27/03/2015

35 anos de morte: Vaticano anuncia data de beatificação de Dom Óscar Romero


24.03.2015
35 anos de morte: Vaticano anuncia data de beatificação de Dom Óscar Romero

Marcela Belchior
Adital

Por ocasião das celebrações dos 35 anos de morte de Dom Óscar Romero, o Vaticano anunciou o próximo dia 23 de maio de 2015 como a data de beatificação do sacerdote salvadorenho, que será realizada em El Salvador. O anúncio foi feito pelo arcebispo italiano monsenhor Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Família. A celebração será realizada pelo cardeal italiano Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos no Vaticano.

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Neste ano, Monsenhor Romero foi reconhecido como mártir pela Igreja Católica. Foto: Reprodução.


"Hoje, é tempo da alegria e da festa. É uma imensa alegria para a nossa Igreja salvadorenha saber que estamos às portas da beatificação do bispo que quis permanecer com seu povo, como bom pastor", publicou a Arquidiocese de San Salvador, capital salvadorenha. "A beatificação é um dom extraordinário para toda a Igreja, mas, de um modo especial, para todo o povo salvadorenho. Monsenhor Romero, a partir do céu, se converteu no pastor bom e beato que une todo o povo de El Salvador", acrescenta a instituição religiosa. 

Monsenhor Óscar Romero foi assassinado durante a celebração de uma missa na cidade de San Salvador, em 24 de março de 1980, vítima de perseguição por sua defesa dos direitos humanos e solidariedade às vítimas de violência política em seu país. À época, El Salvador vivia um contexto de violenta guerra civil. 

"Romero suportou muitas incompreensões dentro da mesma Igreja. Sua voz, suas reivindicações e denúncias não quiseram ser escutadas no Vaticano. Houve correntes ideológicas e má informação sobre o que ocorria em El Salvador. O simplismo conceitual e político reduziu tudo à polarização Leste-Oeste, entre o capitalismo e o comunismo, baseado na Doutrina da Segurança Nacional imperante.

Milhares de irmãos e irmãs vítimas da violência foram esquecidos", publicou Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentino defensor dos direitos humanos e Prêmio Nobel da Paz, em artigo publicado pela Agência Latino-Americana de Informação (Alai). 

"Romero tentou que o Vaticano o escutasse e ajudasse, mas voltou angustiado ao seu país, com dor na alma", ressalta Esquivel. Para ele, agora, o Papa Francisco busca, com justiça, reparar o esquecimento do mártir e restabelecer a mensagem de Romero para os fieis de todo o mundo.

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Romero se destacou na luta pelos direitos humanos durante a guerra civil salvadorenha. Foto: Reprodução.

 

Celebrações em memória de Romero 

Por ocasião da data dos 35 anos do assassinato de Monsenhor Romero, houve celebrações em Roma, Itália. No último domingo, 22, foi celebrada uma Missa Solene, presidida pelo postulante de Monsenhor Romero, o arcebispo Vincenzo Paglia, na paróquia de Santa Maria in Traspontina. Logo depois, os fieis realizaram uma procissão até a praça de San Pedro, no Vaticano, e participaram doAngelus, com o Papa Francisco. Nesta segunda-feira, 23, houve uma vigília ecumênica em memória do sacerdote salvadorenho na Basílica dos Santos Apóstolos, também na capital italiana, presidida pelo bispo auxiliar de Roma, Monsenhor Matteo Zuppi. 

"[Dom Óscar Romero] Sempre teve uma grande relevância porque, desde 1981, algumas realidades traziam a memória de monsenhor Romero. Uma das piores cumplicidades que se pode fazer com o mal é o silêncio, é o esquecimento. Ao contrário, a memória é a maneira de fazer viver, defender quem, como monsenhor Romero, sacrificou sua vida pela justiça e pelo Evangelho", afirmou monsenhor Zuppi, em entrevista para a Rádio Vaticano.

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Procissão em memória de Monsenhor Romero levou milhares de fieis às ruas de Roma. Foto: EPA.

Na última semana, a Igreja salvadorenha também celebrou o 35º aniversário de morte do sacerdote. No dia 23 deste mês, o cardeal Angelo Amato presidiu a missa na Praça do Divino Salvador do Mundo, em San Salvador. O cardeal José Luis Lacunza, natural da Espanha e naturalizado panamenho, também participou das comemorações, visitando a cripta que abriga o corpo de Romero. Na ocasião, também estiveram presentes o arcebispo José Luis Escobar e dois postulantes da causa, monsenhor Delgado e monsenhor Urrutia. Os sacerdotes também visitaram a Capela do Hospital Divina Providência, onde Dom Romero sofreu o atentado, em 1980.

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Sacerdotes visitam cripta que abriga o corpo de Dom Óscar Romero, em San Salvador. Foto: Arquidiocese de San Salvador.

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Marcela Belchior

É jornalista da Adital. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estuda as relações culturais na América Latina.
E-mail:


26/03/2015

Materiais produzidos pelo Prof. Dr. Laurício Neumann para a 1ª etapa

Materiais produzidos pelo Prof. Dr. Laurício Neumann para a 1ª etapa da Escola Fé, Política e Trabalho, com o tema: AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS E ÉTICO-CULTURAIS:


entrevista

Trechos da entrevista com Frei Betto:
https://vimeo.com/50721503

Trechos do documentário Muito Além do Peso (Way Beyond Weight, 2012), de Maria Farinha Filmes.

25/03/2015

Materiais produzidos pelo Prof. Dr. Laurício Neumann para a 1ª etapa

Materiais produzidos pelo Prof. Dr. Laurício Neumann para a 1ª etapa da Escola Fé, Política e Trabalho, com o tema: AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS E ÉTICO-CULTURAIS:

As grandes transformações sócio-econômicas e ético-culturais 

Estado - estrutura política da sociedade 

Democracia - regime de governo

Conquistas e desafios da democracia

Questões para debate

‘Misa Criolla’ na Unisinos

'Misa Criolla' na Unisinos

EM MARÇO 24, 2015

Composta e gravada pela primeira vez em 1964, a Misa Criolla, de Ariel Ramirez e Félix Luna (Argentina 1964) será tema da audição comentada ministrada pelo músico Demétrio de Freitas Xavier, da rádio FM Cultura. A atividade, que faz parte da programação de Ética, Mística, Transcendência, será realizada nesta quinta-feira, 26-03-2015, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, às 17h30min.

A 'Misa Criolla' é uma obra folclórico-religiosa para solistas, coro e orquestra. Os textos litúrgicos foram traduzidos e adaptados por dois sacerdotes, Antonio Osvaldo Catena e Alejandro Gabriel Segade Mayol e Jesus.

A obra é dedicada a duas irmãs alemãs, Elisabeth e Regina Brückner, que traziam comida às escondidas para os prisioneiros de um campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial.

A primeira inspiração de Ariel Ramírez é dos anos 1950, quando ele ainda era um músico desconhecido e vivia em um convento em Würzburg,na Alemanha.

Lá, ele entrou em contato com as irmãs Elizabeth e Regina Brückner, ambas religiosas, que lhe contaram que uma bela casa na frente do convento tinha sido um campo de concentração nazista, onde, todas as noites, desafiando a morte, elas levavam comida para os prisioneirosfamintos.

No dia 12 de dezembro de 2014, festa de Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da América Latina, por iniciativa do Papa Francisco, a missa foi oficiada, pela primeira vez, na Basílica de São Pedro, em Roma.

Confira

 

O papa Francisco também celebrou uma missa solene na Basílica de São Pedro, no dia 12 de dezembro de 2014, onde músicos argentinos interpretaram a Misa Criolla, composta por Ariel Ramírez, há 51 anos, com interpretação de Facundo Ramírez, filho do autor, e da cantora Patrícia Sosa, junto com um coro romano.

"Quando escutei pela primeira vez a Misa Criolla eu era estudante, acho que de Teologia, não recordo bem. E gostei muito. Gostei muito do "Cordeiro de Deus", que é de uma beleza impressionante. O que não esqueço nunca é que a escutei cantada por Mercedes Sosa", disse o Francisco.

 

 

Sobre o palestrante:

Demétrio de Freitas Xavier é músico porto-alegrense, especializado na música crioula do Uruguai e daArgentina. Atuando no Rio Grande do Sul e nos dois países platinos, enfatiza sua pesquisa na obra do argentino Atahualpa Yupanqui, tendo traduzido e gravado, em versão bilíngue, seu poema maior, O Pajador Perseguido. Vencedor da última Califórnia da Canção Nativa, com uma poesia musicada por Marco Aurélio VasconcellosA Sanga do Pedro Lira.

Formado em Ciências Sociais pela UFRGS, conduz na FM Cultura de Porto Alegre o programa Cantos do Sul da Terra, dedicado à música e à literatura do sul do continente e indicado em 2012 para o Prêmio Press.

Por Fernanda Forner

http://www.unisinos.br/blogs/ihu/religioes/religiosidade-e-folclore-misa-criolla-e-tema-de-audicao-comentada/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=religiosidade-e-folclore-misa-criolla-e-tema-de-audicao-comentada


21/03/2015

CARTA DA TERRA - vídeo

A Carta da Terra

Leitura do Teólogo Leonardo Boff

A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século 21, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada voltado para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida e das futuras gerações. É uma visão de esperança e um chamado à ação.

CARTA DA TERRA

O texto da Carta da Terra

PREÂMBULO

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.

TERRA, NOSSO LAR

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A SITUAÇÃO GLOBAL

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

DESAFIOS FUTUROS

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas.

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL

Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza.

Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes, visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será dirigida e avaliada.

PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA

1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.

  1. Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
  2. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.

  1. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
  2. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder, vem a
    maior responsabilidade de promover o bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.

  1. Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
  2. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.

4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e às futuras gerações.

  1. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
  2. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra a longo prazo.

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA

5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais que sustentam a vida.

  1. Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.
  2. stabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.
  3. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados.
  4. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que
    causem dano às espécies nativas e ao meio ambiente e impedir a introdução desses
    organismos prejudiciais.
  5. Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas.
  6. Administrar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o esgotamento e não causem dano ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.

  1. Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for incompleto ou não-conclusivo.
  2. Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental.
  3. Assegurar que as tomadas de decisão considerem as conseqüências cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das atividades humanas.
  4. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
  5. Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.

  1. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
  2. Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e do vento.
  3. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias
    ambientais seguras.
  4. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais.
  5. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
  6. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito.

8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido.

  1. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
  2. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
  3. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam disponíveis ao domínio público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA

9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.

  1. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, alocando os recursos nacionais e internacionais demandados.
  2. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta própria.
  3. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem suas aspirações.

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.

  1. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
  2. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais onerosas.
  3. Assegurar que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.
  4. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais
    atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas
    conseqüências de suas atividades.

11. Afirmar a igualdade e a eqüidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas.

  1. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
  2. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.
  3. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos os membros da
    família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.

  1. Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
  2. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas com condições de vida sustentáveis.
  3. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu
    papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
  4. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV. DEMOCRACIA, NÃO-VIOLÊNCIA E PAZ

13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e prover transparência e responsabilização no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça.

  1. Defender o direito de todas as pessoas receberem informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais tenham interesse.
  2. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações interessados na tomada de decisões.
  3. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica, de associação e de oposição.
  4. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
  5. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
  6. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.

  1. Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
  2. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade.
  3. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais.
  4. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma condição de vida sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.

  1. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento.
  2. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
  3. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não-violência e paz.

  1. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
  2. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
  3. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma postura defensiva não-provocativa e converter os recursos militares para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
  4. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em
    massa.
  5. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção ambiental e a paz.
  6. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE

Como nunca antes na História, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa destes princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta.

Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável nos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca conjunta em andamento por verdade e sabedoria.

A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Entretanto, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.

Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacionalmente legalizado e contratual sobre o ambiente e o desenvolvimento.

Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação dos esforços pela justiça e pela paz e a alegre celebração da vida. 



ATO DE FÉ

Documentário sobre os dominicanos e a ditadura militar

Ato de Fé
Cristãos que enfrentaram a Ditadura Militar 

Durante a ditadura militar, um grupo de religiosos católicos rompe as barreiras do convento e assume uma atitude revolucionária, lutando pela volta das liberdades democráticas no Brasil, e foram presos e torturados. 
 
Ano: 2004
Duração: 00:56:00
Dirigido por: Alexandre Rampazz
o

Documentário Completo: 

ATO DE FÉ

Documentário sobre os dominicanos e a ditadura militar

Ato de Fé - Cristãos que enfrentaram a Ditadura Militar 

Durante a ditadura militar, um grupo de religiosos católicos rompe as barreiras do convento e assume uma atitude revolucionária, lutando pela volta das liberdades democráticas no Brasil, e foram presos e torturados. 
 
Ano: 2004
Duração: 00:56:00
Dirigido por: Alexandre Rampazz
o

Documentário Completo: 
> https://www.youtube.com/watch?v=OtGdr2xO8cc
> http://vimeo.com/63031525

Livros indicados pela Escola de Formação Fé, Política e Trabalho

AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA

Eduardo Galeano
Acesse em pdf: http://copyfight.noblogs.org/…/Veias_Abertas_da_América_La…


O BANQUEIRO DOS HUMILDES
Muhammad Yunus


A POBREZA, RIQUEZA DOS POVOS – A transformação pela solidariedade
Albert Tévoédjrè

Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança

Sexta, 20 de março de 2015

Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança

"Faz escuro, companheirada" alerta a carta final da assembleia nacional da Comissão Pastoral da Terra - CPT, divulgada ontem, 19-03-2015.

Eis a carta.

Carta final da XXVII Assembleia Nacional da CPT

Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança

Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.

"Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!"(Papa Francisco).

Faz escuro, companheirada!

a bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam  reduzir direitos  já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!

Faz escuro, companheirada!

os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo. 

Faz escuro, companheirada!

conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de "acender e apagar" continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.

Faz escuro, companheirada!

em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza... querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.

Faz escuro companheirada!

Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver.

...faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!

  1. a mão mesmo no escuro e  vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes.Haja luz!(Gênesis 1, 3)

cantamos a luta e a esperança  no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia,  iluminamos nosso cotidiano... ninguém acende uma luz pra ficar escondida!(Lucas 8, 16)

somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas!(João 1, 5)

confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade... O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2)

sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós!(Pedro Casaldáliga).

convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança.

Já é quase tempo de amor.Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,minha alma no seu pendão.

Madrugada camponesa.Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu cantoporque amanhã vai chegar.

Thiago de Mello

XXVII Assembleia Nacional da CPT

Luziânia, 19 de março de 2015


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541056-faz-escuro-mas-eu-canto-memoria-rebeldia-e-esperanca 

A Opção pelos Pobres é Opção pela Justiça, e não é Preferencial

02.03.07 - América Latina

A Opção pelos Pobres é Opção pela Justiça, e não é Preferencial
José María Vigil

Teólogo
Adital

Para um reenquadramento teológico-sistemático da Opção pelos Pobres


Situação da questão

Sempre dissemos que a Opção pelos Pobres fundamenta-se em Deus mesmo, no ser de Deus, e tem, portanto, natureza "teocêntrica"[1] : De certa maneira, podemos dizer que Deus mesmo faz opção pelos pobres, Deus "é" opção pelos pobres. Era um consenso universalmente sentido que esta Opção pelos Pobres baseava-se precisamente no Amor-Justiça do Deus bíblico e cristão[2]

Entretanto, com o advento da "crise da Teologia da Libertação", alguns autores suavizaram seu discurso sobre a Opção pelos Pobres, preferindo abandonar a perspectiva do Amor-Justiça[3], substituindo-a quase completamente pela da "gratuidade" de Deus como fundamento da Opção pelos Pobres. Neste novo posicionamento, Deus, simplesmente "prefere" os pobres, tem uma "fraqueza" misericordiosa, uma "ternura" incontida para com eles, e não se deverá buscar muitas razões para esse fato, precisamente porque é "gratuito".

A Opção pelos Pobres resultaria ser uma espécie de "capricho" de Deus com relação aos "pequenos", aos "fracos", aos "insignificantes". É destes que hoje se deveria falar, e já não mais dos "pobres" no sentido forte[4] do discurso clássico, o qual hoje estaria já ultrapassado. A própria teologia da Opção pelos Pobres deveria desvincular-se do tema forte da justiça e ser adjudicada ao tema suave da gratuidade.

Minha tese é que este deslocamento do acento da Justiça para a Gratuidade de Deus como fundamento da Opção pelos Pobres deteriora e finalmente faz uso indevido dessa opção – consciente ou inconscientemente –, ao convertê-la em uma simples "preferência", em um "amor preferencial", uma simples prioridade de ordem na caridade[5], deixando de ser uma verdadeira "opção", uma tomada de partido disjuntiva e excludente, como uma opção fundamental, fundada para nós na própria natureza de Deus.

Não nego que tenha algum sentido afirmar que "Deus tem uma preferência gratuita pelos pequenos e pelos fracos"; mas sustento que tal "preferência" não pode ser identificada, em um sentido preciso, com a Opção pelos Pobres, nem muito menos pode ser posta como fundamento da mesma. Confundir a Opção pelos Pobres com essa "preferência de Deus para com os pequenos e fracos", ou com o assim chamado "amor preferencial pelos pobres", e aplicar-lhe o mesmo nome de Opção pelos Pobres, é ser vítima da confusão, ou ceder diante da estratégia de quem tentou re-significar e ocupar o termo Opção pelos Pobres para despojá-lo de seu conteúdo próprio. A Opção pelos Pobres original e clássica latino-americana, a típica da teologia e da espiritualidade da libertação, a Opção pelos Pobres pela qual morreram nossos/as mártires, e que também nós consideramos "firme e irrevogável", é outra, e deve ser diferenciada de qualquer sucedâneo. Uma fidelidade valente e lúcida deve refutar consciente e explicitamente esta pretensa fundamentação da Opção pelos Pobres na "gratuidade" de Deus. É o que quero ajudar a esclarecer. Para tanto, nada melhor que tratar de reajustar sistematicamente a própria natureza da Opção pelos Pobres.

Primeira tese: em sentido estrito, Deus ama sem preferências nem discriminações.

Afirmar o contrário seria, em boa parte, um antropomorfismo. Deus ama a todos/as igualmente, com um amor tão peculiar para cada pessoa, e ao mesmo tempo tão infinito, que não há possibilidade de quantificações nem de comparações nesse amor. Toda pessoa pode sentir-se amada infinitamente por Deus, e ninguém deve sentir-se "preferido" ou discriminado, nem positiva nem negativamente. Não é possível falar seriamente de "amores preferenciais" de parte de Deus com relação a alguns seres humanos em detrimento de outros. A suprema dignidade da pessoa humana e a equanimidade infinita de Deus o exigem. E tudo que se afaste disso, somente podem ser formas inadequadas de falar, "demasiado humanas", antropomorfismos.

Deus não tem parcializações, nem faz "acepção de pessoas". Não o faz por questões de raça, nem de cor, de gênero ou de cultura… Deus ama a todas suas criaturas, com amor realmente "não quantificável e incomparável", e nisso não cabem nem preferências nem discriminações.

Segunda tese: Deus opta pela justiça, não preferencialmente, mas sim alternativa e excludentemente.

Há, contudo, um campo em que Deus é necessariamente radical e inflexivelmente parcial: o campo da justiça. Aí Deus coloca-se do lado da justiça e contra a injustiça, sem a menor concessão, sem a menor "neutralidade", e sem simples "preferências": Deus está contra a injustiça e coloca-se do lado dos "injustiçados" (as vítimas da injustiça). Deus não faz nem pode fazer uma "opção preferencial pela justiça"[6]:, ao contrário, opta por ela posicionando-se radicalmente contra a injustiça e assumindo de uma maneira total a Causa dos injustiçados.

Esta opção de Deus pela justiça não se fundamenta em sua "gratuidade", nem é uma espécie de "capricho" divino que poderia ter sido de outra maneira ou simplesmente não ter sido, como se a sanção divina da justiça obedecesse a um simples voluntarismo ético[7].

A opção de Deus pela justiça fundamenta-se em seu próprio ser: Deus não pode ser de outra maneira, não poderia não fazer essa opção sem contradizer-se e sem negar seu próprio ser. Deus é, "por natureza", opção pela justiça, e essa opção não é gratuita (e sim axiologicamente inevitável), nem contingente (e sim necessária), nem arbitrária (e sim fundada per se no próprio ser de Deus), nem "preferencial" (e sim alternativa, exclusiva e exludente[8]).

Terceira tese: a Opção pelos Pobres é opção pelos "injustiçados".

O conceito "pobres", como parte da expressão "opção pelos pobres", causou certa confusão. De fato, se a opção é "pelos pobres", explica-se que sobrevenha a tentação de situar na "pobreza" o fundamento de tal opção, seja identificando falsamente pobreza com santidade (o que se evitou desde o princípio), ou re-elaborando metaforicamente o conceito de "pobreza" em diferentes direções[9], ou derivando-o em direção a qualquer um dos grupos que no Antigo Testamento parecem ser objeto de uma "preferência" por parte de Deus (os "fracos e pequenos"…), ou por outros muitos caminhos[10].

Poder-se-á evitar estes desvios trazendo-se à luz o papel teológico que o conceito de "pobres" tem concretamente na expressão "opção pelos pobres". Teologicamente falando, "pobres" significa aí exatamente "injustiçados". Porque Deus não opta pelos pobres porque sejam pobres (material e/ou economicamente), mas sim porque são "injustiçados". A pobreza econômica não é por si mesma uma categoria teológica; o é a injustiça, que pode dar-se nessa pobreza econômica. Teologicamente considerada, a "opção pelos pobres" é na realidade "opção pelos injustiçados"[11]. Se é chamada opção "pelos pobres", isso se deve a que, quoad nos, os pobres (econômicos) são o analogatum princeps da injustiça e sua expressão máxima ou por antonomásia.

Falando com precisão teológica, os destinatários desta Opção pelos Pobres não podem ser identificados sem mais como os "pobres econômicos" por si mesmos, nem com os "pobres que são bons", nem com os que são "pobres em algum sentido", ou os que têm "espírito de pobres"... (delimitações todas elas muito flexíveis, escorregadias, por causa dos jogos metafóricos da linguagem), mas sim com os "injustiçados", sejam pobres econômicos ou não, metafóricos ou não.

Ao contrário, os "pequenos e os fracos", ou seja, todos aqueles cuja "pobreza" não pode ser medida em termos de injustiça[12], não devem ser identificados pura e simplesmente como destinatários da Opção pelos Pobres, e sim por extensão metafórica. Podem ser objeto de uma "ternura especial" e gratuita por parte de Deus e nossa, mas este sentimento e esta atitude não devem ser confundidas com a Opção pelos Pobres.

Toda problemática humana que possa ser convertida em injustiça – mesmo que não tenha que ver com a "pobreza" em sentido literal ou econômico – é objeto da Opção pelos Pobres (porque esta é opção pela justiça). Assim, a discriminação étnica, de gênero, cultural… como formas de injustiça que são, e ainda que não se dêem juntamente com situações de pobreza econômica, são objeto da Opção pelos Pobres. Não o são por serem formas de pobreza – o que elas de fato não são –, mas sim por serem formas de injustiça.

A opção pela cultura desprezada, pela raça marginalizada, pelo gênero oprimido… não são opções diferentes da Opção pelos Pobres, mas sim concretizações diversas da única "opção pelos injustiçados", a qual chamamos de Opção pelos Pobres.

Quarta tese: a essência teológico-sistemática da Opção pelos Pobres e seu fundamento é a opção de Deus pela justiça.

Teologicamente falando, em sentido dogmático-sistemático, a verdadeira natureza da Opção pelos Pobres é a opção de Deus pela justiça. A "radiografia teológica" da Opção pelos Pobres, o fundamento sobre o qual se sustenta, o que realmente a constitui, é a opção de Deus pela justiça.

Se ignoramos sua relação com a justiça e a referimos a uma simples "vontade gratuita" de Deus, a Opção pelos Pobres extravia-se por caminhos que a desvirtuam, a mistificam e a desnaturalizam, acabando por convertê-la em um simples "amor preferencial", ou uma opção opcional, facultativa, gratuita, arbitrária, contingente, desvinculada da justiça, reduzida a "caridade" ou beneficência.

A Opção pelos Pobres de Deus é maior que – e anterior – ao que a Teologia da Libertação latino-americana captou e expressou como Opção pelos Pobres. A Opção pelos Pobres não é mais do que uma percepção – importante, mas que não esgota a totalidade – dessa opção de Deus pela justiça. A Opção pelos Pobres é uma forma nossa de perceber, de expressar e de assumir essa opção de Deus pela Justiça.

"Opção pelos Pobres" é um nome pastoral, histórico, escolhido em função de sua compreensão imediata. Contudo, teológico-sistematicamente considerada, ou seja, dando atenção à sua essência teológica mais profunda, a Opção pelos Pobres "é" opção pela justiça e o nome que melhor expressaria sua natureza teológica seria o de "opção pelos injustiçados"[13]. Não advogamos uma mudança de nome; simplesmente chamamos a atenção sobre o fato de que o nome não corresponde ao que seria uma "definição essencial"[14] da Opção pelos Pobres.

Quinta tese: Sendo opção pela justiça, a Opção pelos Pobres não é preferencial, mas sim disjuntiva e excludente. Ao contrário, a Opção Preferencial pelos Pobres é simplesmente uma prioridade e nem sequer é uma "opção".

A Opção pelos Pobres é uma tomada de posição espiritual, integralmente humana, e, portanto, também social e política, a favor dos pobres no âmbito do conflito social histórico, e por isso é uma opção disjuntiva e excludente[15].

A "Opção (não preferencial) pelos Pobres" pertence ao campo da justiça e fundamenta-se na própria opção de Deus pela justiça. Ao contrário, a "Opção Preferencial pelos Pobres» pertence ao âmbito da caridade[16] e pode ser posta em relação com a gratuidade de Deus. A Opção pelos Pobres não tem aplicabilidade diante das pobrezas naturais. A Opção Preferencial pelos Pobres, ao contrário, somente tem validade para as pobrezas naturais.

A Opção pelos Pobres vê a pobreza como uma injustiça a ser erradicada mediante o amor político e transformador, mediante uma práxis social, como ato de justiça. A A Opção Preferencial pelos Pobres, por sua parte, vê a pobreza como algo lamentável mas talvez natural, como algo que simplesmente deve ser compensado com atos de generosidade gratuita, assistencialmente.

A "preferencialização" da Opção pelos Pobres, ou seja, o deslocamento ou a substituição da Opção pelos Pobres pela Opção Preferencial pelos Pobres, funciona como um ocultamento das coordenadas da justiça para olhar a realidade somente a partir da perspectiva da beneficência ou do assistencialismo. Ou como a redução do amor cristão a uma misericórdia privatizada e a uma solidariedade espiritualizada. Um cristianismo com Opção Preferencial pelos Pobres, mas sem Opção pelos Pobres, é funcional para qualquer sistema injusto. A oposição à Opção pelos Pobres – e, em geral, à teologia e à espiritualidade da libertação em cujo seio aquela nasceu – serviu como o principal objetivo daqueles que tentaram reverter a renovação pós-conciliar da teologia e da espiritualidade latino-americanas com Medellín e Puebla, e como a volta a uma Igreja que legitima o sistema capitalista e neoliberal que também hostilizou frontalmente a Igreja da libertação latino-americana e a seus inumeráveis mártires.

Aplicado à Opção pelos Pobres, o adjetivo "preferencial", ao implicar uma relação de simples prioridade entre termos isentos de disjuntiva ou mútua exclusão, desnaturaliza a Opção pelos Pobres, convertendo-a em uma simples prioridade ou preferência de ordem, e isso também ao negar a possibilidade de uma opção radical por um dos termos submetidos à relação de preferência. Por isso, rigorosamente falando, a Opção Preferencial pelos Pobres não é Opção pelos Pobres, mas sim, como expressaram seus teóricos, um simples "amor preferencial" ou uma "forma especial de primazia no exercício da caridade cristã". É uma prioridade, e nem sequer é uma "opção", no sentido forte da palavra[17]. A adição do adjetivo "preferencial" serviu em muitos casos como "cavalo de Tróia" que introduziu na Opção pelos Pobres o germe de sua própria desnaturalização. Felizmente, são muitos os que adotaram só externamente o uso do adjetivo, pelas pressões do contexto ao seu redor, sem abandonar interiormente a compreensão e a vivência radical do que é a genuína natureza da Opção pelos Pobres, não preferencial, mas exclusiva e excludente.

Aplicações e corolários

Opção pelos Pobres: transcendental no nível da norma normans.

Em seu sentido teológico-sistemático (antes, portanto, ou mais além de sua aplicação concreta a mediações não-teológicas, e bem distinta destas), a Opção pelos Pobres é um transcendental que ultrapassa e atravessa as dimensões teológicas e pertence essencialmente à própria imagen do Deus bíblico e cristão. Nosso Deus "é" – pelo mais nuclear da revelação bíblica[18] e cristã, e por si mesmo – opção pela justiça[19], com absoluta precedência e com total independência de toda escola teológica ou de qualquer carisma ou espiritualidade em que nos movamos. Nessa qualidade, a Opção pelos Pobres não é suscetível de ser normada por dimensões subalternas[20] (situa-se no nível máximo da norma normans); e, percebida em consciência, deve ser obedecida como obediência a Deus mesmo, como disposição de espírito para a prova do amor maior.

Neste mesmo sentido, a Opção pelos Pobres não é uma "teoria" da teologia latino-americana da libertação, mas sim uma dimensão transcendental do cristianismo, dimensão que essa teologia teve o mérito de redescobrir – para o cristianismo universal – como vinculada à própria essência de Deus. Esta redescoberta é efetivamente "o maior acontecimento da hisória do cristianismo nos últimos séculos"[21], e marca um antes e um depois para aqueles que na sua Opção pelos Pobres fizeram uma experiência espiritual de conversão ao Deus dos pobres, a qual não pode ser apagada e da qual não se pode mais retroceder. A Opção pelos Pobres deve ser considerada como "firme e irrevogável" e como uma "nota da verdadeira Igreja".

Pobreza, riqueza e injustiça.

Com relação à identificação da Opção pelos Pobres como opção pela justiça, podemos estender-nos em linguagem mais aplicada.

• Se a pobreza de uma pessoa ou grupo se deve ao fato de que tenha sido vítima da injustiça[22] – e nessa medida –, Deus está do lado desse pobre, contra sua pobreza, e contra as causas dessa pobreza-injustiça. E está, necessariamente, de um modo "excludente" da injustiça dos injustos, e não simplesmente com uma "opção preferencial não excludente".

Se se trata de alguma "pobreza" que não tenha a ver com a justiça ("pobrezas naturais", de raça, de gênero, de cultura…), Deus não faz discriminações a respeito disso, nem "prefere", nesse campo, a ninguém. Deus não prefere nem despreza a nenhuma raça ou gênero ou cultura por si mesmos.

• Se a riqueza de uma pessoa ou grupo implica injustiça – e nessa medida –, Deus está decididamente contra essa riqueza, contra o modo de vida que a gera, porque Ele está do lado dos que sofrem as conseqüências da injustiça e está contra os que a causam. E está nessa atitude de um modo necessário e de um modo que exclui essa injustiça, e não com uma opção somente "preferencial pelo pobre", mas sim radicalmente excludente do "modo de vida do rico"[23] que produz essa injustiça.

Se há alguma riqueza que não tem a ver com a injustiça (qualidades psicológicas, gênero, dons corporais e/ou espirituais, acaso…) Deus não faz aí discriminações: nem prefere nem despreza ninguém.

O conceito de justiça como mediação.

Logicamente, os princípios teológicos devem necessariamente passar pelo filtro ulterior de diversas mediações filosóficas, sociológicas e até políticas, na hora de serem postos em prática na arena da realidade.

Por exemplo: o próprio conceito de "justiça", com todas suas implicações filosóficas, sociológicas, políticas e até culturais, será uma mediação especialmente influente no campo desta "opção pelos pobres". Há um conceito capitalista de justiça, há outro socialista, há outro neoliberal, há outro imperialista… as pessoas são influenciadas por um ou outro segundo o "lugar social" que ocupam, ou pelo qual optam. Àquele para o qual a justiça é simplesmente "dar a cada um o que é seu", um mundo de extremas desigualdades pode parecer justo se – por exemplo – só valoriza a atual legalidade da propriedade privada absolutizada. Não o pareceria, porém, a nenhum dos Padres da Igreja, nem a quem faça seu o conceito de justiça social distributiva e democrática da doutrina social da Igreja, porque estas pessoas operam com um conceito de justiça muito diferente.

Neste sentido, apesar de referir-nos teoricamente a um mesmo Deus, e apesar de aceitarmos talvez como evidente sua opção pela justiça, a visão da vontade de Deus sobre o mundo pode ser diversa ou até contrária em uns cristãos e em outros. Onde está a origem dessa discrepância?

Poderia não estar no próprio conceito que tenhamos de Deus nem de seu Projeto ou Vontade, mas sim no conceito de justiça com o qual construímos nossos juízos morais. A origem pode estar no juízo moral que, a partir do conceito de justiça de cada um, fazemos sobre a pobreza e a riqueza e sobre os mecanismos sociais ou estruturas que as geram ou produzem, se as julgamos como naturais ou como históricas, como fatais ou como corrigíveis, como casuais ou como causadas, culpáveis ou inculpáveis, estruturais ou conjunturais, produto essencial do sistema perverso ou subproduto acidental negativo de um sistema social não necessariamente negativo. Assim, por exemplo:

- aqueles para os quais a atual divisão tão desigual da riqueza no mundo (a famosa "taça de champanhe" dos informes do PNUD) pareça "natural", pensarão também – com boa lógica – que Deus não se pronuncia sobre ela, ou que somente nos exorta à esmola, à beneficência, à gratuidade generosa… para oferecer paliativos a essas lamentáveis diferenças "naturais"…;

- aqueles, pelo contrário, para os quais pareça que tal divisão do mundo é injusta e pecaminosa, pensarão – também com boa lógica – que Deus está irritado com ela e que deseja ardentemente que seja abolida, e que quer que o ajudemos a combater essa injusta desordem com um compromisso radical pela justiça;

- a aqueles que pensem que essa situação do mundo é o maior drama da humanidade atual..., lhes parecerá também que sua superação urgente expressa a maior e mais premente vontade de Deus;

- aqueles que considerem que o neoliberalismo é inocente, ou que é "o menos pior dos sistemas"..., pensarão que Deus quer que o apoiemos, ou inclusive que o "melhoremos" em algumas de suas "deficiências acidentais";

- aqueles que, ao contrário, são de opinião que o neoliberalismo é injusto, ou inclusive a maior injustiça, a mais estrutural, pensarão que Deus quer que combatamos esta estrutura de pecado do modo mais empenhado possível.

Pareceria claro, desta forma, que o problema teológico dirige-se para a discussão e a análise das mediações, e que as discrepâncias se situariam não no nível propriamente teológico dos princípios, mas no nível prudencial das mediações. Contudo, isto é só a metade da verdade, porque nosso conceito de justiça faz parte de nossa escolha de Deus. "Dize-me que entendes por justiça, e te direi qual é teu Deus". Dize-me em que justiça crês, e te direi a qual Deus adoras.

Costumamos pensar que nosso conceito de justiça nos venha do Deus em que cremos, mas também o contrário é certo: só cremos no Deus que cabe em nosso conceito de justiça. A opção mais fundamental de nossa vida pode ser aquela na qual optamos por um conceito ou outro de justiça, justiça que é ao mesmo tempo nossa utopia para o mundo. Nossa imagem de Deus é filha da opção na qual escolhemos nosso conceito de justiça e sua correspondente utopia para o mundo. E vice-versa: muitos não chegam a assumir um conceito utópico de justiça porque previamente fizeram a opção pelo Deus do egoísmo e de suas riquezas.

A Opção pelos Pobres é, pois, ao mesmo tempo, uma opção por Deus (dos pobres) e uma opção pela justiça utópica (do Reino). A "opção pelos ricos" é, ao mesmo tempo, uma renúncia ao Deus dos pobres e uma opção por uma justiça resignada ao egoísmo. A opção pelos pobres ou pelos ricos, a justiça utópica e a justiça resignada, e o Deus dos pobres ou sua recusa, estão mutuamente implicados em um círculo hermenêutico. Nossa obediência a Deus não se dá em relação direta com Deus, mas na escolha de um ideal de justiça utópica ou de uma justiça resignada[24]. Princípios e mediações estão mais mutuamente implicados do que pareceria. Deus é justo, e a justiça é divina. A opção pelos pobres é, ao mesmo tempo, um ato de fé no Deus dos pobres e uma opção ética e humanizante pela justiça (a dos pobres e a de Deus simultaneamente). De sua parte, a opção pelo egoísmo é, ao mesmo tempo, uma injustiça e uma recusa de (do) Deus (dos pobres). Voltando ao princípio, Deus e a Opção pelos Pobres não se podem separar, porque a Opção pelos Pobres fundamenta-se em Deus mesmo, em Sua justiça. A gratuidade de Deus é outro tema.

Publicado sobre papel em:

«Perspectiva Teológica» XXXVI/99(maio/agosto 2004)241-252 Belo Horizonte, Brasil. 
«Vida Pastoral» 245(novembro-dezembro 2005)22—27, São Paulo (sem notas).


Notas:

[1] "Digamo-lo com clareza: a razão última dessa opção está no Deus em quem cremos. (...) Trata-se, para o crente, de uma opção teocêntrica, baseada em Deus". G. GUTIÉRREZ, "El Dios de la Vida", Christus 47(1982)53-54, G. GUTIÉRREZ, La fuerza histórica de los pobres, Lima, 1980, pp 261-262. 
[2] Apesar de ser uma obviedade, ver a tese de doutorado de J. LOIS, Teología de la Liberación: opción por los pobres. Madrid: IEPALA 1986. Aí se estuda a Opção pelos Pobres em vários dos principais teólogos da libertação do período clássico. 
[3] Um caso claro pode ser o de Gustavo GUTIÉRREZ. Em uma palestra pronunciada diante de Ratzinger, afirma: "A temática da pobreza e da marginalização convida-nos a falar de justiça e a ter presentes os deveres do cristão a respeito. Na verdade é assim, e esse enfoque é sem dúvida fecundo. Mas não se deve perder de vista o que faz que a opção preferencial pelos pobres seja uma perspectiva tão central. Na raiz dessa opção está a gratuidade do amor de Deus. Este é o fundamento último da preferência". A partir desse momento, já não volta a aparecer a palavra "justiça" em sua dissertação e toda a Opção pelos Pobres gira em torno à "gratuidade". Cf. G. GUTIÉRREZ, Una teología da liberación en el contexto del tercer milenio, in VÁRIOS, El futuro de la reflexión teológica en América Latina. Bogotá: CELAM, 1996, p. 111. Não se trata de um texto isolado, mas sim, em minha modesta opinião, de uma perspectiva suavizada comum na teologia da Opção pelos Pobres de G. Gutiérrez já há mais de uma década; cf. G. GUTIÉRREZ, Pobres y opción fundamental, in Mysterium Liberationis, San Salvador, UCA Editores, 1991, pp. 303ss, 310. 
[4] Pobres que eram uma realidade "coletiva, conflitiva e socialmente alternativa": C. BOFF, ¿Quiénes son hoy los pobres, y por qué?, in J. PIXLEY / C. BOFF, Opción por los pobres, Madrid: Paulinas, 1986, pp. 17ss. 
[5] Um amor igual para todos, mas que começa pelos pobres e continua pelos ricos, sem fazer entre eles nenhuma diferença; um "amor igualitário, mas com uma ordem de prioridade", simplesmente. 
[6] Quem opta "preferencialmente" pela justiça, opta também, ainda que seja menos preferencialmente, pela injustiça. No dilema de justiça e injustiça não há "simples preferências" possíveis: a opção está diante de alternativas de uma disjuntiva excludente. 
[7] Recordemos a posição teológica medieval (o "voluntarismo ético") de quem sustentava que a ordem moral atual não era necessária, mas sim contingente, e que obedecia a uma vontade positiva e gratuita (arbitrária) de Deus. A ordem moral – esta doutrina sustentava –  teria podido ser outra, inclusive a contrária da atual, se Deus assim o tivesse querido em um inescrutável desígnio arcano de sua vontade. 
[8] J.M. VIGIL, Opción por los pobres, ¿preferencial y no excluyente?, in J.M. VIGIL, Sobre la opción por los pobres, Santander: Sal Terrae, 1991, pp. 57ss. Editado também na Nicarágua (Editorial Nicarao, 1991), Chile (Rehue, 1992), Colômbia (Paulinas, 1994), Equador (Abya Yala, 1998), Itália (Citadella, 1992), Brasil (Paulinas, 1992). 
[9] Como quando se argumentava que os ricos eram os verdadeiros pobres (pobres em riquezas espirituais, das quais os pobres materiais eram muito ricos)… Chegou-se a verdadeiros jogos de palavras ou malabarismos conceptuais para não entender o óbvio. Casaldáliga deu testemunho poético disso em suas Bem-aventuranças da conciliação pastoral. 
[10] Pobreza de espírito, pobres de Javé, virtude da pobreza, anawin, infância espiritual…
[11] "Opção pelos injustiçados" é uma expressão precisa, que escapa à possibilidade de ser mistificada ou metaforizada. 
[12] Como é o caso das pobrezas "naturais", não históricas, sem culpa de ninguém. 
[13] Por isso os novos sujeitos não necessitam de uma "opção" pela mulher, pelo/a indígena ou afro… uma vez que a própria opção pelos "injustiçados" inclui a todos/as eles/as. 
[14] "Definição essencial", no dizer da lógica clássica, é aquela que não somente discrimina adequadamente seu objeto, mas que o faz em referência à sua essência (e não, por exemplo, com base em um "próprio" ou a um conjunto de acidentes suficientemente discriminante.
[15] J.M. VIGIL, Opción por los pobres, ¿preferencial y no excluyente?, in J.M. VIGIL, Sobre la opción por los pobres, Santander: Sal Terrae, 1991, pp. 57ss. 
[16] O das classicamente chamadas "obras de misericórdia"; por isso, a Opção Preferencial pelos Pobres pode ser chamada com propriedade, efetivamente, "amor preferencial pelos pobres". Isso é o que é. A Opção pelos Pobres é outra coisa. 
[17] O ato pelo qual uma pessoa faz sua Opção pelos Pobres ou escolhe seu lugar social participa do caráter antropológico existencial que a assim chamada "opção fundamental" tem. 
[18] Deus não tem favoritismos (Rm 2,11). O Soberano de todos não faz diferença entre as pessoas e não fará caso de grandeza (Sb 6,7). Um juízo implacável espera os poderosos; o pequeno tem desculpas e merece compaixão, mas os poderosos serão castigados severamente. Ele criou os grandes e os pequenos e de todos cuida igualmente. Os poderosos serão examinados com mais rigor. (Sb 6,6.7b.8). Mestre, sabemos que és justo e que não fazes acepção de pessoas… (Mt 22,16). O ser humano olha as aparências, mas Javé olha o coração… (1Sm 16,7). 
[19] "A luta pela justiça é como outro nome do Deus do Antigo Testamento e do Deus de Jesus»: R. VELASCO, La Iglesia de Jesús, Estella: Verbo Divino, 1992, p. 33. 
[20] Eclesiásticas ou disciplinares, por exemplo. 
[21] "Pessoalmente opino que com a opção preferencial pelos pobres produziu-se a grande e necessária revolução copernicana no seio da Igreja, cujo significado transborda o contexto eclesial latino-americano, concerne à Igreja universal. Sinceramente, creio que esta opção significa a mais importante transformação teológico-pastoral acontecida desde a Reforma protestante do século XVI". L. BOFF, citado por J. LOIS, Teología de la liberación: opción por los pobres, Madrid: IEPALA, 1986, p. 193.
[22] É o que se queria dizer com a preferência do adjetivo dinâmico "empobrecidos" (como dinâmico é também o conceito de "injustiçado"), ao invés do nome estático de "pobres".
[23] Por "modo de vida do rico" entendemos tudo o que implica o rico – exceto sua própria pessoa –: seu estilo de vida, seu papel social, a Causa à qual objetivamente serve, seu luxo, sua exploração dos pobres, sua participação no sistema que os explora…
[24] Casaldáliga expressava o conflito entre os dois deuses e as duas justiças, em seu poema "Equívocos": Onde tu dizes lei / eu digo Deus. / Onde tu dizes paz, justiça, amor, / eu digo Deus! / Onde tu dizes Deus, / eu digo liberdade, / justiça, / amor!


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