O
Ensino Social da Igreja e os desafios do desenvolvimento humano,
econômico, técnico. Como a fé inspira a militância cristã na
prática da justiça social, da ética, da política.
Flávio Guerra
Introdução.
A
Igreja, com seu ensino social, tem a missão de “anunciar e
atualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais”, isto
é, da própria sociedade. O Evangelho se ocupa com todas as
dimensões do ser humano para que este tenha “vida e a tenha em
abundância” (Jo 10, 10). O ser humano vive em sociedade e sua
“convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade
de vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada
mulher se compreendam a si próprios e decidem de si mesmos e da
própria vocação”. Esta é a razão pela qual a Igreja se ocupa
“com tudo o que na sociedade de decide, se produz e se vive, numa
palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora da
vida social”. Por isso, “a política, a economia, o trabalho, o
direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e
mundano e, portanto, marginal e alheio à mensagem e à economia da
salvação”(CDSI, 62).
Na
encíclica Populorum Progressio, Paulo VI esclarece em que consiste o
verdadeiro desenvolvimento. Este tem como finalidade proporcionar a
toda pessoa vida digna, isto é, passar de condições menos humanas
de vida para condições mais humana de vida. O documento define
quais são as condições menos humana de vida: “as carências
materiais dos que são privados do mínimo vital; carências morais
dos que são mutilados pelo egoísmo; presença de estruturas
opressivas, quer provenham do abuso da posse ou do poder: da
exploração dos trabalhadores e as injustiças das transações”.
Em seguida, o referido documento elenca as condições mais humanas
de vida: “a passagem da miséria à posse do necessário; a vitória
sobre os flagelos sociais; o alargamento dos conhecimentos; a
aquisição da cultura; a consideração crescente da dignidade dos
outros; a orientação para o espírito de pobreza; a cooperação no
bem comum; a vontade de paz; o reconhecimento, pelo homem, dos
valores supremos, e de Deus que é a origem e o termo deles,
sobretudo, a fé, dom de Deus acolhido pela boa vontade do homem, e a
unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a participar como
filhos na vida de Deus vivo, Pai de todos os homens” (PP 20; 21).
Em
outras palavras, pode-se afirmar que o desenvolvimento é integral na
medida em que realiza todas as dimensões do ser humano. Na dimensão
econômica ele requer a participação ativa e em condições de
igualdade no processo econômico internacional; na dimensão social
busca a evolução para sociedades instruídas e solidárias; na
dimensão política empenha-se para consolidar regimes democráticos
capazes de assegurar a liberdade e a paz; na dimensão religiosa
promove a abertura do ser humano para a transcendência (CV 21; 29).
I.
Os principais desafios do desenvolvimento humano.
Hoje
o que mais afeta o modo de ser e de viver do ser humano é a
realidade cultural. Ela carrega consigo aspectos positivos, mas, ao
mesmo tempo, não contribui para que o ser humano possa desenvolver
sua vocação humana de acordo com o desígnio de Deus.
Segundo
o documento de Aparecida a humanidade passa por uma mudança de época
que traz mudanças significativas no modo dos ser humano se entender.
O lado bom dessas mudanças diz respeito: “’ao valor fundamental
da pessoa, de sua consciência e experiência, a busca do sentido da
vida e da transcendência (52); a necessidade de construir o próprio
destino e o desejo de encontrar razões para a existência podem
colocar em movimento o desejo de se encontrar com os outros e
compartilhar o vivido como maneira de dar de si uma resposta (53);
ênfase na experiência pessoal e vivencial leva a considerar o
testemunho como componente chave na vivência da fé (55).
Porém,
a atual cultura contém muitos elementos negativos que atingem
questões fundamentais da vida das pessoas e dos cristãos, a saber:
‘Deus é excluído do horizonte das pessoas; sobrevalorização da
subjetividade individual que enfraquece os vínculos comunitários e
propõe uma radical transformação do tempo e do espaço,dando papel
primordial à imaginação (44); ciência e tecnologia colocados
exclusivamente a serviço do mercado com critérios únicos de
eficiência, de rentabilidade e do funcional; os MCS,introduz na
sociedade um sentido estético, uma visão a respeito da felicidade,
uma percepção da realidade e até uma linguagem que quer impor-se
como autêntica cultura (45); nova colonização cultural pela
imposição de culturas artificiais, desprezando as culturas locais e
com tendência de impor uma homogeneização de todos os setores
(46); exasperada defesa dos direito individuais e subjetivos deixando
em segundo plano os direitos sociais (47); a felicidade que propõe a
avidez do mercado é o bem-estar econômico e da satisfação
hedonista (50); a cultura de consumo afeta mais as novas gerações
imprimindo nelas a lógica do individualismo pragmático e narcisista
que não a impressão de um mundo de libera de e igualdade (51).
II.
Os principais desafios do desenvolvimento econômico.
O
desenvolvimento econômico tem como finalidade proporcionar os bens
materiais e imateriais necessários para que todos possam viver bem e
assim viver de forma digna. Porém, o que constatamos é que os bens
da terra e os frutos do trabalho humano não são partilhados entre
todos: 20%
da população mundial, concentrados na parte ocidental do hemisfério
Norte, detêm 80% da riqueza do planeta (Frei Beto). No Brasil,
apesar dos avanços nos últimos anos, a desigualdade social ainda é
acentuada. E um dado que estarrece é o escândalo da fome que
atinge, segundo o IBGE, aproximadamente 11 milhões de pessoas.
Nosso
povo ainda é atingido por graves problemas que amargam sua vida
devido a um desenvolvimento econômico que privilegia o lucro e o
consumo em detrimento da vida das pessoas e do meio ambiente.
1.
Exclusão social.
Não
tem como negar que, apesar da melhora das políticas públicas
adotadas pelo governo federal, estadual e municipal, ainda existe uma
multidão de pobres e miseráveis fruto de ‘antigas e novas
pobreza’ em cujos rostos resplandece o rosto pobre e crucificado de
Jesus: moradores de rua, migrantes, enfermos,dependentes de
substâncias químicas, presos, mulheres explorada por questão de
gênero, étnica e situação sócio-econômica, crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social. Eles já não
são somente explorados, mas supérfluos e descartáveis (Diretrizes,
25).
2.
Acesso ao trabalho para todos.
Um
dos fenômenos da globalização econômica é o desemprego
estrutural. Ele “se caracteriza pela diminuição da mão-de-obra
empregada na indústria, pela fragmentação do processo produtivo e
pela flexibilização das relações de trabalho” (Diretrizes 26).
Essa situação gera dois graves problemas. Um diretamente ligado à
organização dos trabalhadores, pois gera a desunião e
desmobilização dos mesmos na luta na defesa de direitos. O outro
problema diz respeito à dignidade do trabalhador, principalmente dos
jovens, pois, o desemprego “destrói a dignidade pessoal, a visão
de futuro, e o sentido de lealdade e solidariedade” (Diretrizes,
26).
O
pior de tudo é o novo aspecto do desemprego referente “a exclusão
do trabalho por muito tempo. Essa situação corrói a liberdade e a
criatividade da pessoa e as suas relações familiares e sociais,
causando enormes sofrimentos a nível psicológico e espiritual”.
Por isso, o documento lembra um princípio fundamental do Ensino
Social da Igreja que reza: “o primeiro capital a preservar e
valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade”, pois, o homem
é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida
econômico-social”(CV 25).
Em
vista da busca de emprego e melhores condições de vida assistimos
grande mobilidade humana (Diretrizes, 31). As conseqüências desse
fenômeno se fazem sentir no inchaço das periferias das cidades numa
situação de vida indigna; na perda da identidade cultural; na
desestruturação da família. “Quando se torna endêmica a
incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos
de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade
psicológica, com dificuldade a construir percursos coerentes na
própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimônio. Consequência
disso é o aparecimento de situações de degradação humana, além
de desperdício de força social” (CV 25).
Pelo
fato da economia e a vontade política não proporcionar trabalho
para todos surge o trabalho informal. Calcula-se que quase a metade
da população economicamente ativa vive do trabalho informal. Este
“se vê submetido à precariedade das condições de emprego e à
pressão constante da subordinação, que traz consigo salários mais
baixos e falta de proteção na área de seguridade social, não
permitindo a muitos o desenvolvimento de uma vida digna”(DA 71).
3.
Domínio do poder econômico sobre o poder político.
O
poder econômico das instituições financeiras e das grandes
empresas nacionais e internacionais impõe suas decisões aos
Estados. A estes cabe administrar essas decisões. Diante dessa
situação os Estados não conseguem ”levar adiante projetos de
desenvolvimento a serviço de suas populações” (diretrizes, 28).
E, por outro lado, esses grandes grupos econômicos, “impondo suas
decisões e substituindo as instâncias políticas, com riscos para a
democracia. Certamente, houve desencanto e diminuição da confiança
do povo nos políticos, nas instituições públicas e nos três
poderes do Estado” (Diretrizes,33).
Na
nova conjuntura econômica o Estado está subordinado ao poder
econômico internacional. “Atualmente o Estado encontra-se na
situação de ter de enfrentar as limitações que lhes são impostas
à sua soberania pelo novo contexto econômico comercial e financeiro
internacional, caracterizado nomeadamente por uma crescente
mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de produção
materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político
do Estado” (CV 24).
A
lógica econômica que predomina na política do governo insiste, sob
pretexto de evitar a inflação, em elevar os juros para favorecer o
mercado financeiro e não os consumidores. Basta dizer que governo
federal gastou em 2008, com a dívida pública, 30,57% do orçamento
da União para irrigar a especulação financeira. E apenas 11,73% do
orçamento com saúde (4,81%), educação (2,57%), assistência
social (3,08%), habitação (0,02%), segurança pública (0,59%),
organização agrária (0,27%), saneamento (0,05%), urbanismo
(0,12%), cultura (0,06%) e gestão ambiental (0,16%).Quem mais paga
impostos são os pobres. Os 10% mais pobres da população destinam
32,8% de sua escassa renda ao pagamento de tributos, enquanto os 10%
mais ricos, que dispõem de mecanismos de isenção tributária,
apenas 22,7% da renda.O ciclo da moderna economia política fecha-se
num mundo auto-suficiente, indiferente a qualquer consideração
ética sobre a vida humana e a preservação da natureza. Os fatos
históricos e a miséria em que vive grande parte da humanidade –
2/3 da população mundial sobrevivem abaixo da linha da pobreza,
segundo a ONU -, põem em questão o rigor e a seriedade dessa
ciência e a bondade das políticas econômicas voltadas mais ao
crescimento e à acumulação da riqueza do que ao verdadeiro
desenvolvimento sustentável. A ONU informa que, em 2009, foram
investidos US$ 18 trilhões para socorrer bancos e empresas ameaçados
de quebra devido às dificuldades econômicas e financeiras. De onde
surgiu esta imensa quantia de dinheiro? A pergunta é pertinente,
pois até então se dizia não haver recursos para garantir os
direitos básicos das pessoas nem para a superação da miséria e da
fome. Nos últimos 49 anos, a ajuda dos países ricos às nações em
desenvolvimento foi de apenas US$ 2 trilhões! Uma mísera esmola ao
longo de quase meio século!A crise financeira comprovou que, por si
só, o mercado é incapaz de reduzir o índice de exclusão social e
assegurar a prosperidade coletiva. Nem é este o seu objetivo. (Frei
Beto).
4.
Crescimento da violência.
A
violência faz parte do dia-a-dia da vida das pessoas. A maioria das
pessoas vive na insegurança. A violência degrada quem a pratica. E
fere a dignidade humana de quem é vítima dela. Ao mesmo tempo,
rompe o tecido social da harmonia e da convivência pacífica. A
violência banaliza a vida, manifestada em roubos, assaltos,
sequestros e assassinatos. A violência se reveste de várias formas
e tem diversos agentes: o crime organizado e o narcotráfico, grupos
paramilitares, violência generalizada, tanto na periferia das
grandes cidades como no campo, violência de grupos juvenis e
crescente violência intra-familiar” (Diretrizes, 35).
As
causas da violência são múltiplas, mas podem ser reduzidas numa, a
saber, “a ausência de Deus no coração das pessoas”(diretrizes,
35). A vida sem Deus faz o pecado germinar no coração das pessoas e
no coração da sociedade organizada. Por isso, a árvore da
sociedade está carregada de maus frutos: “a exclusão, a idolatria
do dinheiro, o avanço da ideologia individualista e utilitarista, a
falta de respeito pela dignidade de cada pessoa, a deteriorização
do tecido social, a corrupção na esfera publica dos três poderes e
também no setor privado, as ramificações com organizações
internacionais do tráfico de drogas, armas, pessoas, paraísos
fiscais e lavagem de dinheiro” (Diretrizes, 35).
5.
As populações rurais desassistidas.
Boa
parte das populações rurais não consegue realizar sua dignidade
humana. Elas “sofrem as consequências da pobreza, agravada pela
falta de acesso à terra própria, de financiamento adequado, de
condições gerais de vida digna e de apoio à agricultura familiar.
A reforma agrária continua sendo uma exigência diante da
escandalosa concentração de terra nas mãos de poucas pessoas e
grupos econômicos e da violência do campo” (Diretrizes, 29; DA
723).
O
responsável pela atual situação dos trabalhadores do campo é
“modelo de desenvolvimento econômico capitalista-consumista, que
privilegia o mercado financeiro e o agronegócio. Isso leva a
expansão da pecuária extensiva e das monoculturas de soja,
eucalipto, cana-de-açúcar, assim como a projetos como do
biocombustível, em detrimento da agricultura familiar, da reforma
agrária e de projetos populares como a construções de cisternas,
por exemplo, no semi-árido do país” (Diretrizes, 37)
6.
Degradação do Planeta Terra.
O
Planeta Terra no Brasil está sendo agredido de diversas formas: a
biodiversidade que é alvo de cobiça internacional está sendo
destruída e muitas espécies correm o risco de serem extintas; o
acervo de conhecimentos tradicionais sobre a utilização dos
recursos naturais é objeto de apropriação intelectual ilícita por
parte de indústrias farmacêuticas e de biogenética; o aquecimento
global; o exauri mento dos recursos naturais; a natureza, a terra e a
água são tratadas como mercadorias negociáveis disputadas pelas
grandes potências (Diretrizes, 37).
Esse
modo violento de lidar com o Planeta Terra se origina do “modelo de
desenvolvimento econômico capitalista-consumista, que privilegia o
mercado financeiro e o agronegócio. Isso leva a expansão da
pecuária extensiva e das monoculturas de soja, eucalipto,
cana-de-açúcar, assim como a projetos do biocombustível, em
detrimento da agricultura familiar, da reforma agrária e de projetos
populares como a construções de cisternas, por exemplo, no
semi-árido do país” (Diretrizes, 37).
A
preservação da natureza sofre devido às ações das indústrias
extrativistas internacionais e da agroindústria. Estas com “muita
frequência subordina a preservação da natureza ao desenvolvimento
econômico, com danos à biodiversidade, com esgotamento das reservas
de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e
a mudança climática”. Além disso, a região “se vê afetada
pelo aquecimento da terra e mudança climática provocada
principalmente pelo estilo de vida não sustentável dos países
industrializados” (66) (Diretrizes, 28).
O
documento de Aparecida é contundente em apontar as causas “da
exploração irracional que vai deixando um rastro de dilapidação,
inclusive de morte por toda a nossa região”. Em tudo isso, “tem
enorme responsabilidade o atual modelo econômico, que privilegia o
desmedido fã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e
do respeito racional pela natureza. A devastação de nossas
florestas e da biodiversidade mediante uma atitude predatória e
egoísta, envolve a responsabilidade moral dos que a promovem, porque
coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do
hábitat dos camponeses e indígenas, que são expulsos para as
terras improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoados
nos cinturões de miséria”(473). Em seguida, o texto denuncia “uma
industrialização selvagem e descontrolada” que tanto no campo
quanto na cidade contamina “o ambiente com todo tipo de dejetos
orgânicos e químicos”. A mesma situação acontece com as
indústrias extrativas. É necessário “controlar e neutralizar
seus efeitos danosos sobre o ambiente circundante”, pois “produzem
a eliminação das florestas, a contaminação da água e transformam
as regiões exploradas em imensos desertos” (473).
7.
Ecletismo e homogeneização cultural
No
plano cultural, antes, as culturas eram bastante bem definidas e, por
isso, podiam defender-se da homogeneização cultural. Hoje, cresce
notavelmente a possibilidade de interação cultural através do
diálogo intercultural. Este será eficaz na medida em que os
interlocutores mantenham sua específica identidade. Se isso não
acontece corre-se o perigo do ecletismo cultural, isto é, colocar
lado a lado as diversas culturas considerando-as substancialmente
equivalentes e intercambiáveis, muitas vezes, sem realizar um
autêntico discernimento (26).
No
plano social, pode-se cair no relativismo cultural onde grupos
culturais se juntem e convivem, mas separados e sem um verdadeiro
diálogo que leve a uma verdadeira integração. Por outro lado, pode
surgir o perigo oposto no sentido de nivelamento ou de homogeneização
cultural de comportamentos e estilos de vida. Com isso, perde-se o
significado profundo da cultura das diversas nações, das tradições
de diversos povos em cuja esfera a pessoa se confrontava com questões
fundamentais da vida (26).
Tanto
o ecletismo quanto o nivelamento cultural conseguem, no fundo,
separar a cultura da natureza humana. “assim, as culturas deixam de
saber encontrar a sua medida numa natureza que a transcende,acabando
por reduzir o homem a simples dado cultura. Quando isso acontece, a
humanidade corre novos perigos de servidão e manipulação” (26).
III.
Os desafios do desenvolvimento técnico segundo a Cartas in Veritate.
A
reflexão sobre o desenvolvimento dos povos e a técnica faz sentido
na medida em “ que o problema do desenvolvimento está estritamente
unido ao progresso tecnológico, com suas deslumbrantes aplicações
no campo biológico”. Em seguida, define a técnica como “um dado
profundamente humano, ligado a autonomia e a liberdade do homem”.
Ela “permite dominar a matéria, reduzir os riscos, poupar fadigas,
melhorar as condições de vida”. Ela é “considerada como obra
do gênio humano, o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria
humanidade”. “A técnica é o aspecto objetivo do agir humano
cuja origem e razão de ser estão no elemento subjetivo: o homem que
atua”. Nesse sentido, ela “manifesta o homem e suas aspirações
ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma
gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim a
técnica insere-se no mandato de ‘cultivar e guardar a terra’ (Gn
2, 15) que Deus confiou ao homem, e há de ser orientado para
reforçar aquela aliança entre o ser humano e o ambiente em que se
deva refletir o amor criador de Deus” (69).
1.
Mentalidade tecnicista.
O
documento preocupa-se na possibilidade do desenvolvimento tecnológico
deixar-se ‘induzir’ pela “idéia de auto-suficiência da
própria técnica”. Isso acontece quando o ser humano interroga-se
“apenas sobre o como” e esquece “de considerar os muitos
porquês pelos quais é impelido a agir”. Por isso, “a técnica
apresenta-se com uma fisionomia ambígua”. De um lado, ela expressa
a “criatividade humana como instrumento de liberdade da pessoa”.
E de outro, ela “pode ser entendida como elemento de liberdade
absoluta”, isto é, “que prescinde dos limites que as coisas
tragam consigo”. Nesse caso, entra o processo de globalização.
Este “poderia substituir as ideologias com a técnica, passando
esta a ser um poder ideológico que exporia a humanidade ao risco de
ser ver fechada dentro de um a priori do qual não poderia sair para
encontrar o ser e a verdade”. Numa palavra, o ser humano busca em
si mesmo o sentido de tudo o que acontece em sua vida. É uma ‘visão
muito forte hoje’, denominada “mentalidade tecnicista” na qual
“o único critério de verdade é a eficiência e a utilidade”.
Nesse sentido, se tem uma concepção de desenvolvimento voltada
exclusivamente no fazer. Porém, “a chave do desenvolvimento é uma
inteligência capaz de pensar a técnica e de individualizar o
sentido plenamente humano do agir do homem, no horizonte de sentido
da pessoa vista na globalidade de seu ser. Mesmo quando atua
mediante um satélite ou um comando eletrônico à distância, o seu
agir continua sempre humano, expressão de uma liberdade
responsável”. Esta o é verdadeira na medida em que seja “fruto
de responsabilidade moral. Daí a necessidade de uma urgente
“formação para a responsabilidade ética no uso da técnica”
(70).
2.
Tecnização da economia.
A
possibilidade da “mentalidade tecnicista” acontece “nos
fenômeno da tecnização do desenvolvimento e da paz. Aquele é
“considerado um problema de engenharia financeira, de abertura dos
mercados, da redução das tarifas aduaneiras , de investimentos
produtivos, de reformas institucionais”. Tudo isso é necessário.
No entanto, “as opções do tipo técnico tenham resultado apenas
de modo relativo” porque o “desenvolvimento não será jamais
garantido completamente por forças de certo modo automático e
impessoais, seja elas as do mercado ou as da política
internacional”. A razão de tudo isso, está no fato de que o
desenvolvimento só é possível com “homens retos”, isto é,
“operadores econômicos e homens políticos que sintam intensamente
em suas consciências o apelo do bem comum”. Caso contrário,
“verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério
de ação, o empresário considerará o máximo lucro da produção;
o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado de
suas descobertas”. O resultado disso, é prática da injustiça e o
uso dos conhecimentos técnicos “em benefício dos seus
proprietário, enquanto a situação real das populações que vivem
sob tais influxos, e quase sempre na sua ignorância, permanece
imutável e sem efetivas possibilidade de emancipação” (71).
3.
Os meios de comunicação social a serviço dos interesses econômicos
e políticos.
No
âmbito do desenvolvimento tecnológico encontramos os meios de
comunicação social. È “quase impossível imaginar a existência
da família humana sem eles”. O documento contesta a visão
daqueles que reivindicam a neutralidade deles que tem como
“conseqüência a sua autonomia relativamente à moral que diria
respeito às pessoas”. Essa postura é denomina de “verdadeiramente
absurda”. Os meios de comunicação social muita vezes enfatizam
sua natureza estritamente técnica’. Eles ficam subordinados “a
cálculos econômicos, no intuito de dominar os mercados e, não
último, ao desejo de poder ideológico e político”. Além disso,
condicionam “o modo de ler e conhecer a realidade e a própria
pessoa humana”. Por isso, “torna-se necessário uma atenta
reflexão sobre sua influência principalmente na dimensão
ético-cultural da globalização e do desenvolvimento dos povos”.
Aí reside seu sentido e sua finalidade: “tornar-se ocasião de
humanização, não só quando (...) oferecem maiores possibilidade
de comunicação e de informação, mas também e sobretudo quando
são organizados e orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem
comum que traduza os valores universais”. Desse modo, os meios de
comunicação social estariam “centrados na promoção da dignidade
das pessoas e dos povos, animados expressamente pela caridade e
colocados ao serviço da verdade, do bem e da fraternidade natural e
sobrenatural”. Essa seria sua contribuição ao verdadeiro
desenvolvimento dos povos. (72).
4.
O absolutismo da técnica na manipulação da vida.
Outro
campo onde entra em jogo o absolutismo da técnica é o da bioética.
Aí está em jogo a “própria possibilidade de um desenvolvimento
humano integral”. O que mesmo está em jogo é “saber se o homem
se produziu por si mesmo ou depende de Deus”. Em vista do avanço
da intervenção da técnica o ser humano se encontra diante de duas
concepções: “a da razão aberta a transcendência ou da razão
fechada na imanência”. A postura da Igreja é a de que “a razão
sem fé está destinada a perder-se na ilusão da própria
onipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do alheamento
da vida concreta das pessoas”(74).
Mais
do que nunca a questão social “tornou-se radicalmente
antropológica, enquanto toca o próprio modo não só de conceber,
mas também de manipular a vida, colocando-a cada vez mais nas mãos
do homem pelas biotecnologias”. Aqui entra a “fecundação in
vitro, a pesquisa sobre embriões, a possibilidade da clonagem e
hibridação humana”. Nesse campo o ser humano acha que já
desvendou todos os “mistérios porque já chegou à raiz da vida”.
Além
disso, estamos diante de “novos e poderosos instrumentos que a
cultura da morte tem à sua disposição”: ‘a chaga do aborto;
“uma sistemática planificação eugenética dos nascimentos; “a
mens eutanásia”. O que está em causa nisso tudo é uma cultura
negacionista da dignidade humana, isto é, “uma concepção
material e mecanicista da vida humana”. Quais são os efeitos de
tal mentalidade sobre o desenvolvimento? Essa mentalidade de
indiferença no que diz respeito ao que é humano e com aquilo que
não é humano levam a muitos a se escandalizar por coisas marginais
e a tolerar injustiças inauditas. “Enquanto os pobres do mundo
batem às portas da opulência, o mundo rico corre o risco de deixar
de ouvir tais apelos à sua porta por causa de uma consciência já
incapaz de reconhecer o humano”(75).
5.
A redução do ser humano a sua dimensão psíquica e neurológica.
O
espírito tecnicista também se faz presente quando “considera os
problemas e as emoções ligados à vida interior somente do ponto de
vista psicológico, chegando-se mesmo ao reducionismo neurológico”.
Esta visão, muitas vezes, reduz o eu ao psíquico, e a saúde da
alma é confundida com o bem-estar emotivo”. “Na base, estas
reduções tem uma profunda incompreensão da vida espiritual e
levam-nos a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos
depende verdadeiramente também da solução dos problemas de caráter
espiritual”. Isto implica conceber o ser humano como um “ser
uno”, composto de alma e corpo, nascido do amor criador de Deus e
destinado a viver eternamente”. O desenvolvimento humano acontece
quando o ser humano: “cresce no espírito; “sua alma se conhece a
si mesma e apreende as verdades que Deus nela imprimiu em gérmen”;
“dialoga consigo mesmo e com seu Criador”. Os fenômenos da
alienação social e psicológica e as inúmeras neuroses presentes
nas sociedades opulentas tem também causas de ordem espiritual. O
mesmo acontece em relação a escravidão da droga e o desespero que
se abate em tantas pessoas. “O vazio em que alma se sente
abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o
psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem
comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas,
consideradas na sua totalidade de alma e corpo” (76).
O
absolutismo da técnica cega os olhos da mente e do coração para
perceber aquilo que não se explica meramente pela matéria. “Todo
o nosso conhecimento, mesmo o mais simples, é sempre algo que está
além do dado empírico”. Em tudo, há sempre algo a mais a ser
considerado. “Em cada conhecimento e em cada ato de amor, a alma do
homem experimenta um ‘extra’ que se assemelha muito a um dom
recebido, a uma altura para a qual nos sentimos atraídos”. O mesmo
se diz em relação ao desenvolvimento. Nele há “um ‘mais além’
que a técnica não pode dar”. Esse algo mais só a “força
propulsora da caridade na verdade pode oferecer”(77).
IV.
Valores evangélicos irrenunciáveis na construção do
desenvolvimento humano, econômico e técnico a serviço do bem
comum.
Para
os cristãos Jesus é modelo de pessoa humana plena. Pela sua vida,
Ele provou que o ser humano tem condições de viver a sua missão na
terra segundo o desígnio original de Deus a seu respeito. Este tem
por finalidade a comunhão plena do ser humano com seu Criador, com o
outro como irmão e com a natureza com irmã (Gen 1, 1-29).
Vivemos
momento histórico em que a vida em todas as suas formas ‘geme em
dores de parto’. Em nome do deus dinheiro e do deus lucro, a maior
parte de humanidade é excluída dos seus direitos fundamentais. Em
nome do deus poder-dominação(econômico e político corruptos) as
políticas públicas não conseguem dar conta dos direitos sociais
da maioria das pessoas. Em nome do deus consumo a natureza se
contorce sufocada pelo seu uso indiscriminado e indevido. Em nome do
deus egoísmo cada pessoa busca salvar a sua própria pele, e não se
dá conta que cava a sua própria sepultura e contribui na destruição
de sua irmã e mãe terra. Em nome do deus da técnica, os detentores
do poder econômico tem a ilusão de tornarem-se deuses e, por isso,
de um lado, quererem manipular a vida segundo seu bel prazer e, de
outro lado, resolverem todos os problemas do ser humano.
Jesus
vive e prega o Reino de Deus que é vida em abundância para todos
(Jo 10, 10). O conteúdo essencial do Reino de Deus é o amor a Deus
e o amor ao próximo (Mt 22, 34-40; Lc 10, 25-28; Jo 13, 34; 15, 21).
O amor ao próximo, nas relações sociais, se concretiza na prática
da justiça social: os direitos dos pobres e excluídos são
concretizados; a dignidade das pessoas é respeitada e a organização
social é estruturada em vista do bem comum, isto é, da realização
dos direitos fundamentais de todos.
Para
que o Reino de Deus penetre e transforme mais profundamente a
dimensão pessoal e social do ser humano é necessário viver e
anunciar seus principais valores.
A
vida como valor maior. “Eu
vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,
10). Essa afirmação resume o sentido da missão de Jesus que é a
de construir o Reino de Deus na história da humanidade. Segundo a
vida e a prática de Jesus ‘vida em abundância’ é saúde (os
doentes são curados); comida (a partilha do pão), acolhida,
valorização e inclusão dos excluídos na sociedade e na
comunidade(o pecador, a mulher, o estrangeiro, a criança, o cobrador
de impostos...); relação sadia com os outros(amor gratuito e
reconciliador e solidário) e com Deus(Pai e Mãe amoroso e
misericordioso e disposição da pessoa em colaborar com o plano de
Deus) e com o Planeta Terra(respeito e cuidado com todos os seres
criados).
Ilustrativo
sobre o valor, em primeiro lugar, da vida é o conflito entre Jesus e
os fariseus sobre a lei absoluta do sábado (Mc 23. 3, 6). Na sua
reflexão Jesus afirma que o sábado foi feito para o ser humano e
não o ser humano para o sábado. Jesus, com essa compreensão sobre
a lei do sábado, livra o ser humano da ‘alienação legal’. Toda
e qualquer lei, religiosa, política e econômica é legítima se
estiver a serviço da vida do ser humano e de todos os seres criados.
O
poder como serviço em vista da realização da justiça.
Poder serviço é o empenho generoso em favor do outro. É o jeito de
viver o poder em que coloca os talentos em favor dos outros (Mt 25,
24-30); que se dispõe a dar a vida em favor dos outros (Mc 10, 45;
Jo 10, 11). Isto acontece através da promoção da justiça. Ela é
a razão principal do exercício do poder serviço. Por isso, um
governante só é legítimo, na medida em que pratica a justiça em
favor de todos. Ele é bem-aventurado porque tem ‘fome e sede’ de
justiça (Mt 5, 6), mesmo à custa das perseguições(Mt 5, 10-11).
Igualdade
fundamental de todas as pessoas. Jesus
veio com a missão realizar o plano original de Deus para toda a
criação. Deus é criador e pai de todos os seres humanos. Por isso
todos tem a mesma dignidade e os mesmo direitos e deveres. Ao mesmo
tempo, todos são irmãos. Todos foram criados a imagem e semelhança
de Deus e com a mesma finalidade de comungar com seu criador e com
seus irmãos. Pela entrada do pecado no mundo todos ficaram marcados
com o poder do mal. Jesus veio libertar todas as pessoas dos males
pessoais, sociais e espirituais. Ninguém é excluído da salvação
realizada por Jesus Cristo. Por isso, a igualdade fundamental de
todas as pessoas nasce da ação criadora de Deus e prática
salvadora de Jesus.
A
desigualdade é criação humana. Ela é fruto de uma determinada
organização social. Por isso, ela é contrária ao projeto do Reino
de Deus, vivido e pregado por Jesus. Neste não tem espaço nem lugar
para a discriminação.
A
solidariedade como saída para os excluídos. A
solidariedade é o caminho para concretizar a igualdade. O bom
samaritano é símbolo de solidariedade. Ela é o novo nome do amor
ao próximo (Lc 10, 25-37). A parábola define o jeito de amar de
Deus e de seu Filho Jesus: ir ao encontro do necessitado, seja pessoa
ou grupo, resultado de uma sociedade injusta ou de uma circunstância
da vida; acolher, valorizar e dar uma solução satisfatória. A
solidariedade com os excluídos com gestos concretos de promoção
humana é critério indispensável para fazer parte do Reino (Mt 25,
31-46).
A
vida ‘sagrada’ de todos os seres criados.
A
fé cristã afirma que Deus é o criador de tudo. Com a entrada da
maldade no mundo a criação também ficou prejudicada. A
ressurreição de Jesus trouxe a reconciliação de todos os seres
terrestres e celestes. Jesus inaugura um ‘novo céu e uma nova
terra’ onde se realiza a fraternidade universal ( irmão sol, irmã
e mãe terra, irmão lobo... – S. Francisco de Assis) de todos os
seres criados. O Planeta Terra forma a ‘família de Deus’. Nela
um depende do outro para sobreviver. Tudo está ligado, conectado
pelo mistério divino da vida criada por Deus. Daí a necessidade de
criar a consciência de que o ser humano é parte integrante do
Planeta Terra. Ele é um nó inteligente na rede do mistério da vida
nas suas mais variadas formas que fazem parte do Planeta Terra.
Portanto, o ser humano depende totalmente dos outros nós, sem os
quais ele não consegue viver.
V.
A presença de estruturas de pecado na lógica econômica.
A
globalização entendida como “fenômeno de relações de nível
planetário” é “uma conquista da família humana” e “favorece
o acesso a novas tecnologias, mercados e finanças”. Isso
possibilitou “altas taxas de crescimento” da economia regional e,
“particularmente seu desenvolvimento urbano”. Por outro lado, a
“globalização comporta o risco dos grandes monopólios e de
converter o lucro em valor supremo. Daí a necessidade dela ser
regida “pela ética, colocando tudo a serviço da pessoa humana,
criada a imagem e semelhança de Deus” (60). Além disso, a
globalização comete quatro pecados: a) Celebra “freqüentes
Tratados de Livre comércio entre países com economias assimétricas,
que nem sempre beneficiam os países mais pobres”; b) Pressiona “os
países da região com exigências desmedidas em matérias de
propriedade intelectual, a tal ponto que se permitem direitos de
patentes sobre a vida em todas as formas”; c) A “utilização de
organismos geneticamente manipulados tem mostrado que nem sempre a
globalização contribui para o combate contra a fome, nem para o
desenvolvimento rural sustentável” (67); e) Promove surgimento de
novos rostos de pobres e excluídos: “os migrantes, as vítimas da
violência, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de
pessoas e seqüestros, os desparecidos, os enfermos de HIV e de
enfermidades endêmicas, os tóxicos-dependentes, idosos, meninos e
meninas que são vítimas da prostituição, pornografia de violência
ou do trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da exclusão
e do tráfico para a exploração sexual, pessoa com capacidades
diferentes, grandes grupos desenpregados/as, os excluídos pelo
analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes
cidades, os indígenas e afro-americanos, os agricultores sem terra e
os mineiros (402).
João
Paulo II teve a clarividência, na encíclica Solicitude Social, de
perceber a lógica que move o desenvolvimento econômico denominado
capitalista. “É necessário denunciar a existência de mecanismos
econômicos, financeiros e sociais que, embora conduzidos por vontade
dos homens, funcionam muitas vezes de maneira automática, tornando
mais rígidas as situações de riqueza de uns e da pobreza de
outros. Estes mecanismos, manobrados – de maneira direta ou
indireta – pelos países desenvolvidos, com seu próprio
funcionamento favorecem os interesses de quem os manobra, mas acabam
por sufocar ou condicionar as economias dos países menos
desenvolvidos” (SRS 16).
O
documento olha do ponto de vista teológico o funcionamento dos
mecanismos econômicos, financeiros e sociais e observa “que entre
as nações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do
próximo e as ‘estruturas’ a que elas induzem, as mais
características hoje parecem ser sobretudo duas: por um lado, há
avidez exclusiva de lucro; e, por outro lado, a sede de poder, com o
objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes
comportamentos pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a
expressão: ‘a qualquer preço’. Em outras palavras, estamos
diante da absolutização dos comportamentos humanos, com todas as
consequências possíveis”(SRS 37).
Esse
tipo de comportamento social da parte dos detentores do poder
econômico, fruto do pecado, prejudica não somente os indivíduos,
mas também as nações. E pode-se dizer que configuram ‘estruturas
de pecado’, isto é, o “conjunto dos fatores negativos, que agem
no sentido contrário a uma verdadeira consciência do bem comum
universal e á exigência de o favorecer, dá a impressão de criar,
nas pessoas e nas instituições, um obstáculo difícil de superar”
(SRS 36). Do ponto de vista moral, “por detrás de certas decisões,
aparentemente inspiradas só pela economia e pela política, se
escondem verdadeiras formas de idolatria: do dinheiro, da ideologia,
da classe e da tecnologia” (SRS 37).
O
remédio moral e social para superar as denominadas estruturas de
pecado é a virtude da solidariedade assim entendida: “não é um
sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos
males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes. Pelo
contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar
pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos
nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”. Esta
determinação está fundada na firme convicção de que as causas
que entravam o desenvolvimento integral são aquela avidez do lucro e
aquela sede de poder de que se falou acima. Estas atitudes e estas
‘estruturas de pecado’ só poderão ser vencidas – pressupondo
o auxílio da graça divina – com uma atitude diametralmente
oposta: a aplicação em prol do bem do próximo, com a
disponibilidade, em sentido evangélico, para ‘perder-se’ em
benefício do próximo em vez de o explorar, e para ‘servi-lo’ em
vez de o oprimir para proveito próprio “(Mt 10, 40-42; 20, 25; Mc
10, 42-45; Lc 22, 25-27).
“O
mesmo critério aplica-se, por analogia, nas relações
internacionais. A interdependência deve transformar-se em
solidariedade, fundada sobre o princípio de que os bens da criação
são destinados a todos; aquilo que a indústria humana produz, com a
transformação das matérias-primas e com a contribuição do
trabalho, deve servir igualmente para todos”(SRS 39).
VI.
A fé inspira a militância cristã na prática política.
A
prática política de Jesus.
O
modo de ser e de agir de Jesus concretizou de forma plena o modo de
ser e de agir de Deus no meio de seu povo. Toda a missão de Jesus
foi no sentido de libertar o povo de Deus de todos os males que o
afligiam. Jesus recebeu de seu Pai a missão de proporcionar vida em
abundância para todos (Jo 10, 10). Nela os pobres são privilegiados
(Lc 4, 14-21). A vida em abundância tem uma dimensão pessoal que
inclui a fé e a conversão (exige partilha de bens: caso de Zaqueu)
ao Evangelho (Mc 1, 15) e uma dimensão político-social que liberta
da doença, da fome e da exclusão social (Lc 4, 1ss; 6, 20-26; Mt
25, 41ss). Na dimensão social entra também a denúncia profética
de Jesus contra a lei religiosa que não leva em conta a justiça e a
misericórdia (Mt 23, 23); contra o poder usado para dominar e
explorar (Mc 10, 41-45); contra os ricos que excluem Deus e o próximo
de seu programa de vida pessoal e social (Mt 19, 23; 13, 22; Lc 16,
19-31).
Jesus
por amor a humanidade se despojou de todo poder e glória divina para
se tornar igual a nós em tudo, menos no pecado. Ele quis se colocar
a serviço de todos: "Eu vim para servir e não para ser
servido" (Mc 10, 45). Na perspectiva do Reino de Deus vivido,
pregado e construído por Jesus poder é serviço pelo bem pessoal e
social (Mc 10, 32-45). Ele vem de Deus (Jo 19, 11). E segundo a
prática de Jesus o poder só tem sentido se exercitado a partir do
conteúdo essencial do Reino de Deus, o amor a Deus e o amor ao
próximo. O gesto, por excelência, de Jesus é o lava-pés, símbolo
de serviço (Jo 13, 12-17). Nele fica evidente que toda e qualquer
ação dirigida ao outro é conforme a vontade de Deus se for para
tornar sua condição de vida mais humana. Nessa perspectiva, o
poder só é legitimo se colabora na comunhão das pessoas com Deus e
das pessoas entre si em nível local e internacional.
A
atitude de Jesus diante da alternativa de pagar ou não tributo a
César (Mt 12, 13-17) esclarece a tipo de relação que os seguidores
Dele devem ter diante do Estado. O que significa dar a Deus o que é
de Deus. E dar a César o que é de César? Significa que Jesus
dessacraliza o poder político que era divinizado. Ao mesmo tempo,
reconhece sua legítima autonomia, estabelecendo uma dualidade (não
dualismo) entre a instância religiosa e a instância política.
Afirmar a necessidade do poder na estrutura de uma sociedade, como
algo que vem de Deus, como declarou a Pilatos: Não terias poder
sobre mim se não te houvesse sido dado do alto” (CNBB 40, 205).
2.
A prática política da Igreja.
A
ação da Igreja em relação à política é pautada pela fé na
pessoa de Jesus Cristo. Ele evangelizou, isto é, trouxe a boa
notícia da salvação de Deus para a vida pessoal e social do ser
humano. Por isso: “A fé não despreza a atividade política; pelo
contrário, a valoriza e a tem em alta estima. A Igreja, falando
ainda em geral, sem distinguir o papel que compete aos seus diversos
membros – sente como seu dever e direito estar presente nesse campo
da realidade porque o cristianismo deve evangelizar a totalidade da
existência humana, inclusive a dimensão política. Por isso, ela
critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoal
e familiar, excluindo a ordem profissional, econômica, social e
política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não
tivessem importância aí” (P 514-515).
A
Igreja usa dois sentidos para a palavra política. O primeiro, diz
respeito a toda e qualquer ação que vise o bem comum. Nesse
sentido, o papel da Igreja consiste em precisar os valores
fundamentais de toda a comunidade humana – a solidariedade, a
subsidiariedade e a participação. Viver e praticar a política no
sentido de realizar o bem comum significa para a Igreja uma forma de
dar culto ao único Deus vivo e verdadeiro (CNBB, 38, 103; Puebla
521). Esse jeito de fazer política inclui todo batizado
independentemente da função que exerce na Igreja. É bom salientar
que esse modo de praticar a política acontece, principalmente, de um
jeito organizado e coletivo. Os principais meios são as Pastorais
Sociais, as Comunidades Eclesiais de Base, os movimentos sociais, os
Conselhos Paritários, as ONGs, os sindicatos, etc.
O
segundo sentido da palavra política para a Igreja é o exercício do
poder e da prática da política partidária. Ela é um meio
privilegiado de se construir o bem comum. Isso acontece através “dos
grupos de cidadãos que se propõem conseguir e exercer o poder
político para resolver as questões econômicas, políticas e
sociais, segundo seus próprios critérios ou ideologias" (CNBB
38, 103; Puebla 524). A Igreja delega aos leigos a missão de agir na
política partidária. “A política partidarista é o campo próprio
dos leigos (GS 43). Corresponde a sua condição leiga constituir e
organizar partidos políticos, com ideologia e estratégia adequada
para alcançar seus legítimos fins. O leigo encontra na doutrina
social da Igreja os critérios adequados, à luz da visão cristã do
homem. Por outro lado, a hierarquia lhe garantirá sua solidariedade,
favorecendo sua formação e sua vida espiritual e estimulando-o em
sua criatividade para que procure opções cada vez mais conformes
com o bem comum e as necessidades dos mais fracos” (P. 524-525).
Uma
coisa é certa para a Igreja: os cristãos não podem ficar de braços
cruzados diante da tarefa de construir uma sociedade mais justa e
solidária através da política nos dois sentidos citados acima.
“Evitar que os leigos reduzam sua ação no âmbito intra-eclesial,
impulsionando-os a penetrar os ambientes sócio-culturais e serem
eles os protagonistas da transformação da sociedade à luz do
Evangelho e da Doutrina Social da Igreja” (DSD 98).
3.
Participação: princípio da prática política do cristão.
A
participação é outro princípio ético-social que orienta a
reflexão e o comportamento político-social de todos os membros da
Igreja na construção de uma sociedade justa e solidária. Ele é
definido como "o envolvimento voluntário e generoso da pessoa
nas relações sociais. É necessário que todos participem, cada um
conforme o lugar que ocupa e o papel que desempenha, na promoção do
bem comum. Este dever é inerente à dignidade da pessoa humana"
(CIC 1913). E tem como consequência a realização da justiça
social, condição indispensável para uma nova convivência humana
(FS p. 53).
“O
cristão tem o dever de participar também ele nesta busca diligente,
na organização e na vida da sociedade política. Ser social, o
homem constrói o seu destino, numa série de grupos particulares que
exigem, como seu complemento e como condição necessária para o
próprio desenvolvimento, uma sociedade a mais ampla, de
características universais, a sociedade política. Toda a atividade
privada deve enquadrar-se nesta sociedade ampliada e toma, por si
mesmo, a dimensão do bem comum" (OA, 24; CDSI 189).
A
participação eficaz na construção do bem comum requer duas
condições básicas fundamentais:
a)
Necessidade de uma educação adequada.
A
participação qualitativa na vida política requer uma educação
adequada “tanto para o povo como, sobretudo, para a juventude a fim
de que todos os cidadãos possam desempenhar seu papel na vida da
comunidade política” (GS 75, 4).
Uma
forma de motivar a participação política dos cristãos é a
promoção de cursos, grupos de reflexão, formação e ação
(Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil:
DGAEIB 2008-2009, 187).
Outro
elemento importante na educação política é a informação sobre
os direitos de cada um e o reconhecimento dos deveres de cada um em
relação aos outros. É bom salientar que o sentido e a prática do
dever sofrem o condicionamento do domínio de si mesmo, a aceitação
das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da
liberdade do indivíduo ou do grupo (OA 24, 2).
b)
Exercício da cidadania plena.
O
exercício da participação leva ao compromisso de transformar a
sociedade onde o bem comum é a prioridade das prioridades. O
primeiro passo é assumir as próprias responsabilidades com a
comunidade e a sociedade através da participação democrática. Não
se deixar guiar pelo individualismo e corporativismo. Isso acontece
através:
-
da co-responsabilidade na gestão dos bens públicos (escolas, postos
de saúde, orçamento municipal) através da participação nos
conselhos paritários (da saúde, da assistência social, da criança
e adolescente...). Acompanhar, apoiar, fiscalizar as Câmeras
Municipais, as Assembléias Legislativas, o Congresso Nacional, o
Poder Executivo e Judiciário para saber onde são gastos os recursos
públicos. Assim o Estado estará a serviço dos interesses da
população e não de poucos privilegiados.
-
do cuidado na escolha dos representantes do povo; avaliar o
desempenho dos partidos e acompanhar a atuação dos eleitos.
-
da promoção da formação política e do estudo dos programas dos
partidos. E de outras iniciativas (cartilhas, palestras, debates e
escolas de fé e política).
-
do incentivo da participação nos partidos, nos sindicatos e nos
movimentos sociais.
-
da intensificação da ação social em parceria com os poderes
públicos, outras Igrejas e com as ONGs (Organizações Não
Governamentais).
-
de outros instrumentos de participação ativa do povo: plebiscito,
referendo, participação nos orçamentos municipais.
-
do favorecimento da participação dos excluídos na vida da
sociedade. “...
se torna imprescindível à exigência de favorecer a participação,
sobretudo dos menos favorecidos no mundo da política na defesa de
seus direitos” (CDSI 189; P. 1162).
VII.
A fé inspira a militância cristã na ética.
A
ética pessoal do militante.
A
caridade é a essência da vida cristã. Ela “é o princípio não
só das microrelações estabelecidas entre amigos, na família, no
pequeno grupo, mas também das macrorelações como relacionamentos
sociais, econômicos, políticos”(CV 2). Ela é dom de Deus. “a
sua nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É
amor que, pelo filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual
existimos; amor redentor, pelo qual fomos recriados. Amor revelado e
vivido por Cristo” (Jo 13, 1) (CV 2).Ele o testemunho, sobretudo,
“com a sua morte e ressurreição” (CV 1). Deus derrama esse amor
“em nossos corações pelo Espírito Santo”(Rm 5, 5) (CV 5).
O
ser humano recebe o amor de Deus como graça, Ed de ‘graça’. E é
chamado por Deus a ser instrumento da graça, para difundir a
caridade de Deus e tecer redes de caridade (CV 5). Ela é “força
propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa
e da humanidade inteira” (...). è “uma força extraordinária,
que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade,
no campo da justiça e da paz” (CV 1).
O
documento acentua que é de fundamental importância relacionar a
caridade com a verdade. “Sem a verdade, a caridade cai no
sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode
encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem
verdade” (CV 3). Por outro lado, um “cristianismo de caridade sem
verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons
sentimentos, úteis para a convivência social, mas marginais. Deste
modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar par Deus no
mundo” (CV 4). “Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto
da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos
irmãos na verdade d seu projeto. De fato, Ele mesmo é a Verdade”
(Jo 14, 6).
Os
mistérios da espiritualidade cristã conduzem a atitudes básicas
que conformam o comportamento ético do militante. “Falamos aqui,
em primeiro lugar, dos grandes imperativos morais do militante,
imperativos esses ligados às virtudes cardeais: prudência, (dispõe
a razão prática a discernir em qualquer circunstância nosso
verdadeiro bem e os meios adequados para realizá-lo), justiça,
(vontade constante e firma em da a Deus e ao próximo o que lhes é
devido)temperança, (modera a atração pelos prazeres e procura o
equilíbrio no uso dos bens criados) fortaleza (dá segurança nas
dificuldades,firmeza e constância na procura do bem). Eis os
principais:
-
amor pela coisa pública;
-
opção preferencial pelos pobres e excluídos;
-
espírito de serviço ao povo;
-
magnimidade ou grandeza de alma, que leva a transcender toda
mesquinharia e ser generoso no perdão e na reconciliação para com
todos, mesmo para com os inimigos;
-
fortaleza na luta, mesmo sob as ameaças de morte;
-
parresia, ou coragem de dizer a verdade, incluindo a denúncia
profética;
-
inconformismo e rebeldia contra toda injustiça;
-
sobriedade como padrão de vida (pobreza evangélica);
-
valorização do que é pequeno, mas seminal;
-
modéstia ou humildade política;
-
simplicidade das pombas, dialeticamente aliada à prudência das
serpentes (Mt 10, 16);
-
mansidão evangélica, ou seja, ânimo pacífico, que prefere lançar
mão dos meios não-violentos, por atuarem sobre as consciências e
serem acessíveis a todos (Mt 10, 16).
Falamos,
em segundo lugar, daqueles imperativos básicos que estão no fundo
dos comportamentos acima e que se situam do lado das “virtudes
teologais”: fé, esperança e caridade. Eis alguns deles:
-
a confiança da Graça, sempre mais forte que o pecado (Rm 6, 20),
graça que pode transformar os corações mais inflexíveis a abrir
as situações mais fechadas;
-
o senso da Cruz nos contextos de perseguição e d martírio,
conseqüências do empenho para instaurar a justiça e a
solidariedade;
-
a perseverança frente à adversidade e ao bloqueio dos horizontes
históricos, ‘esperando contra toda a esperança’ e acreditando
que ‘o assassino não prevalecerá para sempre desde a vítima’
(M. Horkheimer);
-
a alegria do Espírito, virtude que se mantém mesmo no seio da luta
e da provação.
Como
se vê, aqui estamos no campo da ética política, que é de per si
distinta da espiritualidade. Pois a ética consiste em imperativos e
deveres, enquanto espiritualidade vive de verdades e certezas. “Mas,
para ser efetiva e se difundir, a ética precisa estar animada de
dentro por uma espiritualidade e nela se enraizar”. P. 205-206).
2.
O bem comum: princípio ético do Estado.
O
princípio do bem comum expressa qual dever ser o comportamento do
Estado em relação ao povo que governa e administra. Sua razão de
ser, de existir e de agir está vinculada ao bem comum. “A
comunidade política existe precisamente em vista do bem comum; nele
ela encontra a sua completa justificação e significado, e dele
deriva seu direito natural e próprio” (GS 75).
Em
que consiste o bem comum? Ele se realiza na medida em que se cria
“todas as condições sociais para que toda e qualquer pessoa ...
possa desenvolver plenamente a sua dignidade” (PT 53). Em outras
palavras, ele se concretiza “no conjunto de todas as condições de
vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da
pessoa humana"(MM 62). O bem comum é superior ao bem privado,
mas inseparável do bem da pessoa. O bem comum nacional é a
responsabilidade e a própria razão de ser do Estado que só pode
realizar aquilo que promove o bem de todos sem discriminação.
A
responsabilidade primeira do Estado de promover o bem comum, não
isenta todos os cidadãos, em nível pessoal e em nível de grupos
organizados, de contribuir na promoção do bem comum. Nesse sentido,
todos devem empregar “bens e serviços na direção indicada pelos
governantes, dentro das normas da justiça e na devida forma e
limites de competência” (PT 53).
Para
compreender melhor o alcance concreto do bem comum destacamos quatro
aspectos fundamentais:
a)
Respeitar e garantir os direitos fundamentais de todas as pessoas.
"Em
nome do bem comum os poderes públicos são obrigados a respeitar os
direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade é
obrigada a permitir que cada um de seus membros realize sua vocação.
Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as
liberdades naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação
humana. 'Tais são os direitos de agir segundo a norma reta da
consciência, o direito à proteção da vida particular e à justa
liberdade, também em matéria religiosa"(CIC 1907).
"O
desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. É claro,
cabe a autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os
diversos interesses particulares. Mas ela deve tornar acessível a
cada um aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente
humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura,
informação conveniente, direito de fundar um lar, etc"(CIC
1908).
b)
Promove a paz na sociedade.
Só
pode viver dignamente e desenvolver-se integralmente quem vive
pessoal e coletivamente numa sociedade onde reina a paz. Ela consiste
numa"... ordem justa, duradoura e segura. Supõe, portanto, que
a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade
e a de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa
pessoal e coletiva"(CIC 1909).
c)
Priorizar os pobres nas políticas públicas.
Numa
sociedade desigual, como a nossa, os que têm sua dignidade ameaçada
merecem uma atenção especial de toda a sociedade. "A sociedade
inteira deve ser solidária com todos os homens, solidária, em
primeiro lugar com o homem que tem mais necessidade de auxílio, o
pobre. A opção pelos pobres é uma opção cristã; é também uma
opção da sociedade que se preocupa com o verdadeiro bem comum"(CNBB
38, 94).
d)
Construir o bem comum internacional
Diante
do mundo globalizado onde as interdependências entre as nações são
cada vez maiores se faz necessário pensar e promover o bem comum em
nível internacional. Ele é denominado como o bem da comunidade das
nações (CA, 52). "As dependências humanas se intensificam.
Estende-se aos poucos à terra inteira. A unidade da família humana,
reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual, implica um
bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das
nações capaz de 'atender às várias necessidades dos homens, tanto
no campo da vida social (alimentação, saúde, educação...) quanto
em certas condições particulares que podem surgir cá ou lá, tais
como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados
(...) bem como de ajudar os emigrantes e suas famílias" (CIC
1911).
VIII.
A fé inspira a militância cristã na prática da justiça social.
A
justiça como fruto do amor. Segundo
nossa fé o amor é fruto do Espírito Santo. E ele não está
desligado do amor ao próximo. Isso Jesus deixa bem claro depois de
lembrar o amor a Deus: "amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas"
(Mt22, 39-40). LC 55.
O
amor cristão tem uma identidade própria. Seus traços principais
são os seguintes: amor aos inimigos e perseguidores; amor
misericordioso; amor cheio de compaixão; amor gratuito e universal.
LC 55.
O
amor vivido e pregado por Jesus se converte no imperativo da prática
da justiça. " O amor evangélico e a vocação de filho de
Deus, à qual todos os homens são chamados, tem como consequência a
exigência, direta e imperativa, do respeito de cada ser humano em
seus direitos à vida e à dignidade. Não existe distância entre o
amor ao próximo e a vontade de justiça. Opor amor e justiça seria
desnaturar a ambos. Mais ainda, o sentido da misericórdia completa o
da justiça, impedindo a esta última de se fechar no círculo da
vingança".(LC). O amor que deságua na promoção da justiça
prioriza os pobres. "O amor ao homem - em primeiro lugar ao
pobre, no qual a Igreja vê Cristo - concretiza-se na promoção da
justiça. Esta nunca se poderá realizar plenamente, se os homens não
deixarem de ver nos necessitado, que pede ajuda para a sua vida, um
inoportuno ou um fardo, para reconhecerem nele a ocasião de um bem
em si, a possibilidade de uma riqueza maior"; CA58
Por
isso, "As desigualdades iníquas e todas as formas de opressão,
que hoje atingem milhões de homens e mulheres, estão em aberta
contradição como Evangelho de Cristo e não podem deixar tanquila a
consciência de nenhum cristão" LC57.
Sentido
amplo da justiça. Como
vimos a justiça tem como fonte o amor ao próximo. E tem como
objetivo, regular as relações humanas e sociais no sentido de
respeitar os direitos de cada um. É o que diz o Sínodo dos Bispos
sobre a justiça no mundo: "O amor é antes de tudo exigência
absoluta de justiça, isto é, reconhecimento da dignidade e dos
direitos do próximo" JM 37.
Dentro
desse espírito, a Igreja define o sentido de justiça como virtude
moral. "a justiça é uma virtude moral que consiste na vontade
constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhe é devido. A
justiça para com Deus chama-se 'virtude da religião'. E para com os
homens ela dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer
nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das
pessoas e do bem comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas
Escrituras, distingue-se pela correção habitual de seus pensamentos
e pela retidão de sua conduta para como o próximo". CIC 1807.
Sentido
da justiça social. O
amor cristão se dirige a Deus e ao próximo. O amor ao próximo se
pratica na vivência da justiça no sentido geral que nos referimos
acima. Porém o ser humano vive em relação com os outros, com a
comunidade e com a sociedade. O amor cristão praticado no âmbito da
sociedade chama-se justiça social.
"A
Igreja fala de justiça social para definir o que compete à
sociedade para garantir as condições e os meios básicos que
permite aos grupos, as associações e às pessoas obter o que lhes é
necessário segundo a sua natureza e vocação. Por isso, a justiça
social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade"
(CIC 1928).
A
justiça social está intimamente ligada ao
bem comum.
"É próprio da justiça social, impor aos membros da comunidade
tudo o que é necessário ao bem comum. Porém, do mesmo modo como
num organismo vivo provemos as necessidades do corpo inteiro
fornecendo a cada uma de suas partes e a cada um de seus membros o
que lhes falta para que cumpram suas funções, assim também, em
toda a coletividade, é preciso que se dê a cada uma das partes e a
cada um de seus membros - ou seja, homens que tenham a dignidade de
pessoas - aquilo que lhes é necessário para o cumprimento de suas
funções sociais" (DR 51).
“Todo
ser humano é portador de uma dignidade inviolável e sujeito de
direitos e deveres que o dignificam na sua relação com Deus como
filho, com os outros como irmãos e com a natureza como senhor. Mas
não é suficiente o reconhecimento formal dessa dignidade e
igualdade fundamentais. É preciso que esse reconhecimento seja
traduzido na proporção de condições concretas para realizar e
reivindicar os direitos fundamentais de todos os homens e de todas as
mulheres: direito à vida e a um padrão digno de existência,
direito à saúde e ao lazer; direito à educação, inclusive
religiosa e a escolher o tipo de educação desejada para os filhos;
direito à liberdade religiosa; direito ao trabalho e à remuneração
suficiente para o sustento pessoal e da própria família; direito de
todos à propriedade, submetida à sua função social; direito à
segurança, à preservação da própria imagem e à participação
da vida política”. (CNBB, 38, 91).
Além
disso, os direitos da pessoa pode ser ampliado: à vida; à
integridade corporal, à defesa contra a sujeição forçada da mente
( GS 27), à proteção do ambiente físico (OA 21), à proteção
contra a tortura moral ou física (GS 27), aos meios suficientes para
um nível de vida digno, incluindo: alimentação, habitação,
cuidados médicos, lazer (PT 11), aos meios para desenvolver-se por
si mesmo (GS 69), ao trabalho em condições justas (GS 66), sem
ofender a dignidade física (RN 35), sem prejudicar a vida familiar
do trabalhador (RN 16), com remuneração justa (RN 16), à
propriedade particular dos bens necessários para liberdade pessoal e
familiar (GS 71), à iniciativa econômica (MM 51-58), a participar
equitativamente da riqueza nacional (OA 16), aos serviços
indispensáveis dos Estado, em caso de: doença, invalidez, velhice,
viuvez, demissão de emprego, ou contra causa involuntária em que se
perdem os meios de subsistência (PT 11), a conhecer e exercer seus
direitos e deveres (GS 75), a não ser discriminado por razão de
sexo, raça, cor, condição social, língua ou nacionalidade (GS 29
e 66).
A
sociedade humana consegue desenvolver-se adequadamente se tiver uma
autoridade legítima que persiga o bem comum. “A sociedade humana
não estará bem constituída nem será fecunda a não ser que lhe
presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e
dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum” (CIC,
1897). A legitimidade da autoridade está ligada ao emprego de “meios
moralmente lícitos. Se acontecer que os dirigentes promulguem leis
injustas ou tomem medidas contrárias à ordem moral, estas
disposições não poderão obrigar a s consciências” (CIC 1903).
Para evitar que a autoridade extrapole seus limites é necessário
“que cada pode seja equilibrado por outros poderes e outras esferas
de competência que o mantenham no justo limite. Este é o princípio
do 1estado de direito, no qual é soberana a lei, e não a vontade
arbitrária dos homens” (CIC 1904).
IX.
Espiritualidade política.
O
texto que segue é fruto da síntese livre do artigo de Clodovis Boff
sobre Espiritualidade do Militante (com enfoque pneumatolótgico) no
livro: Fé e Política, fundamentos, Pedro A. Ribeiro de Oliveira,
organizador, editora, Idéias e Letras, 2004, Aparecida, p.191-214.
1.
Espiritualidade: “andar segundo o Espírito.
São
Paulo usa essa expressão para identificar a vida espiritual (Rm 8,
5; Gl 5, 16-18). O sentido profundo de espiritualidade é viver
segundo o Espírito de Deus. Isso diz respeito a tudo o que o
seguidor de Jesus faz até mesmo as coisas menos espirituais, como
comer, beber, repousar, trabalhar e também fazer política. A base,
a essência de toda a espiritualidade é viver a totalidade da vida
segundo o Espírito de Deus.
O
Espírito de Deus é o Espírito de Jesus, o Espírito Santo. Como
foi dito é Ele quem enviou, consagrou e ungiu Jesus. E Jesus é o
modelo de alguém que se deixou conduzir pelo Espírito de Deus. Por
isso, temos em Jesus a referência inspiradora de alguém que viveu
em plenitude segundo o Espírito. Ele através de sua palavra, de seu
exemplo, de suas promessas, de seu Reino é a luz que ilumina todo
modo de ser e de agir de seus seguidores. Numa palavra,
espiritualidade é viver do jeito de Jesus, pois Ele viveu e
concretizou o Reino de Deus guiado pela força do Espírito Santo.
E
o modo de ser, de viver e de agir de Jesus se resume numa palavra:
ágape ou amor cristão. “Pois aí está a ‘forma’ de toda a
atividade do cristão, inclusive da política. A ágape é como a
alma da militância política: ele anima, direciona e unifica toda a
prática política do cristão comprometido. Em resumo, o Espírito
nos remeta a Cristo e Cristo nos remete ao amor Agápico.
Na
verdade Cristo apontou a ágape como o “sinal de reconhecimento ou
“senha’ de seus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (
Jo 13, 35). Não só: o testemunho da ágape é o primeiro e
fundamental apostolado do cristão leigo. Lemos, com efeito, em outro
passo: “Que todos sejam um, a fim de que o mundo creia”(Jô 17,
21; cf. v. 23).
A
política para um cristão é uma forma da ágape: uma diaconia de
libertação, um serviço de amor. O político cristão é a seu modo
um pastor do povo. Assim também eram chamados os chefes dos povos no
mundo antigo, inclusive no mundo bíblico (cf. Ez 34; Mt 9, 36; Jo
10). p. 199.
O
agapé ou amor cristão direciona todo o jeito de militar na
política. O jeito está ligado ao como, a maneira de fazer política.
É um jeito de fazer inspirado no espírito da ágape ou da caridade
cristã. Da fonte do espírito agápico emerge duas virtudes do
militante: amabilidade e discrição.
A
amabilidade no sentido de respeitar o ser humano e de cultivar a
amizade para com cada pessoa, mesmo para com o adversário político.
O Vaticano II fala em “afabilidade” (AA 4, 9). E o NT em
“mansidão” (Mt 5, 5; 11, 29), em “doçura” evangélica (1 Pd
3, 16; Cl 3, 12). Isso é mais relevante na medida em que os
políticos gozam do pouca simpatia na opinião pública. Só
políticos autenticamente amáveis tornam a política amável.
Discrição
em relação à própria confissão de fé. “Portanto, numa cultura
que deprecia a fé ou a instrumentaliza, e isso é evidente na esfera
política, deve-se seguir a consigna de Jesus: “Não jogueis vossas
pérolas aos porcos” (Mt 7, 6). Não que a confissão manifesta da
fé não possa ter lugar, apresentando-se a oportunidade. Mas o
regime normal é a ‘discrição verbal e a aposta no testemunho
puro”. P. 200.
2.
A espiritualidade própria do militante em geral.
A
espiritualidade do militante é a espiritualidade do cristão, pois,
antes de ser militante ele é cristão. O caminho de santificação
cristão é um só: o seguimento de Jesus Cristo. Ao falar de
espiritualidade para os leigos o Vaticano II diz que ela consiste
essencialmente na prática das três virtudes teologais, a saber, fé,
esperança e caridade (AA 4).
Cada
cristão a partir de sua vida e de seu engajamento viverá as
virtudes teologais ao seu modo. Por isso, existe e deve existir um
estilo militante de viver a fé, a esperança e a caridade. Esse
estilo ‘militante de viver a espiritualidade cristã tem três
tratados: espiritualidade encarna no mundo; espiritualidade com
ênfase e espiritualidade dialética.
a)
Espiritualidade ‘encarnada’ na laicidade política.
Jesus
assumiu a natureza humana, menos o pecado, para redimi-la. Do mesmo
modo o militante assume a natureza política, menos o pecado nela
presente, para salvá-la. Jesus ao assumir a natureza humana percebeu
a maravilhosa presença de Deus no ser humano e os sinais de Deus na
obra humana. Assim o militante, perscruta os sinais de Deus na
natureza política e nela percebe as maravilhas de Deus, os seus
apelos, e a vive a partir do Espírito de Deus.
“A
fórmula de sua identidade espiritual é: contemplação na ação. E
ao mesmo tempo, ela contribui para ‘espiritualizar o mundo político
na medida em que vive em sintonia com o Espírito. Diz muito bem o
decreto conciliar sobre os leigos: “Os assuntos seculares não
devem ser estranhos à espiritualidade da vida cristã do leigo,
segundo a expressão do apóstolo: ‘O que quer que fizerdes, por
palavra ou ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus Cristo, dando
graças a Deus Pai por Ele’ (Cl 3, 17; AA 4, 1).
b)
Espiritualidade com ênfase.
“Há
ênfases ou destaques legítimos que dão os militantes a partir do
riquíssimo universo da espiritualidade cristã. Eles como que
‘declinam’ os ‘mistérios cristão’ na ótica da militância.
Conferem como uma ‘inflexão’ próprias às verdade da fé.
Vejamos
mais concretamente como isso se dá, ou seja, como as grandes
verdades da fé podem inspirar o militante cristão como tal. Assim,
ganham em relevo particular os seguintes passos:
-
o Cristo Jesus, o profeta do Reino, amigo pelos pobres, apaixonado
pelo Pai e por sua vontade;
-
o Espírito, como grande e misterioso agente da história, e que age
no coração da humanidade, despertando toda a sorte de boas
inspirações na direção de mais justiça e paz;
-
a Pessoa Humana como centro de toda a instituição humana (o sábado
foi feito para o homem);
-
a Encarnação, enquanto leva à comunhão profunda com a paixão e
esperança do povo oprimido;
-
o Reino, como grande sonho de Jesus de um mundo desalienado e
confraternizado em todos os seus níveis;
-
a Cruz como preço e ao mesmo tempo caminho de transformação
pessoal e social;
-
a Ressurreição, como fonte de esperança radical, para além de
todos os impasses históricos;
-
a Graça, como força divina de libertação dentro de um mundo
dividido e contraditório;
-
o Pecado, como realidade particularmente evidente no campo do poder
em sua tendência à hybris, à desmedida, à prepotência; donde a
advertência contínua de Cristo à vigilância;
-
É de temas como esses que o militante deve impregnar-se em
profundidade, até que se tornem nele carne e osso, corpo e
espírito”. P. 203-204.
c)
Espiritualidade dialética.
É
uma espiritualidade em duas mãos. Ela nutre toda a vida, em
particular a política. Porém, a política já carrega consigo a
habitação, o fermento e as energias do Espírito.
Daí
a necessidade de reconhecer a presença e a ação do Espírito na
vida política.
“Seria,
contudo, ilusório pensar que basta o envolvimento na ação para
alimentar-se espiritualmente, sob o pretexto de que ‘tudo é
oração’ ou de que ‘Deus está onde se prática a justiça e o
amor’. Os enamorados sabem que não basta lutar pela pessoa amada;
importa também se relacionar intimamente com ela. Só quem sabe ver
Deus na imediatidade consegue vê-lo nas mediações. Só quem se
abre a Ele na gratuidade pode descobri-lo na libertação. Para isso
não bastam duas a três devoções por dia. “È preciso mais que a
devoção de um dia para conhecer e possuir a riqueza de um dia” –
escreve Henry D. Thorau, o maior poeta do EUA e militante da
“desobediência civil”. P. 204.
3.
Espiritualidade específica do político cristão: espiritualidade do
poder.
O
ponto anterior tratou do militante cristão em geral. Aqui vamos
refletir sobre o militante político. Aquele que lida com o poder.
Portanto, se trata da espiritualidade do poder.
Quando
se reflete sobre o poder importa ser realista. Ele não é mau, mas
carrega consigo risco e perigo, pois tem a tendência em se tornar
poder-dominação. É só olhar a história passada com seus
despotismos e imperialismos. E o momento atual com os totalitarismos
modernos e as ditaduras de vários gêneros. Nem mesmo, a democracia
do jeito que está gera entusiasmo.
Os
grandes filósofos políticos, os antigos e os novos, advertem sobre
o demonismo no poder político, enquanto todo o poder tende como que
naturalmente, para o abuso, o arbítrio e a dominação. “O poder
quer sempre mais poder”, sentenciou Hobbes.
Também
a apocalíptica, judaica e cristã, descreve com uma inigualável
força expressiva o satanismo do poder sob a forma teratológica de
figuras monstruosas, como se pode ver em Daniel e no apocalipse.
Segundo
S. Gregório Magno, no campo do poder não pode haver ingenuidade.
Ele teve experiência do poder como prefeito de Roma e embaixador em
Constantinopla e o fez de modo exemplar. Diz ele que só exerce bem o
poder aquele que conhece a sua força de seduzir e de cegar: do
contrário, será vítima dele. p. 2007-208.
Em
vista, de colocar freios no poder, a democracia institui diferentes
mecanismos de controle e limitação de poder: divisão dos poderes,
alternância, eleições diretas, prestação de contas, etc.
Jesus
Cristo propôs uma concepção revolucionária de poder, o
poder-serviço. É um pode essencialmente diferente do
poder-dominação. Ele é convertido, exorcizado do demônio da
prepotência que costuma fazer nele sua habitação. Trata-se de um
‘evangelho’, uma boa-nova que deve ser vivida como um credo, uma
convicção profunda. “A idéia de poder-serviço deve estar
profundamente enraizada no coração do cristão militante. Para ele,
esse poder-serviço deve constituir um tema permanente de meditação
e uma fonte perene de inspiração. Trata-se de um ideal que deve
penetrar em todas as veias da alma e do corpo, para daí irradiar em
forma de atitudes e de comportamentos conseqüentes”. p. 208.
O
conteúdo do poder-serviço se desdobra em três atitudes
fundamentais: a) “A gratuidade, é a despretensão ou o
desinteresse com que se há de exercer o poder. É trabalhar para o
povo sem pensar em recompensas pessoais e em outros dividendos
meramente corporativos. Nada mais eloqüente desse espírito que a
parábola do ‘servo inútil’ (Lc 17, 7-10; P. 208); b) A ausência
de ambição. A política é palco para a glória e escada par a
autopromoção. Relembremos que o vedetismo foi uma das tentações
de Cristo: lançar-se abaixo do pináculo do Templo, aos olhos e com
o aplauso da multidão (Mt 4, 5-7). Ao contrário, o que vale aqui é
a palavra do Mestre: ‘Quando deres esmola, não toques a trombeta..
Que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita’ (Mt 6, 2-3);
c) O empenho generoso em favor do outro. Esse é o sentido evangélico
do poder como serviço. É um tipo de trabalho que: rende os talentos
em favor dos outros (Mt 25, 24-30); seja ‘amoroso’, ao modo do
Bom Pastor (Jo 10); dispõe a ‘dar a própria vida’ em benefício
dos irmãos (Mc 10, 45; Jo 10, 11; Mt 16, 25). Todas essas atitudes
se resumem numa virtude chamada humildade. É uma virtude de
primeira ordem na política porque é antídoto de toda dominação.
Longe da humildade, tirar o poder. Ela o purifica, o radicaliza e o
reforça na sua essência evangélica de ser libertador.
O
poder só é serviço quando é instrumento de justiça. Ela é a
qualidade principal de um governante. O poder não tem outra
finalidade a não ser instaurar a justiça. Em outras palavras, só o
direito pode legitimar a força e nunca o contrário. Daí porque
‘fome e sede de justiça’ (Mt 5, 6), mesmo à custa das
perseguições (Mt 5, 10-11) é a grande virtude do verdadeiro
político”) (P. 209).
Abreviaturas:
ONGs:
Organizações não governametais.
P:
Documento de Puebla.
DSD:
Documento de Santo Domingo.
GS:
Documento do Vt. II, Gaudiun et Spes.
LC:
Documento Instrução sobre Liberdade Cristã e a Libertção.
EN:
Documento Evangelii Luntiandi.
CIC:
Catecismo da Igreja Católica.
MM:
Documento Mater et Magistra.
SRS:
Documento Sollicitudo Rei socialis.
OA:
Documento Octoagesima Advenians.
CDSI:
Compendio da doutrina Social da Igreja.
OIT:
Organização Internacional do Trabalho.
LE:
Documento Laborem Execens.
PT:
doumento Pacen in Terris.
CA:
Documento Centtessimus Annos.
DSI:
Doutrina Social da Igreja.
Texto
provisório de Frei Flávio Guerra.