21/11/2013

10 filmes para refletir sobre Consciência Negra


Quinta-feira, 21 de novembro de 2013 - 10h35min
por A seleção é do sítio Pragmatismo Político.


Nesta semana de Consciência Negra, conheça 10 excelentes filmes que estimulam a reflexão sobre a situação do negro no Brasil e no mundo.

1.Faça a Coisa Certa (Spike Lee - 1989)
Sal (Danny Aiello), um ítalo-americano, é dono de uma pizzaria em Bedford-Stuyvesant, Brooklyn. Com predominância de negros e latinos, é uma das áreas mais pobres de Nova York. Ele é um cara boa praça, que comanda a pizzaria juntamente com Vito (Richard Edson) e Pino (John Turturro), seus filhos, além de ser ajudado por Mookie (Spike Lee). Sal decora seu estabelecimento com fotografias de ídolos ítalo-americanos dos esportes e do cinema, o que desagrada sua freguesia. No dia mais quente do ano, Buggin' Out (Giancarlo Esposito), o ativista local, vai até lá para comer uma fatia de pizza e reclama por não existirem negros na "Parede da Fama". Este incidente trivial é o ponto de partida para um efeito dominó, que não terminará bem.

2. Conduzindo Miss Daisy (Bruce Beresford - 1989)
Atlanta, 1948; Uma rica judia de 72 anos (Jessica Tandy) joga acidentalmente seu Packard novo em folha no jardim premiado do seu vizinho. O filho (Dan Aykroyd) dela tenta convencê-la de que seria o ideal ela ter um motorista, mas ela resiste a esta idéia. Mesmo assim o filho contrata um afro-americano (Morgan Freeman) como motorista. Inicialmente ela recusa ser conduzida por este novo empregado, mas gradativamente ele quebra as barreiras sociais, culturais e raciais que existem entre eles, crescendo entre os dois uma amizade que atravessaria duas décadas.

3. A Outra História Americana (Tony Kaye - 1998)
Um dos melhores filmes sobre o tema racial da década de 1990, não poupa o espectador da violência e do ódio ao mostrar os crimes de uma gangue racista de skin heads, formada por integrantes neonazistas, nos Estados Unidos. O filme tem o poder de mostrar como o ódio racial acaba com a vida tanto de agressores quanto de agredidos, e é contundente, principalmente pela mensagem e pela ótima interpretação de Edward Norton.

4. Amistad (Steven Spielberg - 1998)
Baseado em um evento real, este filme relata a incrível história de um grupo de escravos africanos que se rebela e se apodera do controle do navio que os transporta e tenta retornar à sua terra de origem. Quando o navio, La Amistad, é aprisionado, esses escravos são levados para os Estados Unidos, onde são acusados de assassinato e são jogados em uma prisão à espera do seu destino.Uma empolgante batalha se inicia, o que capta o interesse de toda a nação e confronta os alicerces do sistema judiciário norte-americano. Entretanto, para os homens e mulheres sendo julgados, trata-se simplesmente de uma luta pelos diretos básicos de toda a humanidade: a liberdade.

5. A Negação do Brasil (Joel Zito Araújo - 2001)
O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país.

6. Quanto Vale Ou É Por Quilo? (Sergio Bianchi - 2005)
Adaptação livre do diretor Sérgio Bianchi para o conto "Pai contra Mãe", de Machado de Assis, Quanto Vale ou É Por Quilo? desenha um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo, semelhantes na manutenção de uma perversa dinâmica sócio-econômica, embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas enormes diferenças sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato caçavam negros para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo: o lucro. Nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor explora a miséria, preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na verdade também são fontes de muito lucro. Com humor afinado e um elenco poucas vezes reunido pelo cinema nacional, Quanto Vale ou É Por Quilo? mostra que o tempo passa e nada muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.

7. Agosto Negro (Samm Styles - 2007)
A curta vida do ativista condenado George Lester Jackson (Gary Dourdan, da série CSI) se torna o estopim para uma revolução, dando início a mais sangrenta rebelião ocorrida em toda a história do presídio de San Quentin. Agosto Negro narra a jornada espiritual e a violenta fé de Jackson, desde sua condenação por roubar 71 dólares de um posto de gasolina até galvanizar a Família Black Guerrilla com seu incendiário livro, criado a partir de cartas, Soledad Brother, ou espalhar ferocidade nos corredores de San Quentin em um dia de agosto, quando seu irmão mais novo, Jonathan, chocou o país ao fazer refém toda uma corte de justiça na Califórnia, em protesto pelo julgamento de Jackson. Para o militante George Jackson, a revolução não era uma escolha, mas uma necessidade.

8. Besouro (João Daniel Tikhomiroff - 2010)
Bahia, década de 20. No interior os negros continuavam sendo tratados como escravos, apesar da abolição da escravatura ter ocorrido décadas antes. Entre eles está Manoel (Aílton Carmo), que quando criança foi apresentado à capoeira pelo Mestre Alípio (Macalé). O tutor tentou ensiná-lo não apenas os golpes da capoeira, mas também as virtudes da concentração e da justiça. A escolha pelo nome Besouro foi devido à identificação que Manuel teve com o inseto, que segundo suas características não deveria voar. Ao crescer Besouro recebe a função de defender seu povo, combatendo a opressão e o preconceito existentes.

9. Bróder (Jeferson De - 2011)
Capão Redondo, bairro de São Paulo. Macu (Caio Blat), Jaiminho (Jonathan Haagensen) e Pibe (Sílvio Guindane) são amigos desde a infância e seguiram caminhos distintos ao crescer. Jaiminho tornou-se jogador de futebol, alcançando a fama. Pibe vive com Cláudia e tem um filho com ela, precisando trabalhar muito para pagar as contas de casa. Já Macu entrou para o mundo do crime e está envolvido com os preparativos de um sequestro. Uma festa surpresa organizada por dona Sonia (Cássia Kiss), mãe de Macu, faz com que os três amigos se reencontrem. Em meio à alegria pelo reencontro, a sombra do mundo do crime ameaça a amizade do trio.

10. Histórias Cruzadas (Tate Taylor - 2012)
Jackson, pequena cidade no estado do Mississipi, anos 60. Skeeter (Emma Stone) é uma garota da sociedade que retorna determinada a se tornar escritora. Ela começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark (Viola Davis), a emprega da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada a sociedade como um todo.Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões.

http://cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=4445

Encontro com Milton Santos, ou: o mundo global visto do lado de cá.

Encontro com Milton Santos, ou: o mundo global visto do lado de cá, documentário do cineasta brasileiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias (seja o terceiro mundo, seja comunidades carentes). 

O filme é conduzido por uma entrevista com o geógrafo e intelectual baiano Milton Santos, gravada quatro meses antes de sua morte.

O cineasta conheceu Milton Santos em 1995, e desde então tinha planos para filmar o geógrafo. 


Os anos foram passando e, somente em 2001, Tendler realizou o que seria a última entrevista de Milton (que viria a morrer cinco meses depois). 

Encontro com Milton Santos, ou: o mundo global visto do lado de cá
http://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM


O novo não se inventa, descobre-se

21/10/2011 5:18 pm

Reconhecido internacionalmente por suas contribuições às Ciências Humanas e, entre os que conviveram com ele, por sua generosidade e humildade, Milton Santos é hoje uma referência também para o movimento negro

Por Glauco Faria

“Ele representava nas Ciências Humanas o que se pode chamar de ala combatente. O que Florestan Fernandes foi na Sociologia, ele foi na Geografia. Nos seus trabalhos, o rigor científico nunca foi obstáculo a uma consciência social desenvolvida e profundamente arraigada nos problemas do Brasil.” Foi assim que um dos grandes intelectuais brasileiros, Antonio Candido, definiu o geógrafo Milton Santos, que foi seu colega na Universidade de São Paulo (USP).

Baiano de Brotas de Macaúbas, Milton Santos cursou Direito em Salvador, embora quando jovem tivesse dado aulas na área que verdadeiramente o apaixonava, a Geografia. Na universidade, envolveu-se com a política estudantil e chegou a ser eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas as letras da lei não foram suficientes para seduzi-lo e, concluída a graduação, Milton tornou-se professor de Geografia do Instituto Central de Educação Isaías Alves (Iceia) e do Colégio Central. Levou a concurso sua tese Povoamento da Bahia, e passou a ocupar a cadeira de Geografia Humana do Ginásio Municipal de Ilhéus. E foi ali que escreveu seu primeiro livro, A Zona do Cacau, que tratava da monocultura na região. A obra já alertava para os riscos que poderiam advir da adoção de tal prática.


No ano de 1956, foi convidado pelo professor Jean Tricart, uma de suas principais influências, a realizar seu doutorado em Estrasburgo, na França. Sobre o orientando, escreveu Tricart: “O humor, a alegria, e o sorriso de Milton, classificado como inimitável, conquistaram a simpatia de toda a equipe da Universidade”. Após viajar pelos continentes europeu e africano, publicou em 1960 o estudo Mariana em Preto e Branco e, depois de apresentar sua tese de doutorado, O Centro da Cidade de Salvador, regressou ao Brasil.

Mas os périplos de Milton Santos pelo mundo não pararam. Logo após o golpe militar de 1964, foi exilado e retornou à França, onde lecionou na Universidade de Toulouse por três anos. Seguiu para Bordeaux e, até voltar ao Brasil em 1977, passou por diversas universidades do mundo. Deu aulas na Venezuela, no Peru, e no Massachusetts Institute of Technology (MIT) dos Estados Unidos.

De regresso ao Brasil, boa parte da obra que o faria mundialmente conhecido já tinha sido escrita, inclusive o clássico Por uma geografia nova, com enfoque nas questões sociais e referência em geógrafos marxistas, evidenciando a necessidade de se constituir uma análise do espaço como algo essencialmente humano, promovendo um redirecionamento da Geografia. Dizia ele na introdução: “A verdade, porém, é que tudo está sujeito à lei do movimento e da renovação, inclusive as ciências. O novo não se inventa, descobre-se”.

A geógrafa Ana Clara Torres Ribeiro trabalhou com Milton Santos e confirma o grande legado deixado por ele na área das Ciências Humanas. A ideia defendida por ele era tirar a Geografia de seu isolamento e promover um diálogo com as outras disciplinas da “A Geografia deve estar atenta para analisar a realidade social total a partir de sua dinâmica territorial, sendo esta proposta um ponto de partida para a disciplina, possível a partir de um sistema de conceitos que permita compreender indissociavelmente objetos e ações”, disse.

“Por uma geografia nova”

O depoimento do geógrafo da USP Wagner Costa Ribeiro ilustra a generosidade de Milton Santos, que não se furtava a colaborar com colegas da área. “Conheci o professor Milton Santos em Paris, por ocasião de uma visita de estudos, em 1988. Naquele ano o professor também estava pesquisando na França e me recebeu em sua casa, sem nunca termos nos falado antes, a partir de um telefonema. De maneira direta, indicou colegas franceses que me receberam com muita atenção, grande parte deles ex-alunos de Milton. A partir daí, recebi seu renovado apoio em diversas ocasiões, como quando solicitei artigos para publicações da Associação dos Geógrafos Brasileiros”, conta.

A seguir, o leitor poderá conferir uma das últimas entrevistas concedidas por Milton Santos, que revela pontos importantes do pensamento do único geógrafo fora do mundo anglo-saxão a receber, em 1994, o prêmio Vautrin Lud, o equivalente ao Nobel no campo da Geografia. E que deixou uma herança que vai muito além da já grandiosa transformação promovida por ele no estudo da Geografia, que coloca a exclusão como o principal inimigo a ser vencido. A professora Maria Adélia Aparecida de Souza, que trabalhou com o geógrafo na USP, define o que significaria a concretização de sua visão de mundo. “O período popular da história, a que se referiu Milton Santos, envolve uma nova humanidade, onde se construirá a paz através da consolidação de mecanismos solidários que não serão fabricados em laboratórios. Já estamos em pleno período popular da história.” 

A técnica e o poder

Em uma de suas últimas entrevistas, Milton Santos fala sobre globalização, a violência do dinheiro e da informação, e analisa qual deveria ser o papel dos intelectuais

Era um estagiário do Serviço de Divulgação e Informação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) quando, junto com a colega Julienne Gananian, entrevistei Milton Santos, em setembro de 2000. Já debilitado pelo câncer, o professor recebia dois estudantes e conversava com eles como dois iguais, sem adotar uma postura arrogante, como não raro acontece entre os acadêmicos.

Docemente, não concedeu uma entrevista, mas deu uma aula. Permitindo sempre que pudéssemos intervir, esclareceu conceitos e mostrou sua visão sobre o mundo. Abaixo, alguns trechos da entrevista, que dão um pouco a dimensão da importância de seu legado.

Globalização

A história é feita pela sucessão de épocas e cada época tem sua própria marca. A marca de cada época é dada, a meu ver, por dois fatores, que são na realidade inseparáveis: um é o estado da técnica, o outro é o estado da política. A nossa época é caracterizada por uma técnica que atinge níveis altíssimos de precisão, uma técnica altamente cientificizada, pois é penetrada pela produção científica, permitindo, por isso mesmo, um alto grau de intencionalidade no seu uso. Deste modo, os atores hegemônicos atuais se apropriam dessa qualidade da técnica para aumentar seu poder.

Como a técnica se tornou planetária, algo que nunca tinha acontecido, os atores se tornaram planetários. A globalização é resultado de uma forma particular de casamento da técnica com a política. Nesse caso, a política será exercida pelos atores hegemônicos e não mais pelos Estados. A técnica hegemônica é a base de dois fenômenos também inéditos, que são a informação e o dinheiro globalizados. A informação e o dinheiro globalizados fazem com que as fronteiras tenham se tornado permeáveis, resultando na diminuição do poder interno das nações.

Na realidade, isso não é algo que se dá de forma homogênea: o país que mais globaliza, os Estados Unidos, é o menos globalizado. A Europa também não aceita a globalização totalmente. Eles impõem aos demais a globalização, querem impor a ideia de democracia, que na verdade é uma não-democracia, implantada por meio do regime neoliberal. Mas vai dizer nas ruas que não vivemos numa democracia…

O dramático de nosso tempo

Quanto mais nos informamos, mais nos tornamos desinformados. A própria casa do pensamento livre, que é a universidade, estimula cada vez menos o pensamento livre. E nós continuamos com as velhas palavras, com conteúdos que não são eficazes, razão pela qual a democracia sucumbe em toda América Latina. Essa desinformação continuada, esse poder implacável do dinheiro globalizado, são uma ofensa às pessoas, mas aparecem como se fossem suas metas. Isso é o dramático do nosso tempo.

Violência da informação

A própria violência do dinheiro não se daria sem a violência da informação. Você liga o rádio e as informações não interessam ao público em geral, apenas a determinados segmentos. As informações sobre bolsa de valores, por exemplo, interessam apenas para quem tem muito dinheiro. Nós somos levados a ficar paralisados diante do discurso do dinheiro, que é a base da ação do dinheiro globalizado.

As técnicas atuais podem ser utilizadas de forma diferente do que acontece hoje. Na realidade, na minha juventude, na época das técnicas de massa, estas só podiam ser utilizadas pelos poderosos. Como eu iria comprar uma locomotiva? Eu não podia criar uma estrada de ferro… Agora é diferente: pela primeira vez, as técnicas são “maleáveis”. Só que o mercado se apossou dessas “técnicas maleáveis” e as endureceu. A técnica se endureceu politicamente pelo uso que os poderosos fazem dela. Se amanhã os atores individuais, dotados de uma vocação de generosidade, se apossam dessas técnicas, aí muda tudo. Aliás, já está mudando. Veja a multiplicação das rádios piratas, dos pequenos jornais, das televisões comunitárias… O que não há é uma legislação feita para evitar o sufocamento desses pequenos atores. É a política corrompendo algo que dá frutos. Era impossível no tempo do Marx ou do Keynes pensar nisso, hoje é possível. Por isso digo que não sou otimista, eu sou realista. A base da vida, de certa forma, é a técnica, que em si não é desfavorável.

O papel da universidade

Não posso abrir as portas da universidade para o trabalho feito para o mercado e continuar dizendo que é pública. Posso dizer que o meu trabalho aqui é pensar, discutir o mercado, só que o que é solicitado a mim é um trabalho para o mercado. É preciso repensar o conceito de universidade pública, que era válido no século XIX e não é mais. São duas as universidades públicas no Brasil: a que vende o saber e outra que produz saber, mas grandes fatias do trabalho acadêmico não têm relação com o interesse público.

E a universidade tem muita dificuldade para fazer uma autocrítica. Várias pessoas desviam o foco da questão, dizendo que a maioria dos alunos é da classe média, que se deveria cobrar mensalidades… É uma falsa questão. Porque devo cobrar da classe média? Aqui há poucas bolsas, a maioria está nas faculdades privadas. Há um discurso não só vazio, mas vadio, que simplifica uma questão que é muito mais complexa.

Se a universidade produz o saber que serve ao mercado e não à grande maioria, estou paulatinamente fechando as portas a um debate sadio. Não estamos buscando a solução, estamos buscando remédios. Os intelectuais críticos estão sendo estrangulados. Não podemos nos contentar com o grande enunciado e esse é o desafio imposto, por exemplo, às faculdades de Filosofia e de Geografia, que têm o dever de criticar. Nós estamos aqui para criticar.

Universidade e mercado

A universidade deve ensinar a usar bem as técnicas. Não posso abrir as portas da universidade para o trabalho feito para o mercado e continuar dizendo que é pública. Posso dizer que o meu trabalho aqui é pensar, discutir o mercado, só que o que é solicitado a mim é um trabalho para o mercado. É preciso repensar o conceito de universidade pública, que era válido no século XIX e hoje não é mais. São duas as universidades públicas no Brasil: a que vende o saber e outra que produz saber.

Perspectivas

Existe um estreitamento das perspectivas para a juventude. O emprego hoje se tornou uma obsessão. Quando eu terminei a faculdade, podia escolher entre os empregos que me eram oferecidos. Isso cria um outro estado de espírito. Mesmo assim, a juventude tem um caldo de cultura fértil para as ideias novas.

Creio que o crescimento beneficia algumas camadas mais do que as outras. Há aquelas que sempre ganharam e as que sempre perderam. No Brasil, as ofertas para os pobres sempre foram mais reduzidas que em outros países. Formulam-se teorias de ciência política e de sociologia baseadas na Europa, mas lá os pobres sempre tiveram mais oportunidades. A classe média deles sempre teve preocupações políticas, enquanto a nossa tem preocupações eleitorais.

Intelectuais “prostitutos”

Os compositores de música popular resistiram à massificação da música e hoje conseguem levar suas ideias à população. Existem músicos, como o Mano Brown, que não estão nas grandes gravadoras e que conseguem vender de forma significativa. Nós do meio acadêmico é que estamos atrasados. Os pobres não têm acesso à elaboração sistêmica da técnica, mas nós temos. Nós, intelectuais, somos um pouco “prostitutos”. É mais simples nos aproximarmos dos poderosos que nos dão dinheiro para pesquisas, financiam nossas viagens. Mas as grandes ideias não precisam de muito dinheiro. Acho que já está acontecendo uma revolução, mas não estamos preparados para percebê-la. Como a universidade está burocratizada, tudo que é novo tem dificuldade para ser absorvido.  

A condição de negro

“O fato de eu ser negro e a exclusão correspondente acabam por me conduzir à condição de permanente vigília.” Esse depoimento de Milton Santos evidencia a sua consciência em relação à questão do preconceito e da discriminação que sofrem os negros no Brasil. Não
participava de movimentos ligados à causa, uma questão de coerência com aquilo que ele dizia ser fundamental para um intelectual: a independência. “Não sou militante de coisa nenhuma. Essa ideia de intelectual, apreendida com Sartre, de uma independência total, distanciou-me de toda forma de militância”, declarou.


Descendente de escravos que foram emancipados antes da abolição da escravatura no país, Milton Santos enfrentou quando jovem diversas manifestações de racismo. Desistiu de cursar Engenharia, entre outros motivos, quando o alertaram que havia resistência aos negros na Escola Politécnica. Em outra ocasião, foi convencido por colegas a não se candidatar ao cargo de presidente da Associação dos Estudantes Secundários da Bahia. O argumento usado por eles foi de que, como negro, não teria acesso ao diálogo com as autoridades.

Mesmo assim, continuou sua trajetória no meio acadêmico e hoje, pela sua relevância como intelectual, tornou-se referência para o movimento negro. “Não porque ele militava, era um acadêmico, mas pelo debate que fazia sobre inclusão. E também por não esquecer suas origens, apesar de ter se consagrado como um dos mais importantes intelectuais do mundo”, aponta o geógrafo João Raimundo de Souza, a propósito de uma homenagem feita pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a Milton Santos.

http://revistaforum.com.br/blog/2011/10/o-novo-nao-se-inventa-descobre/

Congresso anula sessão que declarou vaga a Presidência de João Goulart

Decisão, arbitrária, abriu caminho para o golpe de militar de 64. Parlamentares ressaltam que votação permitirá nova interpretação da História e deve evitar a repetição dos mesmos erros

por Agência Câmara publicado 21/11/2013 08:04, última modificação 21/11/2013 10:43


Arquivo RBA
Jango.jpg
O ex-presidente João Goulart: erro que abriu caminho ao golpe militar de 1964, reparado em sessão histórica do Congresso

Brasília – O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira (21) o projeto de resolução (PRN 4/13) dos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (Psol-AP), que anula a sessão do Congresso de 2 de abril de 1964 que declarou vaga a Presidência da República no mandato do presidente João Goulart.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, avaliou que a votação é a “oportunidade histórica de reparar uma mancha na História do País”. Ele ressaltou que a sessão foi acompanhada pelo filho de João Goulart, João Vicente Goulart.

Os dois autores da proposição ressaltaram a ilegalidade em que a sessão se baseou: declarou a presidência vaga mesmo depois que João Goulart enviou ao Congresso um documento dizendo que estava no País e no exercício do cargo.

“João Goulart estava no comando de suas atribuições e em pleno território nacional e, por isso, o presidente do Congresso não poderia ter convocado arbitrariamente a sessão e muito menos ter declarado vaga a presidência”, disse Randolfe Rodrigues.

Para Pedro Simon, a votação vai permitir uma nova interpretação da História. “Não vamos reconstituir os fatos. A história apenas vai dizer que, naquele dia, o presidente do Congresso usurpou de maneira estúpida e ridícula a vontade popular depondo o presidente da República”, disse.

Ouça a íntegra da sessão do Congresso que declarou vaga a Presidência em 1964.

Evitar repetição do erro

O relator do projeto, deputado Domingos Sávio (PMDB-MG), disse que ao anular a sessão que cassou o mandato de Jango, o Congresso pode impedir que a mesma situação ocorra novamente. “É triste, mas é necessário resgatar essa noite para que não se repitam mais coisas dessa natureza. Essa desastrada decisão é uma das muitas razões para tudo o que padeceram aqueles que viveram esse período sombrio da nossa História”, argumentou.
Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o Congresso demonstrou para a História que o golpe que iniciou o regime militar foi baseado em falsidade. Para o senador Randolfe Rodrigues a proposta retirou o "ar de legalidade" do golpe de 1964.

Voz dissonante

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi a voz dissonante na votação do projeto. Para ele, o projeto quer “tocar fogo” no Diário do Congresso Nacional. “Querem apagar um fato histórico de modo infantil. Isso é mais do que Stalinismo, quando se apagavam fotografias, querem apagar o Diário do Congresso”, disse.

Bolsonaro citou vários artigos de jornal segundo os quais políticos e segmentos da sociedade foram favoráveis ao golpe. “A ABI [Associação Brasileira de Imprensa] e OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] aprovaram o movimento. Toda a igreja católica, governadores, empresários e produtores rurais foram na mesma linha. Tiremos o peso dos militares, salvamos o País de um regime ditatorial”, disse.

O deputado Vieira da Cunha (PDT-RS) rebateu as críticas. “Quem quer apagar a historia com seu pronunciamento é colega Jair Bolsonaro, que hoje se superou da tribuna”, criticou.
Já o deputado Ronaldo Benedet (PMDB-SC) disse que é uma vitória da democracia o fato de o colega poder se manifestar contra uma proposta com ampla maioria. “Como é bela a democracia que conquistamos. Tão valiosa que até quem defende a ditadura e quer justificar a ditadura pode vir fazê-lo”, disse.

Os restos mortais de Jango, exumados na quarta-feira da semana passada (13), chegaram no dia seguinte a Brasília com honras de Estado. Eles passarão por exames no Instituto de Criminalística. Os testes foram solicitados pela família à Comissão da Verdade após declarações de um ex-agente da repressão da ditadura uruguaia, segundo o qual Jango teria sido envenenado.

http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2013/11/congresso-anula-sessao-que-declarou-vaga-a-presidencia-de-joao-goulart-4488.html

Fé e Política

Fé e Política: “a missão mais importante é humanizar”, afirma Carlos Mesters

19/11/2013 - notícias - Criado por: Jaime C. Patias













Com olhos e ouvidos atentos, os participantes do 9º Encontro Nacional Fé e Política abriram o coração para saborear as sábias reflexões do teólogo e biblista do povo, frei Carlos Mesters. A conferência encerrou o evento que reuniu quase três mil lideranças no feriado da República, dias 15 a 17 de novembro na Universidade Católica de Brasília (UCB), campus de Taguatinga Sul (DF), e teve como tema “Cultura do Bem Viver: Partilha e Poder”.

Carlos Mesters repassou textos bíblicos e contando histórias destacou a centralidade da palavra de Deus para a leitura da realidade. Comparou os vários cativeiros enfrentados pelo Povo bíblico com o cativeiro de hoje representado pelo capitalismo neoliberal que mata a vida. “Ouvimos que lá no Mato Grosso do Sul mataram índios só para se apropriarem de suas terras. Este é um cativeiro, mas mesmos assim nós temos esperança”, disse o teólogo e em seguida, enumerou sete passos da cultura do Bem Viver para a saída do cativeiro.

1. Uma nova visão sobre a natureza. “Neste ponto podemos aprender muito dos povos indígenas”, afirmou Mesters. “Nós podemos ser muito desobedientes a Deus, mas isso não impede o nascimento do sol, a sequência dos dias e das noites, o ciclo da lua, o sol que vem todos os dias, a chuva no tempo certo... O profeta Jeremias vê nisso, um sinal da fidelidade de Deus. Nós podemos romper com Deus, mas Ele nunca rompe conosco, basta olhar a natureza. Esse é o fundamento de tudo”.

2. Redescobrir a força da palavra. “Os indígenas veneram muito a palavra. E Isaías diz: ‘tudo é capim, tudo passa. A única coisa que permanece é a palavra de Deus’, recordou o biblista. “No cativeiro, a única coisa que eles tinham era a memória. A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é perder a memória e pior ainda é um povo perder a memória”, completou. “E os meios de comunicação hoje, pela maneira de apresentar a história muitas vezes apagam em nós a memória”. Mesters recordou que 50 anos atrás, quase ninguém tinha a Bíblia em casa e hoje todos têm. “Estamos recuperando a palavra de Deus. A palavra é para conversar e quando estamos nos círculos bíblicos estamos nos confrontando com a palavra de Deus. Isso é conversão, uma conversa grande”. E jogou com as palavras: “conversa = conversão”.

3. Redescobrir o amor eterno de Deus. “No cativeiro Jeremias ficava olhando o sol, a lua, as estrelas. Isso significa que por detrás da natureza está o amor eterno de Deus por nós. ‘Eu amei você com amor eterno. Por isso conservei o meu amor por você’ (Jr 31,3). ‘Pode a mãe se esquecer do seu bebê pode ela deixado de ter amor pelo filho de suas entranhas. Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você’ (Is 49, 15). O amor é a melhor coisa que o nosso coração pode sentir. E quando somos amados, Deus faz nascer coisas novas no coração da gente”.

4. Uma nova experiência de Deus, uma nova imagem de Deus. “No cativeiro sem terra, sem templo, nem sacerdote, a única coisa que sobrou foi a família, o pai, a mãe, uma família quebrada, fraquinha, mas é o único lugar onde podem falar com liberdade. Nesse pequeno espaço da família eles experimentam Deus. Experimentam o amor de Deus e inventam nomes novos para Deus. Isso aparece somente em Isaías por quem Deus é chamado de Mãe, Pai, Marido e nós somos sua esposa. Ele é também o Irmão maior. É um Deus de família. Nas experiências da vida formamos a imagem de Deus. Depois de tantos anos de caminhada no Movimento Fé e Política, a nossa ideia de Deus melhorou ou não?”, perguntou Mesters.

5. Deus não escreveu um livro, mas escreveu dois livros. “No cativeiro não há vida, mas eles têm a palavra de Deus e lembram como Deus criou o mundo. Tudo o que existe é expressão de uma palavra de Deus. As estrelas, o sol, as pessoas, as crianças são a palavra de Deus. Santo Agostinho afirma que Deus escreveu dois livros e o primeiro não é a Bíblia, mas a vida, os fatos, os acontecimentos. E por causa da nossa mania de querer dominar tudo, as letras desse livro se atrapalharam, a gente não consegue descobrir Deus dentro da vida. Então para nos ajudar a ler a vida, Deus escreveu mais um livro que é a Bíblia que não foi escrito para ocupar o lugar da vida, mas para nos ajudar a ler a vida, descobrir Deus na vida. Santo Agostinho nos diz, a leitura da Bíblia todos os dias, é como um colírio que você coloca no olho. Colírio melhora a visão e com esse novo olhar de contemplação, somos capazes de decifrar o mundo.

Ontem foram lembradas as manifestações de ruas do mês de junho. Qual é a palavra de Deus que está nesse movimento? Qual é o apelo de Deus? Conversando, lendo a Bíblia a gente vai descobrir e aí fazemos do mundo uma ‘teofania’(manifestação de Deus) e o mundo se torna de novo transparente para nos falar de Deus. Nesse ponto também podemos aprender muito dos povos indígenas”.

6. Redescobrir a missão. “Quando viviam na Palestina, o povo de Deus pensava em ser um povo grande. Agora no cativeiro eles descobrem que a missão é servir. E fizeram uma cartilha para ensinar como servir. Em Isaíasencontramos o Servo sofredor de Javé. Provavelmente Jesus leu muito estes textos do profeta sobre o serviço. ‘O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir’ (Mc 10, 45). Esta é nossa missão principal. Não estamos aqui para dominar”.

7. Descobrir uma nova pastoral, uma nova maneira de anunciar a Boa Nova. Carlos Mesters entende isso como “uma nova ação política, uma nova ação de convivência entre nós”. Ele destaca as seguintes palavras: ternura, diálogo, reunião, consciência crítica e alegria. “Ternura significa acolher as pessoas, respeitar. Para quem está sofrendo muito não adianta chegar com imposição, tem que acolher, cuidar da ferida do coração. Não se impor, mas conversar para produzir o conhecimento, ser aprendiz. Na Igreja temos uma Encíclica chamada Mater et Magistra (Mãe e Mestra). Falta-nos outra chamada ‘Aluna e Aprendiz’. Fazer encontros, honrar o Sábado, tirar um dia por semana para conversar. Com consciência crítica o povo tenta aumentar a fé por dentro e diminuir o peso do sistema opressor. Hoje a gente lê a Bíblia e os acontecimentos com consciência crítica para achar a saída. Volta o equilíbrio e o povo renasce. E por fim temos a alegria!”. A dimensão da festa.

“O ponto de chegada é Jesus”. Mesters lembrou ainda que, o nome que Jesus mais gostava de usar para Ele mesmo era ‘Filho do Homem’ (83 vezes). “Jesus falou que era Rei apenas uma vez e meia. Jesus disse: ‘sim eu sou rei, mas não rei deste mundo’ (uma vez). Pilatos perguntou: o senhor é rei? Jesus respondeu: ‘é você quem está dizendo’. Então é pela metade. E nós temos a festa de Cristo Rei”, constatou para em seguida explicar o significado da expressão ‘Filho do Homem’. “Esse título vem do profeta Daniel (Dn 7) que descreve os impérios do mundo sob a figura de animais. Por que o império é animalesco, desumaniza. Basta ver o império neoliberal, não desumaniza a vida das pessoas? Os meios de comunicação continuam a colocar valores na cabeça da gente que desumanizam a vida. Na visão de Daniel, depois dos quatro impérios aparece a Reino de Deus apresentado com a figura de gente: ‘Filho do Homem’ que não é uma pessoa, mas o Povo de Deus, um povo humano. Precisamos saber humanizar. Esta é a missão mais importante que Deus nos dá. E Jesus assume esta missão. Ele quer humanizar a vida. Isso aparece o tempo todo nos Evangelhos”.

No encerramento dos trabalhos, um momento de mística retomou os símbolos da abertura: fogo, água, terra e ar. Dessa vez, a simbologia ganhou maior significado e força com uma dança guarani onde os participantes formaram um círculo para, de cabeça erguida, braços entrelaçados e pisadas firmes cantar a resistência da cultura do Bem Viver.

O ipê, árvore típica do cerrado foi símbolo do Evento. Uma última ação recordou as nove edições do Encontro Fé e Política ao plantar nove mudas da árvore na entrada principal do Campus da Universidade. Cada participante no evento recebeu nove sementes de ipê para multiplicar a ação em sua cidade. Isso para repor o carbono gasto em média por cada pessoa e educar para o cuidado com a natureza.

http://www.intereclesialcebs.org/full.php?id_noticia=248&noticia_cat=2 

19/11/2013

9 etapa - 09 e 10 de novembro


Os fundamentos éticos de uma consciência planetária a partir da Carta da Terra. Conceito de sociedade sustentável, desenvolvimento e progresso. Redefinição das necessidades básicas para o bem-viver. Biodiversidade. A dimensão espiritual da ecologia.
Prof. Ms. Ana Maria Formoso - Unisinos








As questões de gênero e a inclusão das «minorias» no horizonte de um novo paradigma da civilização atual.
Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta - Unisinos




10/11/2013

Consciência planetária e novo paradigma da civilização atual

Texto: José Antônio Somensi (Zeca)
Fotos: Edília Santa Catarina Menin e Fernanda Seibel


 
A Escola de Formação Fé, Política e Trabalho que tem a coordenação da Cáritas Caxias com o apoio de Diocese de Caxias do Sul e em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU – realizou no Centro Diocesano de Formação Pastoral a sua nona etapa.

No sábado, 9 de novembro, iniciamos com o vídeo comemorativo aos 10 anos da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho e depois passamos para o tema “Os fundamentos éticos de uma consciência planetária” e contou com a assessoria da professora Ms. Ana Maria Formoso – Unilasalle.

E que a partir da apresentação da Carta da Terra com os seus quatros princípios:

1º Respeitar e cuidar da Comunidade de vida através do respeito a Terra e a vida em toda sua diversidade, Cuidando da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor, Construindo sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas assegurando a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e às futuras gerações; 
 
2º Integridade Ecológica protegendo a restaurando a integridade dos sistemas ecológicos da Terra com atenção à diversidade biológica, prevenindo o dano ao ambiente como melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução, adotando padrões de produção, consumo e reprodução que proteja, mas capacidades regenerativas da Terra, avançando no estudo da sustentabilidade ecológica, promovendo o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido;
3º Justiça Social e Econômica erradicando a pobreza como imperativo ético, social e ambiental, garantindo que as atividades e instituições econômicas promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável, afirmando a igualdade e eqüidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e que assegure o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas, defendendo, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias;
4º Democracia, não-violência e paz fortalecendo as instituições democráticas em todos os níveis, integrando, na educação formal e na aprendizagem conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável, tratando todos os seres vivos com respeito e consideração, promovendo uma cultura de tolerância, não-violência e paz nos chama a atenção para que a mudança que queremos passa por uma mudança ética.

A partir destes princípios, a professora Ana Formoso, considerando a complexidade, onde nada é tudo ruim ou tudo bom, tendo a necessidade de construir uma democracia participativa e criando um grande processo de governabilidade-parcerias entre todos os envolvidos - a Carta da Terra se torna plausível a partir das experiências dos índios quéchua equatoriano e aimará boliviano com a proposta do ‘Bem Viver’ que passa por uma saúde pública eficiente e com cuidados com a Terra e a vida.

É preciso fazer rupturas, desconstruir certas situações econômicas, de crescimento, pobreza, marcando posição contra o Banco Mundial; questionar a hegemonia do dólar como referência diária;abandonar a ideia de desenvolvimento que não leva em conta as ‘cosmovisões’ dos povos.



Bem-viver é uma forma diferente de relação entre sociedade e a natureza, e a sociedade e suas diferenças, na qual a individualidade egoísta deve se submeter a um princípio de responsabilidade social e compromisso ético com uma nova visão da natureza, sem ignorar os avanços tecnológicos nem os avanços em produtividade, mas sim projetando-os no interior de um novo contrato com a natureza como parte de sua própria dinâmica, como fundamento e condição de possibilidade de sua existência no futuro.



Ainda, entre os dias 9 e 10 de novembro, outro tema foi “As questões de gênero e a inclusão das ‘minorias’ no horizonte de um novo paradigma da civilização atual” e contou com a assessoria da professora Dra. Cleusa Maria Andreatta - Unisinos, aonde vimos que na nossa sociedade patriarcal, machista, viciada numa mentalidade de exclusão a questão de gênero é usada como ferramenta de poder e submissão e que a ideia de que o homem é o que manda tem séculos de constituição e ainda enormemente aceita por muitas mulheres que continuam a educar os seus filhos dentro destes ditames. 

O importante e necessário hoje é trabalharmos que não devemos e não queremos lutar pela igualdade, mas pela valorização das diferenças num processo de alteridade onde ser homem / mulher deve ser uma construção não uma convenção histórica ou definida dentro de padrões midiáticos que dita as normas de padrões para os corpos, principalmente os femininos. 

Ainda, Cleusa lembrou que “As palavras nunca são inocentes no seu significado”.




Também no domingo iniciamos as inscrições para a Escola de Fé, Política e Trabalho 2014 – Ano 11, e os/as interessados/as devem fazer suas inscrições até dia 6 de março de 2013. Mais informações em: www.fepoliticaetrabalho.blogspot.com e fepoliticaetrabalho@gmail.com.



A décima e última etapa da Escola de 2013 acontecerá nos dias 7 e 8 de dezembro, com o tema “O Ensino Social da Igreja e os desafios do desenvolvimento humano, econômico, técnico e social. A dimensão da fé como inspiradora da militância cristã para a prática da justiça social, da ética, da política e da solidariedade”. E contará com a assessoria do professor Ms Flávio GuerraESTEF – Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana.

Uma balançada na estrutura social

“Não se pode negar que as mudanças no papel do feminino e, consequentemente, do masculino balançaram as estruturas sociais”, afirma Adriana de Souza, membro do Grupo de Pesquisa de Gênero e Religião Mandrágora/NETMAL, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), em entrevista concedida por e-mail para a revista IHU On-Line.
 

Disponível em: Revista IHU Online nº 210, Ano VII, 05.03.2007

Adriana possui graduação em Teologia pela UMESP e mestrado em Ciências da Religião pela mesma universidade, na área de concentração Ciências Sociais e Religião, com especificidade em Relações de Gênero e Religião. Tem experiência na área de ciências sociais, com ênfase em sociologia e antropologia, atuando principalmente no tema da sociologia da religião, gênero e religião, poder, gênero e instituições. Confira a íntegra da entrevista:
 


IHU On-Line - Ainda podemos dizer que a sociedade contemporânea se caracteriza pela dominação do masculino? Como se deu a construção e a evolução social da masculinidade e da feminilidade? O que mais mudou no homem e na mulher, comparando a modernidade com a contemporaneidade? 

Adriana de Souza - Depende de que sociedade se fala. Ainda assim acredito que não devemos usar absolutos. Mesmo em momentos obscuros da história, houve rupturas da ordem. Falemos de Brasil. Acredito que a sociedade brasileira ainda é muito machista – falo de homens e de mulheres – o que sem dúvida ainda sustenta a suposta superioridade nata masculina, assim se pode falar de uma “dominação masculina”. Não presenciamos, em nenhum outro tempo, uma feminização da sociedade como na atualidade, as mulheres cada vez mais conquistam novos espaços, então se ainda há uma masculinização da sociedade, ela tem sido truncada fortemente por uma feminização deste mesmo espaço social. De qualquer modo, é necessário haver aquela revolução simbólica da qual fala Bourdieu , é preciso haver mudança do habitus para que não apenas alcancemos ambientes antes circunscritos aos homens, mas para que a nossa mente capture a dimensão destas modificações e tenha sua concepção de mundo abalada. Um exemplo que pode ser mencionado é a chamada dupla (eu diria múltipla) jornada que enfrentam as mulheres. A análise mostra que, embora, participem ativamente do mercado de trabalho, acumulam funções e papéis sociais, porque existem aquelas tarefas tidas como “femininas” que devem ser, por conseguinte, desempenhadas pelas mulheres, como o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças, entre outras. O mais chocante em tudo isso é que há anuência por parte das próprias mulheres que reproduzem sua suposta função social sem questionamentos. Portanto, não está havendo compasso entre as mudanças sociais e as transformações nos campos do símbolo, das representações sociais, do habitus. É urgente haver sintonia.
 


IHU On-Line - Como as ideias de Bourdieu contribuem para a compreensão do fenômeno da dominação masculina na sociedade? 

Adriana de Souza - Bourdieu coloca como centro de sua economia das trocas simbólicas a dominação masculina, afirmando que esta se expressa na nossa corporeidade, na nossa humanidade, naquilo que temos de concreto. Portanto, o nosso corpo é o palco das disputas pelo poder e vitima mulheres e homens, pois as construções de gênero, ao mesmo tempo que fazem da mulher um ser socialmente inferior, põem sobre o homem uma carga enorme de construções que abreviam o seu ser a normas severas. O corpo é, portanto, o lócus do exercício do poder por
excelência. Desde que nascemos, nossos corpos sexuados definem qual será o nosso lugar nesta economia, se seremos dominados ou dominadores. É no corpo que o nosso capital cultural está inscrito. O corpo é a materialização da dominação. O seu conceito de habitus – uma rejeição ao objetivismo e à fenomenologia – consegue capturar a complexidade da realidade social.
 


IHU On-Line - Em que sentido a masculinidade influencia o campo religioso? 

Adriana de Souza - O que mais me fascina no campo religioso é sua ambiguidade que faz das mulheres, ao mesmo tempo, desprivilegiadas e privilegiadas. Se por um lado, elas participam muito pouco dos espaços de poder e decisão, por outro, elas formam a grande maioria dos fiéis e vivenciam mais de perto a religião. É Linda Woodhead que chama atenção para a complexidade desta relação. Ela sugere que é preciso elaborar uma grande teoria de gênero e religião para tentar compreender esta misteriosa relação entre a igreja e a mulher, em que, à primeira vista, pode parecer que dominados vivem em cumplicidade com seus próprios dominadores. Ela tem razão quando insiste nisso, pois a sociologia da religião, não obstante ser formada por grandes teorias, estas não incluem o gênero em suas análises da religião, ou, se o fazem, é de forma muito reduzida, ignorando a complexidade dos sujeitos estudados; e o pior, os estudos de religião insistem num sujeito universal abstrato, que é o homem. Negligenciar a construção social do gênero é ignorar uma gama enorme de informações que, sem dúvida alguma, interfere muito nos resultados de qualquer análise sociológica na modernidade.
 


IHU On-Line - A mulher ainda continua em posição subalterna nos domínios da Igreja

Adriana de Souza - Apesar de, em termos gerais, vislumbrarmos alguns avanços nas normas de algumas organizações religiosas, se pode verdadeiramente afirmar que a mulher ainda continua em posição subalterna nos domínios da Igreja, ou seja, o seu trabalho, ordenado ou não, enfrenta dificuldades de aceitação, não sendo reconhecido como legítimo por uma série de motivos. Não se pode negar que as construções de gênero configuram a atuação de mulheres e homens no interior das Igrejas e aqui elas se enrijecem porque são sacralizadas, adquirem caráter histórico e inquestionável. A Igreja, ainda que perdendo sua importância, tem papel fundamental na manutenção da ordem social, pois ela reforça esta ordem. Desse modo, é como um sustentáculo para a relação hierarquizada entre os sexos. Não obstante a dinâmica constante do campo religioso, a resistência das mulheres, a multiplicidade dos sujeitos, a complexidade destas relações e os poderes que envolvem esta luta, perfazendo uma grande trama de fugas e rupturas, na Igreja o homem ainda é a norma.


IHU On-Line - A autonomia da mulher contemporânea incomoda o homem? Como ficam as relações de gênero e as relações sociais em geral se considerarmos uma mulher mais autônoma e mais auto-suficiente em relação ao homem?

Adriana de Souza - Acredito que as mudanças sociais nos compelem a vivermos tempos novos, a reavaliarmos nossos valores e preceitos. Como já disse anteriormente, falta ainda a revolução simbólica, a desconstrução/reconstrução do habitus, das representações, daquilo que antecede a nosso modo de penar e as nossas atitudes. Mas não se pode negar que as mudanças no papel do feminino e, consequentemente, do masculino balançaram as estruturas sociais, especialmente na segundo metade do século passado. Desde então, vários espaços e direitos historicamente negados foram adquiridos, por causa da persistente força das mulheres em manifestar seu repúdio a essas discriminações e exigir seus direitos de cidadãs e de sujeitos de direitos tais quais os homens. Devo ressaltar que este é ainda um processo inacabado. A qualidade destas transformações tem sido questionada por várias pesquisas, mas ainda assim, acho que temos mais a comemorar que a lamentar. Assim sendo, estas mudanças incomodam a homens, a instituições - como a Igreja, tradicional por excelência -, e, por que não dizer, a mulheres também. Todos estes agentes sociais precisam se reencontrar após este “abalo sísmico” pelo qual passaram, e passam as estruturas sociais.
 


IHU On-Line - Como a senhora avalia o impacto das teorias feministas e das reivindicações das mulheres no mundo acadêmico? 

Adriana de Souza - Quando falo em transformações causadas pelo movimento feminista, a ideia de uma trajetória em movimento me parece a melhor e o gerúndio se firma como a forma verbal que desenha esta realidade, porque há um antes, mas não há um depois definitivo.
A categoria gênero, que se desenvolveu a partir da década de 1960 é vista como marco histórico para este avanço das mulheres no mundo acadêmico. Efetivamente esta categoria de análise surge a partir dos anos 1980, com o objetivo de denunciar a exclusão do feminino e de outros grupos periféricos do conhecimento científico. De lá para cá, apesar de ser um conceito em construção, vem sendo utilizado extensamente por muitas estudiosas e estudiosos. O advento da categoria gênero relativiza dimensões antes fixas, como, por exemplo, a noção de história linear e progressiva que foi substituída pela ideia de “nuances, tendências e movimentos”, ou seja, deu-se atenção às “interrupções” da história, incluindo-as na análise, apontou-se a necessidade de se libertar de conceitos abstratos e universais, como a ideia do homem como sujeito da história por excelência. Além disso, os conceitos e categorias são historicizados e assim desmistificados.
O discurso da diferença As teóricas feministas, no viés, seja marxista, seja liberal, têm se utilizado destas teorias para a compreensão das formas como o discurso da diferença dos sexos ou classe é determinante para o lugar diferenciado de mulheres e homens na sociedade. As consequências destas teorias são vistas, especialmente, na definição da nova face que adquiriu o mundo científico. As mulheres fazem ciência e são parte dela, teorizam sobre gênero e sobre a sociedade de um modo geral. Reivindicam e retomam o discurso sobre si, agora não é mais um discurso sobre elas feito por homens, mas sim um discurso feito por elas. Sua presença não é mais negada, nem escondida atrás de um sujeito universal abstrato, o homem.
Um mundo liderado por mulheres Prognósticos têm sido feitos de que um mundo liderado por mulheres será mais justo e fraterno, além de mais completo, no sentido de que as mulheres possuem esta sensibilidade globalizante (porque foram socializadas para) que possibilita vislumbrar várias nuances de uma mesma realidade. Eu compartilho destas ideias, acredito que, em qualquer âmbito da sociedade onde haja a participação ativa das mulheres, a tendência é a melhora. Pesquisas evidenciam que estão se qualificando mais que os homens. Nos cursos de pós-graduação são elas a maioria e nos outros níveis educacionais também, além de serem melhores alunas. Todavia, em boa parte dos espaços sociais de atuação, na política, na religião, na tecnologia, entre outros, enfrentam os chamados “tetos de vidro” que, embora não se vejam, estão aí para impedir sua ascensão aos lugares de poder. No entanto, creio que a entrada das mulheres em qualquer campo traz embutido um grande potencial de transformação.

“O homem e a mulher vêm se transformando ao longo do tempo e manifestam-se diferentemente conforme o contexto em que vivem”

Entrevista com Prof. Dr. Georges Daniel Janja Bloc Boris em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
 

Disponível em: Revista IHU Online nº 210, Ano VII, 05.03.2007
 

Boris é professor do Curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza desde 1985; mestre em educação (1992) e doutor em sociologia (2000) pela Universidade Federal do Ceará. Traduziu Ego, Fome e Agressão: Uma Revisão da Teoria e do Método de Freud, obra primeira de Frederick Perls, publicada em português em 2002 pela Summus Editorial. É psicoterapeuta fenomenológico-existencial, supervisor de estágios em psicologia clínica e formador de psicoterapeutas em Gestalt-Terapia.
 


IHU On-Line - Quais são as configurações do masculino e feminino na contemporaneidade? 

Georges Boris - O que as pesquisas sobre as relações de gênero têm demonstrado é que, especialmente na contemporaneidade, não se pode mais tratar de uma masculinidade, de uma feminilidade ou de um homoerotismo únicos e padronizados. A concepção de gênero - mais ampla do que a de sexo (mais centrada nos aspectos anatômico, fisiológico e funcional) – refere-se, para a maioria dos pesquisadores da área, a uma "construção", ou seja, não basta que eu tenha um pênis, pêlos e outros constituintes da masculinidade, mas o gênero é, principalmente, uma representação "construída", portanto, é simbólica, relacional, histórica e sociocultural. O que se percebe é que o homem e a mulher vêm se transformando ao longo do tempo e manifestam-se diferentemente conforme o contexto em que vivem. Além disso, por ser relacional, a subjetividade do homem e da mulher sofre interferências na medida em que o outro pólo também se modifica. Assim, hoje, o que percebemos é que há uma multiplicidade de manifestações subjetivas dos modos de ser homem, mulher, "gay" etc.
 


IHU On-Line - O masculino está em crise? O que seria o "Mal-Estar Masculino na Contemporaneidade"? 

Georges Boris - O patriarcado é uma instituição sociocultural milenar e padronizou modos de ser, de se comportar, de se vestir etc. O padrão patriarcal de homem e de mulher era claro e rigidamente definido. Entretanto, apesar de sua clareza, gerava sofrimento. Especialmente as mulheres sofreram - e ainda sofrem bastante - por conta deste padrão sociocultural, que impunha que o homem fosse necessariamente forte, dominador, violento, provedor da mulher e dos filhos, e, portanto, voltado para o mundo público; por sua vez, a mulher era considerada frágil, dominada, passiva, necessitando da proteção e do controle masculino. É inegável a dominação masculina sobre as mulheres, mas um problema pouco discutido é que, embora usufruam da dominação masculina milenar, os homens também estão submetidos a um padrão patriarcal masculino inatingível. Os homens morrem com mais freqüência e mais cedo do que as mulheres em praticamente todos os países do Ocidente. Em outras palavras: muitos homens também rejeitam esta padronização, que impõe papéis rígidos e impede-os de viver e de usufruir de sua humanidade, o que gera um considerável e apenas recentemente reconhecido mal-estar e uma inegável crise da subjetividade masculina.
 

Homem na atualidade
Com o crescente abalo do patriarcado nas últimas décadas e com as conquistas e os avanços das mulheres em vários campos, os homens estão confusos. Embora ainda haja considerável
resistência, muitos homens já não adotam nem se sentem à vontade com o modelo patriarcal de homem e de relação com a mulher, mas ainda não encontraram uma forma tranqüila de lidar consigo mesmos e com as conquistas do gênero feminino.
 


IHU On-Line - Quais as consequências sociais de uma mulher autônoma, independente do homem? 

Georges Boris - Por conta da dominação que sofreram e, em grande parte, ainda sofrem, as mulheres tiveram que lutar por seus direitos, por sua autonomia e por sua independência. São inegáveis as conquistas femininas, particularmente a partir da segunda metade do século XX. Estas conquistas também geram impasses com os homens por conta do avanço feminino no mercado de trabalho, por exemplo. Contudo, um dado que chamou a atenção em minhas pesquisas: a maioria dos homens sente-se à vontade e não percebe problema ao ser comandado por mulheres no trabalho. O que parece incomodar mais é a atitude autoritária do modelo patriarcal de comando - também presente no mercado de trabalho - que, muitas vezes, é adotada pelos chefes, mesmo algumas mulheres, com os que a eles ou a elas estão subordinados.
 

Evolução do movimento feminista
O movimento feminista teve, e tem, um papel histórico muito importante nas conquistas das mulheres. Seu papel foi aglutinar a insatisfação feminina com as imposições do patriarcado e organizar as lutas das mulheres contra a dominação masculina. Uma de suas conseqüências é a idéia bastante comum - tanto entre homens quanto entre as mulheres - que associa a mulher à vida, à sensibilidade e à subjetividade, enquanto o homem é, freqüentemente, associado à morte, à insensibilidade e à objetividade, perspectiva politicamente necessária à luta feminista contra um poder concentrado nas mãos dos homens. Entretanto, tal posição é dicotômica, mecanicista e mesmo maniqueísta, pois concebe as mulheres como seres essencialmente benevolentes, mas sem poder, vítimas dos naturalmente truculentos "machos", que as maltratam, ou como "guerreiras", também em luta contra a opressão masculina. Um dado contraditório pouco discutido pelas militantes feministas é a existência de um poder feminino, mais sutil e sábio do que o poder patriarcal: as mulheres, tradicionalmente, detêm o acesso e assumem o cuidado prioritário do lar e dos filhos e, embora muitas se queixem da omissão freqüente dos homens, algumas impedem o acesso e a necessária aprendizagem dos filhos, dos maridos e dos pais a este universo sociocultural ainda em mãos femininas. Este é um poder feminino que os homens ainda timidamente ocupam, em parte por uma resistência de muitas mulheres a compartilhar e a acreditar que os homens são capazes de também exercer o que denomino de "mínimo poder feminino", particularmente no espaço doméstico. O poder feminino é uma questão que compete ao movimento feminista encarar nos tempos atuais.
 


IHU On-Line - Quais os principais impactos para a autonomia da mulher, como ser social, dos avanços da ciência e da tecnologia?
 

Georges Boris - As relações de gênero e, particularmente, a mulher, não estiveram isentas das transformações socioculturais ao longo do tempo. Da mesma forma, a ciência e a tecnologia avançaram bastante. Um dos principais impactos para a autonomia da mulher e dos casais, sem dúvida, foi o advento da pílula anticoncepcional, especialmente e, de modo crescente, a partir dos anos 1960. Outros impactos vêm sendo registrados, como a reprodução assistida, bem como a (re)produção "independente". Esta última comprova que a ciência e a tecnologia não são neutras, podendo ser mesmo um instrumento ideológico, pois pode libertar as pessoas ou as aprisionar mais ainda. Nos tempos atuais, as pessoas vêm sendo induzidas a adquirir objetos descartáveis,
a investir em sua saúde de modo intensivo e mesmo a modelar seus corpos a partir da imposição de um interesse capitalista globalizado e para além de sua real necessidade.
 


IHU On-Line - O senhor tem pesquisas sobre homens e mulheres das classes populares de Fortaleza. Pode falar um pouco sobre esses estudos? Existe relação com o resto do Brasil? 

Georges Boris - Minha pesquisa inicial se centrou na construção e na crise da subjetividade masculina entre homens da classe média; atualmente, desenvolvo uma pesquisa sobre o mesmo tema com homens das classes populares; e, em breve, devo iniciar nova pesquisa sobre o poder feminino, investigando o reconhecimento do poder da mulher entre casais de Fortaleza. É cedo para poder generalizar tantos dados - até mesmo pelos motivos que expus, anteriormente, acerca do caráter das relações de gênero - mas posso adiantar algumas observações preliminares, pelo menos sobre a construção da subjetividade masculina em Fortaleza, uma cidade de cerca de 2,5 milhões de habitantes, que concentra tanto a miséria quanto os avanços tecnológicos característicos da sociedade e da cultura brasileira. Fortaleza expressa muito da realidade das relações de gênero no Brasil. Resumidamente, posso apontar o seguinte:
- poucos homens parecem de fato conformados ou adaptados ao antigo modelo de homem patriarcal, enquanto alguns ainda tentam disfarçar sua dificuldade de aceitação das novas relações sociais de gênero que vêm se desenvolvendo mais recentemente, mas terminando por reagir a elas, quando se deparam com situações inusitadas e surpreendentes em seu próprio cotidiano;
- muitos homens parecem ter a percepção de que seus comportamentos são dotados de uma pretensa e inquestionável objetividade masculina. Tal objetividade é, em grande parte, uma falácia que os homens preferem crer na tentativa vã de não serem questionados em suas posições e decisões, adotando atitudes pragmáticas e racionalizadas que evitam, na verdade, seu envolvimento emocional com as questões e os problemas que, de fato, vivenciam. Percebi também entre meus entrevistados, algumas das características da construção sociocultural da subjetividade masculina na contemporaneidade:
- um clima de trabalho profissional frequentemente desqualificador da expressão da individualidade, da singularidade e da subjetividade dos homens;
- uma angustiante ausência paterna em seu cotidiano familiar. Podemos perceber, então, que a ausência paterna - comum na experiência de muitos filhos - costuma provocar a busca de explicações, de justificativas e de racionalizações (geralmente tardias) que têm seu principal fundamento freqüentemente nas pressões socioculturais que prioritariamente incidem sobre os homens;
- uma inclusão social através de atitudes autoritárias, competitivas, violentas ou defensivas, o que resulta comumente em resistência, evitação ou dificuldade de manifestação calorosa em situações afetivas: um homem deve estar sempre alerta, não confiar em ninguém - a não ser em si mesmo e em suas capacidades - e vencer sempre por seus próprios méritos. Esta "fabricação de machos heróis", apesar de gerar homens aparentemente fortes, inabaláveis e vencedores, escamoteia as reais necessidades psicossociais e humanas que todos têm direito a experienciar e a expressar;
- entretanto, não creio que a crise da masculinidade signifique, simplesmente, que os homens venham se sentindo "menos homens", parecendo muito mais que vivenciam as transformações inquietantes de um momento histórico cujas transições socioculturais têm levado - homens e mulheres - a buscar alternativas mais autênticas e justas de viver e de conviver com sua diversidade subjetiva;
- acredito também que a lentidão dos homens na conquista de uma tranquila e humanizada reconciliação consigo mesmos, com as mulheres, com outros homens, com a função paterna e com seu trabalho profissional, se deve ao fato de que as mulheres, há muito mais tempo, tentam integrar com prazer estes diversos papéis socioculturais. Creio que, neste momento histórico de transição da subjetividade masculina para formas e manifestações mais flexíveis, as mulheres precisarão de boa dose de paciência e de tolerância com as vacilações e inseguranças de muitos homens confusos e ainda em dúvida quanto ao encantamento do ilusório poder viril patriarcal.
- se ouso fazer alguma conjetura acerca do possível destino da subjetividade masculina nos tempos vindouros, creio ser seguro afirmar que os homens já não são os mesmos e que ser homem vem se transformando ao longo do tempo. Assim, acredito também que o caráter violento do "macho" humano sofre as mudanças que a sociedade e a cultura vêm absorvendo, pois nenhuma violência - mesmo simbólica - se mantém de forma duradoura e eficaz se as regras que ela sanciona instituem relações arbitrárias que favoreçam sistematicamente uma parte em prejuízo da outra. Se pudermos entender que o homem violento dos tempos atuais é, em parte, uma tentativa desesperada de reassumir um suposto poder sociocultural masculino, esta tentativa parecerá vã na medida em que busca se impor por meio de atitudes destrutivas dos elos que unem os indivíduos, podendo inibir a manifestação da diversidade dos seres humanos. Não me parece muito seguro que os homens se tornem integrados e que desenvolvam em breve sua própria condição subjetiva de gênero de forma consistente e reconhecida por si mesmos, pelo menos não tão rapidamente quanto seria desejável, pois tudo depende de uma transformação das relações sociais, da sociedade e da cultura mediante vivências mais democráticas, justas e harmoniosas, que ainda estamos longe de concretizar. Acredito que, apenas de forma democratizante, homens e mulheres se uniriam com a meta de evitar a alienação dos papéis socioculturais masculinos e femininos conforme a configuração atual, criando uma nova sociabilidade, sabedores de que pouco adianta inverter ou mesmo igualar os papéis sexuais, sociais, familiares e profissionais de acordo com os interesses do Estado e do lucro, sem levar em conta os reais interesses das pessoas. 

Para finalizar, relembro que, para que este ideal possa vir a acontecer, faz-se necessário o enfrentamento de alguns temas incômodos nos modelos de homem e de poder patriarcais ainda vigentes:
- muitos homens ainda necessitam constantemente demonstrar capacidade e força;
- a expressão de sentimentos pelos homens continua limitada;
- muitos permanecem dirigindo suas vidas para áreas competitivas;
- inúmeros deles ainda mantêm a função de provedores da família;
- suas ocupações ainda se voltam com frequência apenas para "questões sérias", como o trabalho, a política e a economia;
- em consequência, o contato sensível com a natureza, com os amigos, com as mulheres e com os filhos tende a se perder;
- finalmente, permanece sobre os homens a proibição de não saber, de não poder, de não se equivocar e de não fracassar. Acredito que, enquanto persistirem perspectivas sexistas unilaterais que subdividam as atividades humanas e as relações sociais de gênero em atividades masculinas ou femininas, a construção da subjetividade masculina permanecerá confusa, e a eventual reação violenta dos homens diante das mudanças pessoais e socioculturais continuará sendo um inquietante elemento de desestruturação social.