patroa da sua mãe, que é empregada, achou seu texto em um blog, se reconheceu lá, e afirmou que mudaria completamente a sua postura. Isso, pra mim, já é um Oscar. Além disso, um pessoal da periferia me convidou para participar de um debate e, no final da mensagem, afirmou que 'somos todas Val'. Enviei como resposta que também 'somos todas Jéssica'. No geral, a periferia também quer ver o filme, mas ele ainda não chegou lá. No início, eu tinha a intenção de oferecer desconto para domésticas que apresentassem o cartão de trabalho. Mas, na primeira reunião, meu distribuidor descartou a ideia porque a patroa se sentiria mal em sentar ao lado da empregada. No mercado capitalista, 'Que horas ela volta?' é um filme de arte. Apesar disso, estamos provando o contrário.

Você afirmou em algumas entrevistas que o roteiro começou a ser elaborado logo após o nascimento do seu segundo filho. Como foi esse processo?

O roteiro nasceu do amor pelo meu filho. Eu já tinha feito 'Castelo Rá-Tim-Bum' e vários outros trabalhos, mas quando eu tive o bebê surgiu uma força que me fez decidir que não iria mais trabalhar por um tempo. Eu fiquei dois anos sem trabalhar, mas felizmente vieram os livros do 'Castelo Rá-Tim-Bum', que me renderam quatro ou cinco vezes mais do que o salário na TV Cultura, e me possibilitaram continuar trabalhando em casa. Eu senti que o processo da maternidade me faria crescer e me entreguei completamente. Somente depois de muita insistência decidi contratar uma babá para me ajudar uma vez por semana. Logo no primeiro dia, a menina veio toda de branco, pegou o bebê, entrou no quarto e fechou a porta. Nessa hora, eu deitei na minha cama e comecei a passar mal. No dia seguinte, eu abri o jogo e assumi que não daria para continuar. Eu não conseguia dar o meu bebê na mão de um desconhecido. Pelo menos nos dois primeiros anos é essencial o contato entre mãe e filho. Depois menos, porque é necessário aprender a se separar, desprender-se do filho. Mas por que a maternidade não é valorizada? Justamente porque a nossa sociedade exalta apenas o masculino. Muita mulher, e acho que eu não tive isso porque havia acabado de fazer sucesso, fica agoniada em casa enquanto o mundo lá fora está girando. Porque o sinônimo do mundo é sucesso, poder e riqueza, enquanto o da maternidade é amor, carinho e espiritualidade. Senti que isso é um tema muito forte, porque o mundo inteiro é regrado pelas leis masculinas, que são machistas. Na verdade, o filme não é baseado em ninguém, mas em uma vontade de expor tudo isso. Foram vinte anos de pesquisa, laboratório e contribuição de muitas pessoas.

Assim como o personagem Fabinho, as memórias da primeira infância de muitas crianças brasileiras são das babás. Existe uma solução para isso?

O Brasil é isso. A minha babá, a Dagmar, veio para casa quando eu tinha sete anos. Mas, mesmo assim, eu consegui criar um vínculo forte com a minha mãe porque ela não trabalhava. Já a minha irmã menor, que tinha três anos, tem uma conexão muito mais forte com a Dagmar. Meu pai, por exemplo, não me deixava assistir televisão e, por isso, até hoje eu não tenho esse hábito. Em compensação, a minha irmã senta com o marido e os quatro filhos na frente do aparelho, em decorrência de uma herança que não veio dos meus pais. Eu já vi vários filhos de amigas minhas descer do quarto para dormir com a empregada. Esse é um debate que temos que abrir, mas não tem uma saída pronta. Outro dia, uma jornalista inglesa me perguntou no meio da entrevista o que eu achava que ela deveria fazer em relação à filha de sete meses. Obviamente, eu falei que não tinha uma fórmula. Mas se os pais, os homens, pegassem metade da responsabilidade não precisaria de nenhuma babá. O pai dos meus filhos ajudou no máximo 2%. Eu aguentei a responsabilidade dos outros 98%, além de continuar minha carreira no cinema. Nos países nórdicos, por exemplo, os homens ganham seis meses de licença paternidade. Se um homem limpa a bunda de uma criança é claro que ele se transforma, amadurece e cria uma relação de intimidade com o filho. Além disso, na Europa existem mais creches disponíveis. Aqui no Brasil, ou a mulher deixa o filho na casa da mãe ou doa para alguém. Essa é uma discussão muito importante porque a mulher nunca mais vai parar de trabalhar, "somos todas Jéssica".

Existe uma grande dificuldade de se fazer cinema independente no Brasil e, consequentemente, de pautar questões mais complexas. Nesse caso, apesar da crítica social, ele foi distribuído pela Globo Filmes. Como se construiu essa relação?

Toda a cadeia do cinema entende que ele é um filme de arte. Até a própria Regina Casé já deu entrevista afirmando que não sabia se ele ia chegar ao grande público. O que caracteriza o blockbuster brasileiro é ser televiso. Um filme de sucesso não pode ter apenas a Regina, mas deve ser filmado com enquadramento, luz e superficialidade das novelas. A indústria, por entender que as pessoas procuram produtos com uma linguagem familiarizada, coloca dinheiro apenas nessas produções. O meu filme não tem nada disso. Em relação à Globo Filmes, o filme chegou pronto por lá. O chefe, Edson Pimentel, é apaixonado pelo filme e acreditou na sua potência. Não houve um grande dinheiro investido em publicidade, não estamos em ônibus, outdoor, etc. Estamos apenas no Facebook e no boca a boca. A Globo Filmes está abrindo portas dentro da sua programação, mas, no fundo, este é um filme de guerrilha. Apesar de ter sido tratado como um filme de arte, a bilheteria está provando exatamente o contrário.

“Quem não está contra nós está a nosso favor” (Mc 9, 38-43.45.47-48 )

“Quem não está contra nós está a nosso favor” (Mc 9, 38-43.45.47-48 ) [Thomas Hughes]


Segunda-feira, 21 de setembro de 2015 - 15h53min

Esta reflexão nos coloca mais uma vez no contexto do ensinamento de Jesus aos seus discípulos, enquanto caminhavam para Jerusalém. Já vimos que a partir da “crise galilaica”, Jesus mudou a sua estratégia, afastou-se das multidões e dedicou-se à formação mais intensa dos seus discípulos, pois estes se mostravam incapazes de acolher a novidade do Evangelho, com a mudança radical de atitudes que ele implicava.

A primeira atitude a ser corrigida, nesta reflexão, é a de querer reservar o Espírito de Jesus como propriedade da comunidade. João se queixa que um homem que não os seguia estava expulsando demônios em nome de Jesus. Atitude mesquinha, de querer dominar o Espírito de Deus, sequestrar o poder divino! Mas, infelizmente, uma atitude bastante prevalecente em certos setores mais retrógrados das Igrejas ainda hoje, que acham que toda a riqueza do mistério de Deus possa caber dentro das margens estreitas das suas definições dogmáticas! Hoje, Jesus nos ensina a verdadeira atitude de um discípulo: “Não lhe proíbam, pois... quem não está contra nós, está a nosso favor” (v. 40). Temos que aprender a acolher as manifestações verdadeiras do Espírito de Deus em todas as religiões e culturas, e estar alertas para que nós mesmos não O escondamos ou deturpemos! Discernimento deve ser uma atitude permanente de vida!

A segunda parte do trecho nos coloca diante do problema do escândalo aos pequenos na comunidade. Aqui cumpre ressaltar que “os pequenos” neste texto não são as crianças, mas os humildes e pobres da comunidade cristã. É bom lembrar o sentido original da palavra “escândalo”. Vem de um termo grego que significa “pedra de tropeço”. Então se trata de uma situação em que os pequenos da comunidade “tropeçam”, isso é, não conseguem manter-se em pé ou se afastam, por causa de certas atitudes dos dirigentes comunitários (é bom notar que o discurso e as advertências se dirigem aos discípulos, e não aos de fora). Deve ter sido um problema comum, pois o Discurso Eclesiológico (isto é, da Igreja) no Evangelho de Mateus trata do mesmo assunto (Mt 18, 6-14). Usa imagens e linguagem tipicamente semitas: Jesus manda cortar e jogar fora “a mão, o pé, e o olho”, que causam escândalos aos pequenos. Obviamente não se propõe aqui uma mutilação física, mesmo se, ao longo da história, houvesse quem assim o entendesse - por exemplo, Orígenes. Na verdade, “mão” significa a nossa maneira de agir, “pé” o modo de caminhar na vida e “olho” o jeito de ver e julgar as coisas, ou até, a nossa ideologia. Então o texto convida os dirigentes das comunidades cristãs (hoje bispos, padres, pastores, irmãs, ministros etc.) a reverem o seu modo de agir, pensar e julgar, para averiguar se não estão causando a queda dos pequenos e humildes. Se descobrirmos que assim esteja acontecendo, então devemos “cortar e jogar fora” - ou seja, mudar o que causa o problema. Caso contrário, não experimentaremos na comunidade a presença do Reino de Deus - a vivência dos valores do Evangelho, que Jesus deu a vida para estabelecer.
 
A caminhada para Jerusalém, no Evangelho de Marcos, é um grande ensinamento de Jesus para quem quer segui-lo como discípulo. Trecho por trecho, vai desafiando a mentalidade dos discípulos, tão marcada pelos valores da sociedade vigente, e semeando os valores do Reino. Hoje, Ele nos desafia a praticarmos um verdadeiro ecumenismo e diálogo inter-religioso, e a revermos os nossos modos de agir e pensar, para que a experiência cristã de comunidade seja uma amostra real dos valores do Reino de Deus. 


24/09/2015

América Latina

Antonio Gringo

Papa lembra José e Maria: os sem teto

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No coração do império, Papa lembra José e Maria: os sem teto






Papa: filho de Deus entrou no mundo como um sem teto!
Nos Estados Unidos, pede: preocupem-se com os que não tem teto! (Vídeo: Telesur)



Eu apoio o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática

Eu quero o fim dos oligopólios e monopólios de mídia, a transparência nas concessões de canais de rádio e televisão, o fortalecimento da comunicação pública e comunitária, e a diversidade e a pluralidade de conteúdo nos meios de comunicação do Brasil. Por isso apoio o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, conhecido como Projeto de Lei da Mídia Democrática, que regulamenta os arts. 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição Federal.

Mais informações e assinar: 

Pela democratização da mídia

Mídia: quarto poder ou segundo estado?

Observatório Global de Mídia é realizado para discutir a mídia e ampliar a pluralidade do poder do jornalismo.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=nHzz4wGfoNI&list=UUP8XlGjPSGj8JkuZ8hgDAJw

22/09/2015

Materiais apresentados pela Professora Dra. Vera Regina Schmitz

Materiais apresentados pela Professora Dra. Vera Regina Schmitz (UFRGS), na 7ª etapa - 19-20 setembro, com o tema: A economia solidária como alternativa à globalização econômica. Experiências práticas na Serra Gaúcha:

Caxias 2015 - Ecosol:

Caxias 2015 - Leis e Políticas: 

Dinâmica perdidos no mar:

Por um Congresso com a cara do povo

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Por um Congresso com a cara do povo

A retirada dos financiamentos empresariais pode representar a verdadeira possibilidade de se eleger Congressos com a cara do povo e não das suas elites.

por Emir Sader em 22/09/2015 às 06:06





Emir Sader

Nos sistemas políticos representativos, os cargos executivos representam a maioria da população. Os legislativos deveria representam as distintas posições em suas devidas proporções, espelhando a diversidade – social, politica, cultural – da sociedade.
 
No entanto, não há nada mais oposto à cara da sociedade brasileira do que a composição dos parlamentos, a todos os níveis. É como se os congressos fossem a sociedade invertida: há muito mais parlamentares representando o agronegócio do que as trabalhadores rurais enquanto que, na realidade do campo, são milhões de trabalhadores trabalhando a terra por um lado e um punhado de donos de agronegócio por outro.
 
Acontece que, entre a realidade concreta e essa representação invertida intervém o poder do dinheiro, produzindo todas essas distorções. Se os grandes temas discutindo pelo Congresso fossem debatidos e definidos pela sociedade realmente existente, frequentemente as resoluções seriam o oposto do que os parlamentares decidem.  
 
O financiamento privado de campanha elegeu, até aqui, não bancadas de partidos, mas de empresas que os financiam, os conhecidos lobbies: do agronegócio, da educação privada, da mídia, da bala, da vaca, dos evangélicos, dos planos privados de saúde, etc., etc. O financiamento é um investimento, que tem como retorno o apoio aos interesses dos que financiaram os parlamentares. É na verdade uma compra do mandato deles pelo dinheiro que os financia. Torna abertamente a vida política parlamentar um negócio.
 
É o neoliberalismo invadindo a política. A concepção de que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra, tudo é mercadoria. Então parlamentares e partidos inteiros são reduzidos a mercadorias, compradas, vendidas, reduzindo a isso o que deveria ser a vontade popular.
 
Dados mostram que os parlamentares que mais foram financiados pelas grandes empresas, são os mais votados. Que um total de menos de 10 grandes empresas são responsáveis pela eleição da maioria dos parlamentares. 
 
A retirada dos financiamentos empresariais pode representar a verdadeira possibilidade de se eleger Congressos com a cara do povo e não das suas elites. Deve haver um rígido controle – talvez levado a cabo pela OAB – das campanhas, mas a possibilidade de uma disputa menos desigual é real. Menos desigual, porque a mídia seguirá sendo um instrumento de promoção das candidaturas conservadoras, mas as escandalosas campanhas recheadas de grana, com outdoors, cartazes, cabos eleitorais, etc., etc..
 
Mas será necessário também uma mudança de atitude dos movimentos populares em relação à luta politica. A influência liberal levou à exaltação da "sociedade civil" e ao desprezo pela política, pelos partidos, pelos governos – típica das ONGs. Mas como a via insurrecional atualmente é inviável, porque a correlação de forças levaria a um massacre dos movimentos populares que se aventurassem por essa via, a alternativa para realizas as profundas transformações necessárias para democratizar radicalmente a nossa sociedade passa pela democratização do Estado e da política. Provavelmente até mesmo da refundação do Estado mas, de qualquer maneira, evitar retrocessos e avançar, requer uma maioria popular, de esquerda, no Congresso.
 
Para isso, é preciso eleger bancadas que representem diretamente o movimento popular, por exemplo, da educação publica, da saúde pública, dos setores do movimento sindical – metalúrgicos, bancários e tantos outros. Traduzir a maioria social em maioria parlamentar. Só quando a esquerda conseguir maioria no Congresso, poderá se desvencilhar de aliados incômodos e poderá realizar seu programa político.
 
O fim dos financiamentos empresariais é uma grande oportunidade para realizar isso.    


http://cartamaior.com.br/?%2FBlog%2FBlog-do-Emir%2FPor-um-Congresso-com-a-cara-do-povo%2F2%2F34558


21/09/2015

O veneno está na mesa


Documentário do diretor Silvio Tendler, apresentando que o Brasil é o país do mundo que mais consome agrotóxicos: 5,2 litros/ano por habitante. Muitos desses herbicidas, fungicidas e pesticidas que consumimos estão proibidos em quase todo mundo pelo risco que representam à saúde pública. O perigo é tanto para os trabalhadores, que manipulam os venenos, quanto para os cidadãos, que consumem os produtos agrícolas. Só quem lucra são as transnacionais que fabricam os agrotóxicos. A idéia do filme é mostrar à população como estamos nos alimentando mal e perigosamente, por conta de um modelo agrário perverso, baseado no agronegócio.

20/09/2015

Uma outra forma de resolver os conflitos

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Leonardo Boff

Uma outra forma de resolver os conflitos

Francisco não acirrou as contradições nem remexeu a dimensão sombria do ódio, mas confiou na capacidade humanizadora da bondade, do diálogo e da mútua confiança


Sempre houve na humanidade, especialmente, sob o patriarcado, conflitos de toda ordem. A forma predominante de resolvê-los foi e é a utilização da violência, para dobrar o outro e enquadrá-lo numa determinada ordem. Esse é o pior dos caminhos, pois deixa nos vencidos um rastro de amargura, humilhação e de vontade de vingança. Estes sentimentos suscitam uma espiral da violência que hoje ganha especialmente a forma de terrorismo, expressão da vingança dos humilhados. Será esta o única forma de os seres humanos resolverem suas contendas?
 
Houve alguém que se considerava "um louco de Deus" (pazzus Dei), Francisco de Assis que poderia ser também o atual Francisco de Roma que perseguiu outro caminho. O anterior era o de ganha-perde. Este último, o ganha-ganha, esvaziando as bases para o espírito belicoso. Tomemos exemplos da prática de Francisco de Assis. Sua saudação usual era desejar a todos: "paz e bem". Pedia aos seguidores: "Todo aquele que se aproximar, seja amigo ou inimigo, ladrão ou bandido, recebam-no com bondade" (Regra não bulada,7).
 
Consideremos a estratégia de Francisco face à violência. Tomemos duas legendas, que, como legendas, guardam o espírito melhor que a letra dos fatos: os ladrões do Borgo San Sepolcro e o lobo de Gubbio (Fioretti, c. 21).
 
Um bando de ladrões se escondiam nos bosques e saqueavam a redondeza e os transeuntes. Movidos pela fome foram ao eremitério dos frades para pedir comida. São atendidos mas não sem remorços destes:"Não é justo que demos esmola a esta casta de ladrões que tanto mal faz neste mundo". Apresentam a questão a Francisco. Este sugeriu  a seguinte estratégia: levar ao bosque pão e vinho e gritar-lhes:"Irmãos ladrões, vinde cá; somos irmãos e lhes trouxemos pão e vinho. Felizes, comem e bebem. Em seguida falem-lhe de Deus; mas não lhes peçam que abandonem a vida que levam porque seria pedir demais; apenas peçam que ao assaltar, não façam mal às pessoas. Numa outra vez, aconselha Francisco, levem coisa melhor: queijo e ovos. Mais felizes ainda os ladrões se refestelam. Mas ouvem a exortação dos frades: "larguem esta vida de fome e sofrimento; deixem de roubar; convertam-se ao trabalho que o bom Deus vai providenciar o necessário para o corpo e para a alma". Os ladrões, comovidos por tanta bondade, deixam aquela vida e alguns até se fizeram  frades.
 
Aqui se renuncia ao dedo em riste acusando e condenando em nome da aproximação calorosa e da confiança na energia escondida neles  de ser outra coisa que ladrões. Supera-se todo maniqueismo que distribui a bondade de um lado e a maldade do outro. Na verdade, em cada um se esconde um possível ladrão e um possível frade. Com terno afeto se pode resgatar o frade escondido dentro do ladrão. E ocorreu.
 
Claramente aparece esta estratégia da renúncia da violência na legenda do lobo de Gubbio que atacava a população da pequena cidade. Supera-se de novo a esquematização: de um lado o "lobo grandíssimo, terrível e feroz" e do outro o povo bom, cheio de medo e armado. Dois atores se enfrentam cuja única relação é a violência e a destruição mútua. A estratégia de Francisco não é buscar uma trégua ou um equilíbrio de forças sob a égide do medo. Nem toma partido de um lado ou de outro, num falso farisaismo: "mau é o outro, não eu, e por isso deve ser destruído". Ninguém  se pergunta se dentro de cada um não pode se esconder um lobo mau e e ao mesmo tempo um bom cidadão?
 
O caminho de Francisco é desocultar esta união dos opostos e aproximar a ambos para que possam fazer um pacto de paz. Vai ao lobo e lhe diz:"irmão lobo, és homicida péssimo e mereces a forca; mas também reconheço que é pela fome que fazes tanto mal. Vamos fazer um pacto: a população vai te alimentar e tu deixarás de ameaçá-la". Em seguida se dirige à população e lhes prega:"voltem-se para Deus, deixem de pecar.
 
Garantam alimento suficiente ao lobo e assim  Deus os livrará dos castigos eternos e do lobo mau". Diz a legenda que a cidadezinha mudou de hábitos, decidiu alimentar o lobo e este passeava entre todos, como se fosse um manso cidadão.
 
Houve intérpretes que leram essa legenda como uma metáfora da luta de classes. Pode ser. O fato é que a paz consequida não foi a vitória de um dos lados, mas a superação dos lados e dos partidos. Cada um cedeu, verificou-se o ganha-ganha e irrompeu a paz que não existe em si, mas que é fruto de uma construção coletiva entre os cidadãos e o lobo.
 
Conclusão: Francisco não acirrou as contradições nem remexeu a dimensão sombria onde se acoitam os ódios. Confiou na capacidade humanizadora da bondade, do diálogo e da mútua confiança. Não foi um ingênuo. Sabia que vivemos na "regio dissimilitudinis", no mundo das desigualdades (Fioretti c. 37). Mas não se resignou a esta situação decadente. Intuía que para além da amargura,  vigora no fundo de cada criatura  uma bondade ignorada a ser resgatada. E o foi.
 
Chegará o dia em que os seres humanos assumirão a inteligência cordial e espiritual, cuja base biológica, os novos neurólogos identificaram e que completa a razão intelectual que divide e atomiza. Então teremos inaugurado o reino da paz e da concórdia. O lobo seguirá lobo mas não ameaçará mais ninguém.
 
Leonardo Boff escreveu Francisco de Assis: ternura e vigor, Vozes 2000.