25/07/2013

Era um dia 24 de julho, como hoje, há 28 anos!

Texto de José Aparecido de Oliveira, 
coordenador do Projeto Pe. Ezequiel da Diocese de Ji-Paraná:

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Era um dia 24 de julho, como hoje, há 28 anos!


José Aparecido de Oliveira, leigo

 

Dentro de um silêncio muito profundo, está passando o dia 24 de julho. Certamente, muitas pessoas estão se lembrando que em um dia como hoje, em 1985, tombou por terra o corpo e silenciou a voz do jovem, padre, italiano, missionário comboniano, Ezequiel Ramin. Tombado e silenciado por defender a vida e uma terra sem cercas para os pequenos. Sua entrega foi plena pela causa dos pobres – indígenas e sem terra – pela causa do Evangelho, pela causa do Reino anunciado e inaugurado por Jesus de Nazaré.


O tempo do padre Ezequiel, nesta terra, foi como no tempo de Jesus e no tempo dos profetas. Ele veio para o Brasil, em missão de paz, e uma paz libertadora precedida de justiça transformadora em favor dos pobres. Foi a voz que ressoou em um deserto verde, de uma Amazônia-mãe, bendita e martirizada pela ganância e exploração dos ídolos do capital. Um “deserto” de poucas vozes proféticas. Sua voz era de anúncio e de denúncia, por estar em uma Diocese que nasceu com esta vocação profética. Uma Igreja pastora, zelosa e protetora do rebanho, contra os “lobos” ferozes. 

 
Sem dúvidas, o Padre Ezequiel era um amante e apaixonado pela terra. Tanto é verdadeiro esse pensamento, que seu corpo permaneceu desde o meio dia do dia 24 até quase o meio dia do dia 25 de julho, estendido sobre a terra. Terra dos sonhos daquele jovem missionário que quis vir para o Brasil; terra da Amazônia brasileira; terra que já havia provado sangue e suor de muita gente. E foi esta terra, com sua floresta que testemunhou, acolheu e guardou o seu corpo até ser resgatado e trazido para a casa do então Bispo Diocesano, Dom Antonio Possamai. A terra é sempre a primeira a testemunhar e beber o sangue dos mártires. Também um dia, em Jerusalém, a terra foi a primeira a comungar o sangue do Profeta-Filho, Jesus Nazareno.


O padre Ezequiel, foi o primeiro mártir da nossa Diocese, depois dele, foi assassinado em 1987, o Ir. Vicente Cañas, missionário espanhol, que trabalhava com os povos indígenas em Aripuanã – MT, que, na época, também pertencia à Diocese de Ji-Paraná. Tanto um quanto o outro devem permanecer em nossa caminhada pastoral e em nossa militância social e política. É lamentável perceber que nossas gerações mais novas não tenham conhecimento dessa história. Será que nossos mártires não tem espaços em nossos espaços? Por que?
Nossa Igreja tem origem “martirial”. Esquecer o martírio é ignorar nossa origem de fé. “Esquecê-los” também, vai agradar os “lobos”, pois eles não se sentirão incomodados e vão exigindo uma Igreja ao seu modo, que fale apenas o que eles querem ouvir.


A lembrança e a memória dos mártires em nossa caminhada de Igreja Latino-Americana, na Amazônia, não só reforça o anúncio do Reino de Deus, mas apressa sua chegada. Fazer memória aos mártires é mais do que somente lembrá-los ou recitá-los, mas é ter a coragem de dizer o porquê da sua morte e de dizer que é este o caminho deixado por Jesus Cristo.


Padre Ezequiel, Ir Vicente, Chico Mendes, Ir Creuza, Ir Doroth, vítimas de Corumbiara, Vítimas de Eldorado dos Carajás...e mártires da Amzônia, Roguem por nós!

22/07/2013

A crise contemporânea e as metamorfoses no mundo do trabalho

Texto: José Antônio Somensi
Fotos: M. Fernanda M. Seibel

Nos dias 20 e 21 de julho de 2012 no Centro Diocesano de Pastoral realizou-se a quinta etapa da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2013.ano 10, da Diocese de Caxias do Sul – décima edição – que tem a coordenação da Cáritas de Caxias do Sul e que conta com apoio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

O tema desta etapa foi “A Crise contemporânea e as metamorfoses no mundo do trabalho” e teve a assessoria do professor Dr. André Langer do Centro de Pesquisa e Apoio ao Trabalhadores (CEPAT), de Curitiba / PR.
Quais as mudanças, transformações, metamorfoses que aconteceram no mundo do trabalho e porque ocorreram estas mudanças? Com estes questionamentos iniciamos o nosso encontro e vimos que esta Terceira Grande Revolução Tecnológica simbolizada na eletroeletrônica trouxe novas técnicas de produção, a robótica e aumento de produtividade encurtando e eliminando a noção de tempo-espaço. A globalização da informação e os mecanismos de poder que permitem vasculhar a vida das pessoas; a financeirização da sociedade onde os movimentos de pequenos grupos movimentam a economia e qualquer oscilação nas bolsas de valores determinam o fechamento de empresas e abalam as estruturas de um pais.

O professor André nos lembra que vivemos uma grande crise civilizacional onde o mundo do trabalho não cria mais elos entre colegas, solidariedade e sim competição, alimentados pelas premiações individuais. Com a terceirização enfraquece-se a unidade de lutas e a força dos sindicatos, uma vez que, nas grandes empresas pode ter mais de uma dezena de categorias de trabalhadores ( zeladores, seguranças, limpeza, alimentação...) e desta forma perde-se o referencial. Exigem-se conhecimentos do trabalhador através de cursos e grupos de estudo e disponibilidade mesmo fora do horário de trabalho. O trabalho tomou conta de nossas vidas e exerce poder sobre nós numa das características do biopoder.

André nos traz também o alerta de que o imaterial (marca de um produto) assume cada vez mais espaço no mundo, o que vale não é mais o trabalho humano, mas a marca do produto na maioria das vezes produzido por valores mínimos, porém comercializados por valores altíssimos.


O filme ‘TEMPOS MODERNOS’ de Charles Chaplin, com sua clássica passagem do trabalhador na esteira, nos faz refletir sobre o que mudou no modo de trabalhar e também de que forma e ritmo está trabalhando.

E, ainda assistimos o documentário sobre os trabalhadores/as bolivianos/as em São Paulo: NAÇÃO OCULTA - Os bolivianos em São Paulo, dirigido por Diego Arraya. E, também assistimos o filme CARNE, OSSO - Um retrato do trabalho nos frigoríficos brasileiros, que alia imagens impactantes a depoimentos que caracterizam o duro cotidiano do trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos.

O professor André, que é um dos responsáveis pela análise de conjuntura realizada pelo Instituto Humanitas – IHU, também apresentou uma análise sobre os recentes acontecimentos no Brasil. Ao analisar as manifestações no mês de junho, com a 'multidão' que foi as ruas (que é descentralizada, autônoma, e questiona o 'status quo' geral), manifestando uma nova modalidade de poder e as manifestações de julho, com os sindicatos, movimentos sociais organizados e partidos políticos que devem fazer autocrítica representa, no dizer de André, o retorno da política a praça pública.

Durante a etapa, o Professor Dr. André Langer sugeriu alguns livros para leitura complementar: A corrosão do caráter, de Richard Sennett (Editora Record), A condição pós-moderna, de David Harvey (Edições Loyola), Amor líquido, de Zygmunt Bauman (Editora Jorge Zahar), e Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman (Editora: Jorge Zahar).


A próxima etapa será nos dias 17 e 18 de agosto e terá como tema “A economia solidária como alternativa à globalização econômica. Experiências práticas na Serra Gaúcha” e terá a assessoria da professora Dra. Vera Regina SchmitzFaculdades Integradas de Taquara (FACCAT).

21/07/2013

LEITURA COMPLEMENTAR

Lista de alguns livros sugeridos pelo Prof. Dr. André Langer para leitura complementar:
 

A CONDIÇÃO PÓS MODERNA, de David Harvey. (Loyola)
 

AMOR LÍQUIDO, de Zygmunt Bauman. (Jorge Zahar)
 

MODERNIDADE LÍQUIDA, de Zygmunt Bauman. (Jorge Zahar)

A CORROSÃO DO CARÁTER - Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, de Richard Sennett (Record, 2004, 204p) - Sinopse: A partir de entrevistas com executivos demitidos da IBM em Nova York, funcionários de uma padaria ultramoderna em Boston e muitos outros, Sennett estuda os efeitos desorientadores do novo capitalismo. Ele revela o intenso contraste entre dois mundos de trabalho - aquele da rigidez das organizações hierárquicas no qual o que importava era um senso de caráter pessoal, e que está desaparecendo, e o admirável mundo novo da reengenharia das corporações, com risco, flexibilidade, trabalho em rede e equipes que trabalham juntas durante um curto espaço de tempo, no qual o que importa é cada um ser capaz de se reinventar a toda hora.

20/07/2013

TRABALHO INTERNO

Ano: 2010
Duração: 109 MINUTOS 
 
Comentários sobre o documentário de Solange de Moraes Guerra, em 17/08/2012.

O documentário se divide em 6 partes:
- Introdução
- 1ª Parte: Como os EUA Chegaram a Crise
- 2ª Parte: A Bolha
- 3ª Parte: A Crise
- 4ª Parte: Prestação de Contas
- 5ª Parte: Onde Estamos Agora?

INTRODUÇÃO : como foi semeada e cultivada a bancarrota da Islândia, que começou no ano 2000 e culminou em 2008.
1ª PARTE: COMO OS EUA CHEGARAM A ISTO? Após a depressão de 1929, a economia norte-americana entrou num período de crescimento, que se estendeu até os anos 90. Toda a economia do país era regulada por leis , fiscalizadas pelo governo. A partir dos anos 90, o governo começou a ser pressionado para diminuir a regulamentação, e deixar a economia nas mãos das grandes corporações. Dá-se então a desregulamentação.

2ª PARTE: A BOLHA – Com a desregulamentação a economia entra num período de euforia, com o sistema financeiro emitindo muitos títulos, em troca de empréstimos públicos, que jamais foram devolvidos. Todos os vícios pessoais da cúpula executiva, eram pagos com verba pública; alimentando e aumentando, inclusive a prostituição. Na hora da prestação de contas, todos estes gastos entravam com despesas de manutenção destas instituições. A economia entra em colapso, se transformando numa bola de neve.

3ª PARTE: A CRISE – Empréstimos desenfreados, seguros duvidosos, imóveis supervalorizados, documentação contábil falsificada, só poderia mesmo desembocar em crise, que atinge os EUA, e refletem no restante do mundo. Empresas quebradas, milhões de desempregados, milhares perderam suas casas, ficando sem ter onde morar, pois foram lesados por seus corretores, e não tem mais como pagar o imóvel financiado.

4ª PARTE: PRESTAÇÃO DE CONTAS - O s responsáveis por estas estratégias, que causaram um rombo na economia mundial, apenas foram afastados de seus cargos, ou demitidos, recebendo indenizações milionárias. Transformaram os bancos nas instituições mais poderosas do mundo, pois são eles que dão as cartas, põem e depõem governo, de acordo com seus interesses corporativos. Influenciam as políticas públicas , impedem a votação de leis que beneficiem a população, pois financiam as campanhas políticas dos eleitos. Nesta apropriação indevida das verbas públicas, participaram: intelectuais, economistas, políticos com a conivência do governo. Todos, de uma forma ou de outra, aumentaram de forma exorbitante e indecente suas fortunas
pessoais.

5ª PARTE: ONDE ESTAMOS AGORA? Com a globalização da economia, somos hoje governados por Wall Street. Todos os postos chaves do governo Obama, são ocupados pelas mesmas pessoas, que foram os responsáveis pela crise financeira de 2008, causando graves danos a população mundial. Nunca o governo norte-americano teve uma desigualdade tão grande , como tem hoje entre pobres , remediados e ricos. Investem cada vez menos na educação pública , com isto sendo o país desenvolvido com maior desigualdade social. Tudo é financiado, e frequentemente são enganados pelos seus corretores, tendo que devolver os bens, como: carro,casa, etc, pois não conseguem mais quitar as prestações do empréstimo.

Trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=YamDhfIi6Hs

CARNE, OSSO

 Um retrato do trabalho nos frigoríficos brasileiros








Documentário alia imagens impactantes a depoimentos 
que caracterizam o duro cotidiano do trabalho 
nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos

Quem trabalha em um frigorífico se depara diariamente com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. Exposição constante a facas, serras e outros instrumentos cortantes; realização de movimentos repetitivos que podem gerar graves lesões e doenças; pressão psicológica para dar conta do alucinado ritmo de produção; jornadas exaustivas até mesmo aos sábados; ambiente asfixiante e, obviamente, frio – muito frio.
Esse é o duro cotidiano de trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos que o documentário Carne, Osso traz à tona. Ao longo de dois anos, a equipe da ONG Repórter Brasil percorreu diversos pontos nas regiões Sul e Centro-Oeste à procura de histórias de vida que pudessem ilustrar esses problemas.
O filme alia imagens impactantes a depoimentos que caracterizam uma triste realidade que deve ser encarada com a devida seriedade pela iniciativa privada, pela sociedade civil e pelo poder público.

Danos físicos e psicológicos

“Cerca de 80% do público atendido aqui na região é de frigoríficos. Ainda é um pouco difícil porque o círculo vicioso já foi criado. O trabalhador adoece e vem pro INSS [Instituto Nacional de Seguro Social]. Ele não consegue retornar, ele fica aqui. E as empresas vão contratando outras pessoas. Então já se criou um círculo que agora para desfazer não é tão rápido e fácil”
Juliana Varandas, terapeuta ocupacional do INSS de Chapecó (SC).
As estatísticas impressionam. De acordo com o Ministério da Previdência Social, um funcionário de um frigorífico de bovinos tem três vezes mais chances de sofrer um traumatismo de cabeça ou de abdômen do que o empregado de qualquer outro segmento econômico. Já o risco de uma pessoa de uma linha de desossa de frango desenvolver uma tendinite, por exemplo, é 743% superior ao de que qualquer outro trabalhador. E os problemas não são apenas físicos. O índice de depressão entre os funcionários de frigoríficos de aves é três vezes maior que o da média da população economicamente ativa do Brasil.

Ritmo frenético

“A gente começou desossando três coxas e meia. Depois, nos 11 anos que eu fique lá, cada vez eles exigiam mais. Quando saí, eu já desossava sete coxas por minuto”
Valdirene Gonçalves da Silva, ex-funcionária de frigorífico
Em alguns frigoríficos de aves, chegam a passar mais de 3 mil frangos por hora pela “nória” – a esteira em que circulam os animais. Há trabalhadores que fazem até 18 movimentos com uma faca para desossar uma peça de coxa e sobrecoxa, em apenas 15 segundos. Isso representa uma carga de esforço três vezes superior ao limite estipulado pelos especialistas em saúde do trabalho.

Reclamações curiosas

“Tu não tem liberdade pra tu ir no banheiro. Tu não pode ir sem pedir ordem pro supervisor teu, pro encarregado teu. Isso aí é cruel lá dentro. Tanto que tem gente que até louco fica”
Adelar Putton, ex-funcionário de frigorífico
Muitos trabalhadores se queixam também de restrições de menor importância – pelo menos, aparentemente. Por exemplo: o funcionário só pode ir ao banheiro com permissão do supervisor e em um tempo bastante curto, coisa de poucos minutos. Também são tolhidas aquelas conversinhas paralelas que possam diminuir o ritmo de trabalho.

Problemas com a Justiça

“O trabalho é o local em que o empregado vai encontrar a vida, não é o local para encontrar a morte, doenças e mutilações. E isso no Brasil, infelizmente, continua sendo uma questão séria”
Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (TRT-3)
Nas regiões em que estão instaladas as indústrias frigoríficas, boa parte dos processos que correm na Justiça do Trabalho diz respeito a essas empresas. Em cidades como Chapecó, no oeste de Santa Catarina, as ações movidas por trabalhadores contras essas companhias respondem por mais da metade dos processos.

Pujança econômica

“Esse é um problema de interesse do conjunto da sociedade, não é só de um setor. O Estado tem que se posicionar. Não se pode fazer de forma tão impune ações que levam ao adoecimento e à incapacidade tantos trabalhadores”
Maria das Graças Hoefel, médica e pesquisadora
O Brasil é simplesmente o maior exportador de proteína animal do mundo. O chamado “Complexo Carnes” ocupa o terceiro lugar no pódio do agronegócio nacional, atrás apenas da soja e do açúcar/etanol. Em 2010, as vendas externas superaram US$ 13 bilhões. No total, o setor emprega diretamente 750 mil pessoas. Vale lembrar que muitos desses frigoríficos se transformaram em gigantes no mercado mundial com dinheiro do governo via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – o principal banco de fomento da economia brasileira.

Melhorar é possível

“Basicamente, é conscientizar essas empresas para reprojetar essas tarefas. Introduzir pausas, para que exista uma recomposição dos tecidos dos membros superiores, da coluna. Em algumas vai ter que ter diminuição de ritmo de produção. Nós estamos hoje chegando só no diagnóstico do setor. Mas as empresas ainda refratárias a esse diagnóstico”
Paulo Cervo, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
Não é difícil diminuir a incidência de problemas no ambiente de trabalho de um frigorífico. Reduzir a jornada de trabalho, adotar um rodízio de tarefas, diminuir o ritmo da linha de produção e realizar pausas mais frequentes e mais longas são algumas medidas possíveis. Falta apenas que as empresas se conscientizem disso.

http://reporterbrasil.org.br/carneosso/

NAÇÃO OCULTA - Bolivianos em São Paulo

Nação Oculta - Bolivianos em São Paulo

Imagens retiradas do documentário "NAÇÃO OCULTA - OS BOLIVIANOS EM SÃO PAULO", de Diego Arraya, que retrata a realidade de milhares de imigrantes bolivianos que chegam à capital paulista todos os dias.

TEMPOS MODERNOS


Tempos modernos 

(1936)

Charlie Chaplin

Modern Times, 1936 - Nesse filme não há meio termo, Chaplin realmente quis passar uma mensagem social. Cada cena é trabalhada para que a mensagem chegue verdadeiramente tal qual seja. E nada parece escapar: máquina tomando o lugar dos homens, as facilidades que levam a criminalidade, a escravização. O amor também surge, mas surge quase paternal: o de um vagabundo por uma menina de rua.

A política do precariado e a mercantilização do trabalho

Entrevista com Ruy Braga

No capitalismo, como o trabalhador é despojado de meios de produção, necessitando vender sua força de trabalho para poder viver, a insegurança o acompanha desde o início de sua trajetória como assalariado. Afinal, ele precisa encontrar alguém que compre sua única mercadoria em condições sociais médias”. A declaração é do sociólogo Ruy Braga na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line.
Exemplificando suas ideias, ele afirma que “os teleoperadores resumem todas as tendências importantes do mercado de trabalho no país na última década: formalização, baixos salários, terceirização, significativo aumento do assalariamento feminino, incorporação de jovens não brancos, ampliação do emprego no setor de serviços, elevação da taxa de rotatividade do trabalho, etc. Por tudo isso, estudar a trajetória e o destino histórico dos teleoperadores no Brasil é tão importante. Eles são uma espécie de ‘retrato’ do precariado pós-fordista em condições sociais periféricas”. As demandas das pautas operárias remetem, via de regra, ao “velho regime fabril despótico, agora revigorado pelas terceirizações e pelas subcontratações”.
A entrevista a seguir foi inspirada no lançamento de sua obra A política do precariado (São Paulo: Boitempo, 2012).
Ruy Gomes Braga Neto é especialista em Sociologia do Trabalho e leciona no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, onde coordenou o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – Cenedic.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é a política do precariado?
Ruy Braga – É a prática política do proletariado precarizado em condições capitalistas periféricas. Em primeiro lugar, é preciso compreender o que entendo por “precariado”, conceito que tomei emprestado, ressignificando-o, da sociologia francesa. Trata-se daquele amplo contingente de trabalhadores que, pelo fato de possuírem qualificações escassas, são admitidos e demitidos muito rapidamente pelas empresas, ou encontram-se no campo, na informalidade ou são ainda jovens em busca do primeiro emprego, ou estão inseridos em ocupações tão degradantes, subremuneradas e precárias que resultam em uma reprodução anômala da força de trabalho.
Em países capitalistas periféricos como o Brasil, o precariado forma um contingente enorme da classe trabalhadora, permanentemente espremido entre o aumento da exploração econômica e a ameaça da exclusão social. Em termos teóricos, retirei do precariado, tanto os trabalhadores profissionais, aqueles com qualificações escassas, por isso, percebendo um salário melhor e mais estáveis, quanto a população pauperizada – envelhecida, acidentada, inapta para o trabalho – além daquilo que Marx chamava de “lumpemproletariado”, ou seja, o “lixo de todas as classes”, indivíduos que vivem de práticas “incofessáveis”, mendigos, etc. Em minha opinião, é a existência de um amplo precariado, e não de um enorme contingente empobrecido, que caracteriza a reprodução do capitalismo periférico.
Assim, busquei caracterizar sociologicamente a prática política desse precariado após a industrialização fordista no país por meio da análise do que eu chamei de “classismo em estado prático”, ou seja, uma relação política baseada em interesses materiais enraizados na estrutura de classes, ainda que carente de recursos organizativos, ideológicos e políticos. Tendo em vista os estreitos limites impostos pelo modelo de desenvolvimento periférico às concessões trabalhistas, assim como a existência de condições sempre precárias de reprodução da força de trabalho, esta prática vê-se obrigada a politizar rapidamente suas reivindicações, radicalizando suas iniciativas. A meu ver, o classismo prático traduz empiricamente um reformismo plebeu instintivamente anticapitalista, sindicalmente refratário à colaboração com as empresas e politicamente orientado pela crença no poder de decisão das bases.

IHU On-Line – Qual é o seu contexto de surgimento e como pode ser compreendida em nossos dias?
Ruy Braga – Analisei a formação e as transformações dessa prática política em dois momentos: durante a industrialização fordista no país, isto é, entre os anos 1950 e 1980, e, logo depois, ao longo da transição pós-fordista que deu origem ao regime de acumulação financeirizado brasileiro. Destaquei a relação da prática política do proletariado precarizado com os distintos modos de regulação dos conflitos classistas que emergiram no pós-guerra: as regulações populista, autoritária, neopopulista, neoliberal e lulista.
Atualmente, a política do precariado pode ser sintetizada da seguinte maneira: proximidade do proletariado precarizado com a regulação lulista e com as políticas públicas que estimularam a desconcentração de renda entre os que vivem dos rendimentos do trabalho associada à inquietação social com os baixos salários, com as péssimas condições de trabalho e o com o aumento do endividamento das famílias promovido pelo atual regime de acumulação financeirizado.

IHU On-Line – Por que a precariedade é inevitável no processo de mercantilização do trabalho?
Ruy Braga – Basicamente, trata-se de uma característica da própria relação salarial capitalista. No capitalismo, como o trabalhador é despojado de meios de produção, necessitando vender sua força de trabalho para poder viver, a insegurança o acompanha desde o início de sua trajetória como assalariado. Afinal, ele precisa encontrar alguém que compre sua única mercadoria em condições sociais médias. E isso não é nada simples... Historicamente, o desenvolvimento das lutas de classes criou instituições capazes de diminuir essa insegurança, como a previdência social ou o seguro desemprego.
No entanto, em momentos de crise econômica, como o que estamos vivendo hoje na Europa, essas conquistas tendem a ser enfraquecidas pela reação das classes dominantes que procuram restabelecer condições “ótimas” para o consumo da mercadoria força de trabalho, com a diminuição forçada dos “custos” de reprodução e do preço da força de trabalho. Isso significa, em termos práticos, atacar os direitos sociais que marcaram a expansão capitalista no segundo pós-guerra. Evidentemente, esses ataques aos direitos significam um aumento da insegurança social e um aprofundamento da precariedade laboral.

IHU On-Line – Quais são as peculiaridades do precariado entre os operadores de call center?
Ruy Braga – Os teleoperadores resumem todas as tendências importantes do mercado de trabalho no país na última década: formalização, baixos salários, terceirização, significativo aumento do assalariamento feminino, incorporação de jovens não brancos, ampliação do emprego no setor de serviços, elevação da taxa de rotatividade do trabalho, etc. Por tudo isso, estudar a trajetória e o destino histórico dos teleoperadores no Brasil é tão importante. Eles são uma espécie de retrato do precariado pós-fordista em condições sociais periféricas.

IHU On-Line – Pensando no contexto brasileiro, como o precariado se apresenta nas greves e nos caminhos tomados pelos movimentos sociais?
Ruy Braga – Apesar do notório controle do governo federal sobre os movimentos sociais, o atual regime de acumulação pós-fordista consolidou uma face despótica que alimenta uma insatisfação difusa na base, desafiando a regulação lulista dos conflitos trabalhistas. Bastaria lembrarmos a onda de paralisações, greves e rebeliões operárias que se espalhou em março de 2011 pela indústria da construção civil, atingindo algumas das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do governo federal: 22 mil trabalhadores parados na hidrelétrica de Jirau em Rondônia; 16 mil na hidrelétrica de Santo Antônio; alguns milhares na hidrelétrica de São Domingos no Mato Grosso do Sul; 80 mil trabalhadores grevistas em diferentes frentes de trabalho na Bahia e Ceará; dezenas de milhares no Complexo Petroquímico de Suape em Pernambuco, e por aí vai… Tudo somado, o Dieese calculou em 170 mil o número de trabalhadores que, somente em março de 2011, cruzaram os braços.
Nas pautas operárias, encontramos invariavelmente demandas por reajuste dos salários, adicional de periculosidade, equiparação salarial para as mesmas funções, direito de voltar para as regiões de origem a cada 90 dias, fim dos maus-tratos, melhoria de segurança, da estrutura sanitária e da alimentação nos alojamentos… Ou seja, demandas que nos remetem ao velho regime fabril despótico, agora revigorado pelas terceirizações e pelas subcontratações. Apesar disso, as políticas públicas do governo federal têm garantido certo fôlego ao atual modelo, assegurando boas doses de popularidade aos gestores lulistas.
Esse ponto é central: argumentamos no livro que a hegemonia lulista originou-se de uma “revolução passiva à brasileira” apoiada na unidade entre duas formas de consentimento popular: por um lado, o consentimento passivo das classes subalternas que, atraídas pelas políticas públicas redistributivas e pelos modestos ganhos salariais advindos do crescimento econômico, aderiram momentaneamente ao programa governista; por outro, o consentimento ativo das direções sindicais, seduzidas por posições no aparato estatal, além das incontáveis vantagens materiais proporcionadas pelo controle dos fundos de pensão.
Trata-se de uma relação hegemônica que deve continuar se reproduzindo por um bom período, apesar das flagrantes explosões de descontentamento com salários e condições de trabalho, como as que eu mencionei, e que tendem a se intensificar ainda mais no futuro, tendo em vista o cenário de desaceleração econômica.

IHU On-Line – Em que medida o lulismo se caracteriza pela superação do populismo no sentido da Aufhebung hegeliana (nega, conserva e eleva a um patamar superior)?
Ruy Braga – Ao contrário daqueles que interpretaram a relação do sindicalismo populista pré-1964 com o “novo sindicalismo” do final dos anos 1970 em termos de uma “ruptura radical com o passado”, sustentamos uma posição distinta. Do ponto de vista do relacionamento do precariado com as lideranças sindicais e do relacionamento destas com o aparelho de Estado, argumentamos no livro que a hegemonia lulista, ao mesmo tempo, nega, conserva e eleva a regulação populista. Ou seja, em vez de uma exterioridade formal, percebemos entre os distintos regimes uma relação histórica de superação dialética.
Conforme nosso argumento, o momento “negativo” deve ser buscado no amadurecimento da experiência operária ao longo do ciclo grevista de 1978-1980, o “conservador” na reconciliação da burocracia de São Bernardo com a estrutura sindical oficial e a “elevação” na conquista do governo federal em 2002 que possibilitou àquela burocracia sindical converter-se em gestora da poupança dos trabalhadores. Dessa maneira, identificamos a origem – mas apenas a origem – da relação hegemônica lulista no “novo sindicalismo” e sua peculiar combinação de consentimento passivo das bases à liderança da burocracia sindical de São Bernardo com a incorporação ativa daqueles que mais se destacaram durante o longo período grevista iniciado em 1978 ao aparato sindical.

Revista IHU On-Line, n. 411, 10-12-2012.

O trabalho mediado pelas inovações tecnológicas. Impactos e desafios

Entrevista com Mário Sergio Salerno

"Com o trabalho mediado pelas inovações tecnológicas existe um grau de abstração um pouco diferente, pois tem uma mediação diferente, já que às vezes você não está vendo o que está acontecendo, mas você recebe informações pela tela de um computador", constata o coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Embora a indústria tenha passado por inúmeras revoluções técnicas, sobretudo após o taylorismo-fordismo no início do século passado, as novas tecnologias reorganizaram de forma significativa o trabalho na contemporaneidade. Para o professor Mário Sergio Salerno da Universidade de São Paulo – USP, a intermediação do trabalho pelo computador reorganiza-o profundamente nas linhas de produção. “O trabalho mediado pelo computador em uma indústria química, se o processo funciona normalmente, o empregado não vai fazer nenhuma intervenção física. Aparentemente ele não está fazendo nada, mas na verdade ele está o tempo todo verificando o estado do processo”, explica Salerno, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. “O melhor operador automatizado é o que menos esforço faz, pois ele antecipa o problema. Então, o conceito do que é um bom operador, como será a formação e a remuneração dele muda”, complementa.
Mário Sergio Salerno (foto) é professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, onde coordena o Laboratório de Gestão da Inovação. É coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP. Também é organizador de diversos livros sobre o tema e autor da obra Projeto de organizações integradas e flexíveis: Processos, grupos e gestão democrática via espaços de comunicação-negociação (São Paulo: Atlas, 1999).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A revolução tecnológica impactou profundamente a produção. É possível identificar as grandes mudanças em curso resultantes dessa revolução produtiva no mundo do trabalho?
Mário Sergio Salerno – Esse impacto teve várias pontes. Dá para identificar uma tecnologia stricto sensu, que é a hegemonia capitalizada pelas tecnologias de informação e comunicação, ou seja, a computadorização dos meios de produção e a quimificação da indústria. Há processos e produtos mais baseados em química do que em metalurgia. Um exemplo pode ser o para-choque ou o revestimento dos carros. Se entrarmos em um carro dos anos 1960/1970, as partes internas eram todas metálicas e, hoje, elas têm muitos plásticos, com processos muitos diferentes e, normalmente, poupadores de mão de obra. Fora da mudança tecnológica stricto sensu, existe um conjunto importante de mudanças organizacionais dentro da empresa, entre empresas e de logística que acabam impactando a forma como as pessoas trabalham.
Exemplos
Para exemplificar vamos pensar no contêiner. Você pega uma série de sacos de café na fábrica ou na fazenda, coloca no caminhão, vai para o porto, onde se tem terminal de contêineres. Um guindaste pega-o e coloca dentro do navio. Antes do contêiner você precisava carregar saco a saco ao caminhão, chegar ao porto e descarregar em determinado local, colocar no guindaste e, em alguns casos, estivadores levavam saco a saco para o navio. Quando a carga chegava ao destino, tinha que repetir o mesmo processo. Já nos contêineres, que em alguns caso mal podem ocupar o espaço, porque nem sempre ele está repleto até o teto e sobra espaço dentro do navio, não ocupam tão bem os espaços como o carregamento a granel, mas o tempo logístico total é muito menor, o número de pessoas que trabalha nesse processo também é menor, porém com atividades diferentes, menos de estiva e muito mais atividades de manipulação de massas.
Se formos pensar em edição de texto, como são feitos os jornais e as revistas, são exemplos muitos simples. Antigamente os redatores datilografavam a matéria, iam a um editor especial onde tinham os tipógrafos ou linotipistas, em que colocavam em ordem as letras do texto, que gerava a chapa da impressão, aí então se imprimia. Hoje o jornalista senta ao computador, existe um editor de texto que já vai corrigindo uma parte dos erros de digitação; o envio para a impressão é por sistema informatizado. Há alguns lugares que nem tem máquina de impressão; vai tudo via internet.
Hoje se fazem livros e tudo é enviado diretamente pelo autor para a gráfica. O processo muda radicalmente, e isso vale para piloto de avião, para torneiro mecânico. Vamos pegar o Lula, por exemplo, cuja profissão é torneiro mecânico. Torneiro mecânico é uma profissão difícil até hoje. Ele precisa conhecer os processos de fabricação, saber ler os desenhos técnicos, conhecer materiais. Então, ela pega a peça e planeja a execução do seu trabalho. É por isso que os torneiros de um tempo para cá precisam de uma formação escolar. Esse é o topo dos torneiros, o ferramenteiro, o profissional, que é diferente do torneiro operacional que aperta o botão e tira a peça do outro lado. Esse torneiro ferramenteiro vai planejar e executar isso manualmente. Ela precisa ter habilidade manual. Isso é muito difícil, porque você pode até planejar, mas precisa da habilidade manual que não é tão trivial.
Hoje, você planeja a atividade (ou programa essa atividade) em computador, o que não é muito difícil de fazer, e manda a máquina executar. Isso significa que a sua relação com o meio de trabalho muda a passa a ser mais abstrata, porque no modo operacional você vai executando e pode ir mudando o planejamento. Mas, quando você programa, isso vai até o fim. A abstração é maior, a sua relação com o produto que está sendo feito é diferente.

IHU On-Line – O chão de fábrica brasileiro assimilou os princípios de organização do trabalho toyotista ou ainda majoritariamente prevalece o taylorismo-fordismo?
Mário Sergio Salerno – Essa é uma discussão de três meses e eu precisaria entender o que você chama de toyotismo e taylorismo. Existem análises no Brasil que alguns setores industriais sequer entraram no taylorismo-fordismo. Tem de tudo. Primeiro, o taylorismo-fordismo não entra em todos os setores produtivos, o que grosso modo se chama de toyotismo muito menos. O que dá para dizer é que existe uma heterogeneidade muito grande nos locais de trabalho; têm experiências muito avançadas de trabalho em equipe autônoma, sem chefe, em que operários trabalham em turnos contínuos, 24 horas por dia, onde os superiores trabalham em turno administrativo. Assim, a maior parte das horas operacionais só tem operário na fábrica e são experiências muito exitosas, que são antitaylorismo e antitoyotismo. O toyotismo é uma extensão dos princípios clássicos do taylorismo, mas isso são coisas do século XIX.
Tendência
A tendência para a indústria de ponta é ela trabalhar com esquemas mais flexíveis, menos hierárquicos, no qual o trabalhador tem muito mais liberdade para tomar decisões e muito mais responsabilidade nas decisões que toma, o que é o contrário do taylorismo e do fordismo, que são muito regrados. Pensamos muito em produção de alto volume, produção de automóvel, mas essa é uma pequena parte dos processos produtivos, embora seja muito importante porque tem um peso enorme no PIB. Do ponto de vista das pessoas que trabalham, mesmo na indústria automobilística, está havendo uma redução dos níveis hierárquicos, do número de cargos dentro de um mesmo nível hierárquico e isso tem a ver com a necessidade de flexibilidade e eficiência da indústria moderna. Essa talvez seja a mudança mais importante que está em curso em termos organizacionais.

IHU On-Line – O crescente recurso do “trabalho em equipe” no chão de fábrica tem sido adotado com o discurso de uma maior autonomia aos trabalhadores. De fato, isso tem ocorrido, ou se trata de uma estratégia para alavancar a produtividade?
Mário Sergio Salerno – Essas são duas coisas que não são antagônicas. É possível uma maior autonomia e maior produtividade. Todos os casos que eu conheço de maior autonomia estão ligados à eficiência, pois nenhuma empresa vai introduzir um sistema que diminua a produtividade. Não tem nenhuma pesquisa no Brasil que consiga dizer que o trabalho em equipe esteja aumentando ou diminuindo, se é majoritário ou se os grupos têm mais autonomia ou não. O que existem são inúmeros estudos de caso onde se pode dizer: em tal caso os trabalhadores têm mais autonomia, em tal caso têm menos. Minha percepção é que estão aumentando os casos em que os trabalhadores têm autonomia decisória, ou seja, no trabalho que ele faz. Às vezes as pessoas confundem e pensam em decisões em geral, mas os operários continuam operários e os gerentes financeiros continuam gerentes financeiros.
Nos sistemas muito automatizados onde há variação de produção, a autonomia é muito funcional para a empresa, pois os grupos de trabalho antecipam problemas. A autonomia versus produtividade, e que está bem escrito em literatura de pesquisa, indica que há uma tendência para o trabalho mais autônomo, em que a pessoa controla mais o seu tempo, tem uma carga de responsabilidade maior e é cobrada por isso, a “faca de dois gumes”.

IHU On-Line – Como remunerar esse tipo de atividade que envolve a tomada de decisões e autonomia?
Mário Sergio Salerno – Todo o trabalho tem um grau de subjetividade inserida, mesmo da pessoa que trabalha na linha de montagem. Existe um mundo de trabalho não fabril e não operário onde esse tipo de coisa existe há séculos. O mundo operário, numa acepção historicamente ampla, nas atividades mais diretas, quem trabalha no comércio, banco, etc., por muito tempo reduziu os salários dos trabalhadores por motivos de economia. Depois houve as lutas sindicais para reduzir abusos, houve muita regulamentação das atividades, trabalho igual, salário igual. Quando a lógica do trabalho passa a ser menos pelo movimento que ele faz e mais pelo raciocínio, fica muito difícil comparar uma atividade com outra.
Mediação
Por exemplo, no trabalho mediado pelo computador em uma indústria química, se o processo funciona normalmente, o empregado não vai fazer nenhuma intervenção física. Aparentemente ele não está fazendo nada, mas na verdade ele está o tempo todo verificando o estado do processo. O padrão operador é se antecipar e não deixar que haja alteração na temperatura, que uma chapa não grude na outra, fazendo correções antes que o problema aconteça. O melhor operador automatizado é o que menos esforço faz, pois ele antecipa o problema. Então, o conceito do que é um bom operador, como será a formação e a remuneração dele muda.
Quando o empregador contrata, ele contrata o potencial das pessoas e não necessariamente o que eles vão fazer. Quando eu contrato um advogado eu não estou pensando que ele vai escrever 300 mandados de segurança em um mês ou mais 50 petições. Eu não pago por isso, eu pago pelo potencial de trabalho por meio de um contrato. Esse tipo de coisa está chegando ao trabalho direto e a tendência é que essa remuneração seja pelo aumento do potencial dele, conforme vai aumentando a experiência e o potencial dele vai subindo no seu grau de remuneração. O trabalhador que faz mais cursos vai subindo no grau de remuneração, mesmo que aparentemente não use aquilo, mas ele tem o potencial de usar se for necessário. É como o corpo de bombeiros: você é treinado para várias situações, mas o ideal é que você nunca precise utilizar.

IHU On-Line – Fala-se muito que com as inovações tecnológicas falta mão de obra qualificada no mercado de trabalho brasileiro. Qual é o real tamanho do problema?
Mário Sergio Salerno – Não sei e ninguém sabe. O Brasil está crescendo em uma condição de pleno emprego, então falta qualquer tipo de mão de obra qualificada. Nós temos um problema no atacado escolar e temos um ponto importante porque o Brasil forma poucos engenheiros atualmente. Tem aumentando o número de engenheiros, mas ainda é pouco. Tem muita análise impressionista de que está aumentando, mas se você faz uma análise comparativamente com países no mesmo nível de industrialização, vemos que temos menos engenheiros, uma escolaridade mais baixa. Existe relação, embora não seja muito direta, entre formação escolar e trabalho, com as novas tecnologias, principalmente as mediadas por computador.
Com o trabalho mediado pelas inovações tecnológicas existe um grau de abstração um pouco diferente, pois tem uma mediação diferente, já que às vezes você não está vendo o que está acontecendo, mas você recebe informações pela tela de um computador. Então a pessoa tem que interpretar o que está acontecendo a partir de dados sintéticos e tomar uma decisão. É diferente de estar lá olhando, pois no tipo de raciocínio que se usa para construir uma abstração do que está acontecendo estão presentes etapas da formação escolar que ajudam. Por exemplo, quando aparece na tela do computador um gráfico do conteúdo de processo e mostra que aquelas peças em fabricação estão com o diâmetro crescendo, eu vou tomar uma decisão antes que a peça cresça e saia do padrão.
Um operário que fez ensino médio e estudou física deve ter feito experiências de velocidade, quando ele trabalha com gráfico, seja da física ou da química. A pessoa que estuda matemática tem muito mais facilidade de trabalhar com abstrações do que uma pessoa que não estuda matemática. Então, tem um tipo de formação que não é tão instrumental, de decorar fórmula, mas de lógica de pensamento, que é dada pelo ensino formal. Isso tem uma relação importante com o trabalhar com novas tecnologias. Independentemente disso, se o sujeito vai trabalhar como robô ou não, ele como cidadão tem direito a uma boa formação. Nesse contexto, eu entendo que há uma relação funcional, sim. O trabalhador melhor escolarizado, em geral, tende a ter um desempenho melhor no trabalho.

IHU On-Line – A indústria brasileira tem produzido tecnologia ou é meramente importadora da tecnologia de fora?
Mário Sergio Salerno – Tem de tudo. A maior parte das cadeias produtivas brasileiras está dominada por empresas multinacionais nos ramos automobilístico, da química e eletrônica. Isso veio do Juscelino, que optou por fazer uma internacionalização para produzir aqui para o mercado interno. Poucos países fizeram esse tipo de política. Desde lá que a governança das cadeias e das redes produtivas está dominada por empresas multinacionais. Tais empresas, como é esperado, têm seu centro decisório fora do Brasil. Há exceções de praxe como a Embraer, por exemplo. O centro decisório é composto pela diretoria e são levadas em conta as decisões financeiras e a estratégia de produto, o que está ligado ao centro de estratégia de pesquisa e engenharia.
Por outro lado, existem as empresas brasileiras e, nesse universo, há um conjunto de organizações que estão investindo mais em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Assim, existe um problema na estrutura de que se inova pouco. Tem um apoio do Estado muito significativo. Depois de 2004 a Finep aumentou o investimento em várias vezes.

IHU On-Line – Quais são as exigências do mercado de trabalho para o trabalhador do século XXI?
Mário Sergio Salerno – Escolaridade, trabalho em equipe com outras pessoas de formação diferente e autonomia para tomar decisões e assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas.

Revista IHU On-Line, n. 416, 29-04-2013.

Afirmar que a terceirização gera emprego é um mito

Entrevista com Ana Tércia Sanches

Os empresários, toda vez que pensam em terceirização e na revisão da CLT, usam um falso discurso, que é o da modernidade”, frisa Ana Tércia Sanches, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ela, esse discurso normalmente vem acoplado à ideia de que a terceirização gera emprego. “Tudo isso é mentira e não se sustenta nem técnica nem empiricamente, tampouco pelas estatísticas. Essa é uma reforma trabalhista às avessas porque é o contrário do que os empresários dizem, de que é moderna, que gera mais empregos”. Segundo a historiadora, na verdade, ela é uma reforma que, pelas medidas que podem ser tomadas pelas empresas e pela forma de gerir o capital (fazer gestão das organizações através da terceirização), consegue atender aos interesses dos empresários, visando redução de custos, mas fazendo isso a custa dos trabalhadores, porque as margens de lucro se mantêm bastante elevadas. “Então, o que vemos é um favorecimento dos empresários, que conseguem ter mais acúmulos de poder, rentabilidade e lucratividade, em detrimento dos trabalhadores, que empobrecem”, afirma.

Ana Tércia Sanches possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, é mestre em Ciências Sociais pela mesma instituição e especialista em Economia do trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo – USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os desafios que se apresentam ao mundo do trabalho hoje, considerando principalmente a questão da terceirização e da precarização? 
Ana Tércia Sanches – Considerando todas as mudanças que aconteceram no mundo do trabalho nos últimos anos no Brasil, percebemos que a terceirização é a forma mais agressiva com relação à retirada dos direitos. Então, se pensarmos nos sindicatos, que foram constituídos há muitos anos, e nas categorias profissionais organizadas, estas últimas levaram anos para conquistar direitos que se diferenciam mais e melhor com relação à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Quando a terceirização chega, ela consegue derrubar tudo isso, porque esses trabalhadores vão praticamente ter rasgado todo o conjunto de direitos que os sindicatos levaram anos para tentar conquistar. Portanto, a terceirização pode ser vista como um dos principais desafios, na medida em que ela significa uma reforma completa, às avessas do que nós gostaríamos, uma vez que os sindicatos trabalhistas querem melhorar e ampliar os seus direitos. Ademais, esta política da terceirização consegue fazer ruir todo esse processo social e, portanto, eu diria que ela é o principal desafio e o principal problema que os trabalhadores e as categorias organizadas têm vivido nos últimos anos.

IHU On-Line – O que deveria fazer parte de uma reforma trabalhista no Brasil?
Ana Tércia Sanches – A pauta da reforma trabalhista é patronal, não tem tido uma demanda do ponto de vista dos trabalhadores, como já foi em outros momentos. Os sindicatos se preocupam com o emprego. Apesar de o Brasil viver uma fase de crescimento, de geração de postos de trabalho, essa é uma preocupação constante dos sindicatos. Então, eles têm feito uma defesa pela aprovação da convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. O Brasil não é signatário da convenção 158. E ela prevê a não demissão imotivada. Ou seja, para o empregador realizar qualquer processo de demissão, ele deveria justificá-la socialmente, informando s; se a empresa está em regime de falência etc. Algo parecido com o que acontece nos países da Europa, já que muitas nações são signatárias dessa Convenção da OIT. Então, atualmente existem alguns temas, tais como a liberdade e autonomia sindical, que preservam os espaços de negociação, tanto no setor privado como no público. E a agenda do sindicato é pautada por itens que compõem uma reordenação no mundo do trabalho que possa, de fato, trazer e levar os trabalhadores a um patamar civilizatório mais moderno, no sentido de tratá-los com respeito, de trazer conquistas para eles. Ou seja, nós sabemos que o capital consegue acumular e promover novos investimentos. Agora, os trabalhadores não. Estes últimos normalmente recebem reposição da inflação, um aumento real muito tímido. A vida econômica do trabalhador é normalmente pautada por algo muito contido. Ele não consegue dar um salto de qualidade em sua vida, isso quando não observa retrocesso do ponto de vista da retirada dos seus direitos.

IHU On-Line – Em que sentido a CLT, promulgada em 1943, necessitaria de uma revisão? Em que aspectos ela está mais defasada?
Ana Tércia Sanches – A nossa crítica à CLT tem a ver com elementos que fazem o sindicato ter uma relação muito forte com o Estado. Nosso entendimento é que o sindicato tem que se organizar livremente, porque assim os interesses dos trabalhadores podem ser colocados da melhor forma possível. Ademais, existem elementos na CLT que os sindicatos não questionam, porque foram direitos constituídos. Mas, quando pensamos na CLT, não estamos falando em derrubar o décimo terceiro salário, as férias, esses direitos que foram constituídos ao longo dos anos. Estamos questionando muito mais essa relação corporativa que os sindicatos, desde a época de Getúlio Vargas, foram impelidos a se vincular ao Estado, fruto de um recolhimento como é o imposto sindical, o qual atrela a atividade sindical a um consentimento que o Estado tem em relação aos empresários. A nossa crítica é nesse sentido.
Porém, é diferente da crítica do empresariado que pretende fazer uma revisão na CLT, retirando direitos. O discurso empresarial diz que o custo Brasil e o do trabalho, portanto, é um custo elevado, porque ele é fixo e o que os empresários querem é a flexibilidade total. Ou seja, se for possível, concede férias no patamar que a CLT prevê; se possível, paga o décimo terceiro salário no patamar que a CLT vê; se for o caso, recolhe os encargos para a previdência social também no modelo que a CLT antecipa. Então, temos diferenças muito claras de perspectivas de revisão da CLT. A nosso ver, não é uma revisão que busque retirada de direitos. Do ponto de vista do empresariado, é uma revisão, sim, que prevê retirada de direitos.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre o projeto de lei n. 4330, de autoria do deputado Sandro Mabel, do PMDB-GO, que regulamenta a terceirização em quase todos os setores da economia brasileira?
Ana Tércia Sanches – O projeto do Mabel representa, de fato, uma ameaça aos direitos que os trabalhadores construíram ao longo desses anos, que foi consolidado tanto na CLT como também nos acordos coletivos de trabalho que as categorias mais organizadas conquistaram. É certeza que, se nós tivermos uma lei que prevê a terceirização em qualquer tipo de atividade, seja ela fim ou meio, vamos conseguir fazer ruir esse processo. Se nós quisermos ser mais rigorosos, podemos dizer que esse projeto do deputado Mabel destrói a CLT. Vou dar um exemplo: os trabalhadores terceirizados trabalham em empresas, em que a taxa de rotatividade é extremamente elevada. Ela consegue ser o dobro ou o triplo do que se vê em rotatividade de outras empresas que são constituídas nos diversos setores da economia. Isso significa dizer que o trabalhador terceirizado está a todo o momento alterando seu posto de trabalho, pois ele precisa de emprego. E, muitas vezes, o que acontece é que ele trabalhou em uma empresa, mas não conseguiu gozar férias e acaba automaticamente entrando em outra empresa, porque ele precisa se manter empregado. Quando faz isso, ele deixa de exercer o direito que possuía, que era o de férias. Além disso, abandona o direito de recolher os encargos para o fundo de garantia e perde o do décimo terceiro salário. Então, esse é um problema nítido que podemos detectar quando a CLT começa a ser corroída, não porque houve uma reformulação completa, anunciada, pelo governo e pelos veículos de comunicação. Mas, na prática, no dia a dia, a terceirização consegue corroer os direitos fundamentais, pois os que estão na CLT são os mais básicos.
No entanto, se vermos a categoria dos bancários, por exemplo, um trabalhador terceirizado ganha um terço do que ganha a Convenção Coletiva de Trabalho, que é assinada por um setor patronal, um setor financeiro. Isso significa dizer que nós estamos promovendo uma completa desregulamentação dos direitos a partir de um projeto de lei que se anuncia como de terceirização, mas na prática mexe em toda a estrutura das relações de trabalho no Brasil.

IHU On-Line – Em que sentido esse projeto de lei pode ser considerado uma “reforma trabalhista às avessas”, como sugerem os sindicalistas?
Ana Tércia Sanches – Os empresários, toda vez que pensam em terceirização e na revisão da CLT, usam um falso discurso, que é o da modernidade. Esse discurso normalmente vem acoplado à ideia de que a terceirização gera emprego. Tudo isso é mentira e não se sustenta nem técnica nem empiricamente, tampouco pelas estatísticas. Essa é uma reforma trabalhista às avessas porque é o contrário do que os empresários dizem, de que é moderna, que gera mais empregos. Na verdade, é uma reforma que, pelas medidas que podem ser tomadas pelas empresas e pela forma de gerir o capital (fazer gestão das organizações através da terceirização), consegue atender aos interesses dos empresários, visando redução de custos, mas fazendo isso a custa dos trabalhadores, porque as margens de lucro se mantêm bastante elevadas. Então, o que vemos é um favorecimento dos empresários, que conseguem ter mais acúmulos de poder, rentabilidade e lucratividade, em detrimento dos trabalhadores, que empobrecem.

IHU On-Line – Que cenário podemos esperar caso seja aprovada a regulamentação da terceirização para os outros setores da economia?
Ana Tércia Sanches – Trata-se de evidências da perda para todos os trabalhadores, em todos os segmentos. Se analisarmos empresas fortes, como é o caso da Petrobrás, por exemplo, veremos que ela possui um volume elevado de trabalho terceirizado. Só que quando avaliarmos estatísticas de morte da Petrobrás, iremos observar que mais de 83% dos casos de óbito são relacionados ao trabalho terceirizado. Então, vemos um cenário de piora, de deterioração, nas relações de trabalho no Brasil com a terceirização. Ela está relacionada à precarização, à ampliação das doenças ocupacionais e de mortes no trabalho. Se a terceirização visa, em primeira instância, reduzir custos e a força de trabalho é o componente mais relevante da composição do custo de um produto e de um serviço, são os trabalhadores que irão sair perdendo.
Regulamentação da terceirização: perda para toda a sociedade
Além disso, gostaria de deixar claro que, se for aprovada a terceirização, nós também teremos um cenário ruim, que não é apenas para os trabalhadores. É para a sociedade em seu conjunto, porque se são rebaixados os custos da composição de um produto e de um serviço pela força de trabalho, também será atingida a qualidade dos serviços ofertados. Então, os clientes irão perceber que a terceirização tem um custo que vai se reverberar na qualidade do serviço que é ofertado. Esse é um problema que deve ser pensado por toda a sociedade. E, se for aprovada uma lei como essa, o cenário é muito triste, em um país onde o Produto Interno Bruto – PIB cresce e que caminha para ser a quinta maior economia do mundo. Pensar uma nação que tem um PIB elevado, que tem uma riqueza interna imensa, não pode ser um país que pensa nesse avanço concentrando riqueza nas mãos dos empresários, que almejam fazer isso em detrimento dos trabalhadores e da força de trabalho.

IHU On-Line – Em que medida a terceirização contribui para a concentração de renda no país?
Ana Tércia Sanches – Quando analisarmos as empresas que mais terceirizam, chegaremos nessa explicação da concentração de renda. Quem mais terceiriza no Brasil não são os pequenos empresários e nem as pequenas empresas. São as grandes corporações, que têm lucros bilionários, algumas delas estrangeiras, que enviam divisas para fora do país. Essa é uma matemática simples de perceber. Veremos que os trabalhadores terceirizados recebem salários ínfimos, perdem direitos, e quem se beneficia desse trabalho, quando observamos a cadeia produtiva, são as grandes corporações, que têm aumentado seus lucros. Essa é a sociedade que se desenha.

IHU On-Line – Como a terceirização se relaciona com as transformações do capitalismo contemporâneo?
Ana Tércia Sanches – A terceirização é parte das reestruturações capitalistas que aconteceram na Europa a partir dos anos 1970. Nos anos 1990, chega ao Brasil com mais força e a terceirização é um pilar fundamental para a reestruturação produtiva que aconteceu. Ela vem acompanhada de inovações tecnológicas, fusões e aquisições que ocorreram no ambiente corporativo. Essas transformações foram marcadas por novas formas de organização do trabalho.
Terceirização como eixo fundamental
A terceirização é um pilar forte dessas transformações que aconteceram no mundo do trabalho, e é por isso que ao longo dos anos 1990 observamos o seu crescimento e a necessidade patronal de tentar aprovar uma lei que desse legitimidade a essa forma de terceirização. Hoje, se formos considerar as outras instâncias que estão abaixo do Tribunal Superior do Trabalho – TST, que é a maior, que julgam os duelos trabalhistas, veremos que existem milhões de ações de trabalhadores questionando os processos de terceirização e os direitos que não são recebidos. Portanto, a terceirização foi fundamental nessa reestruturação produtiva, que no Brasil ganhou força nos anos 1990, mas ainda não terminou. Essa reestruturação é algo que vem acontecendo de forma contínua ao longo desses últimos 20 anos e a terceirização foi eixo fundamental.

IHU On-Line – Como o governo Dilma e o Ministério do Trabalho têm se posicionado em relação às transformações no mundo do trabalho no Brasil?
Ana Tércia Sanches – Vale a pena fazer uma diferenciação entre os governos de Dilma e Lula com aquele veio antes. As principais formas de reestruturação e de flexibilização, medidas que foram flexibilizando o mercado de trabalho brasileiro, surgiram na década de 1990, em especial nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Então, vimos nascer a criação do banco de horas, a regulamentação do trabalho aos domingos etc. Além disso, foram flexibilizadas as formas de contratação e outros mecanismos que o governo auxiliou, do ponto de vista da flexibilização dos direitos. Nesse momento, houve a reestruturação capitalista das empresas no Brasil.
Governo Dilma
O governo Dilma atualmente tem recebido uma pressão constante por parte dos empresários para aprovar um projeto de lei que regulamente a terceirização no Brasil com o viés deste grupo, que busca garantir a terceirização geral e oferecer a segurança jurídica a eles. Então, o governo da presidenta recebe a pressão patronal, mas também tem dialogado e recebido o setor que representa os trabalhadores. O que ela tem dito em reuniões públicas é que em seu governo não haverá aprovação de nenhuma lei que vise flexibilizar direitos. Sabemos que há uma disputa e um tensioamento social entre as forças políticas e os representantes dos trabalhadores. Mas nós esperamos que a palavra de Dilma seja mantida e que não exista nenhuma lei que retire os direitos dos trabalhadores.

IHU On-Line – Você concorda que o emprego no país é marcado por alto nível de informalidade, baixos salários e empregos precários?
Ana Tércia Sanches – Preciso ainda concordar com isso. Se observarmos as negociações das diversas categorias, veremos que elas tiveram reposição da inflação e aumento real de salário. Isso é um dado e precisamos identificar. Mas o Brasil ainda tem um nível de informalidade muito elevado. Porém, isso é algo que diminuiu nos últimos anos por conta do avanço do emprego com carteira assinada. Há um estudo do Pochmann, que trabalha com isso, e algumas pesquisas do Dieese que dizem que esses empregos novos gerados são de baixos salários e com baixa qualificação. Portanto, temos que ter cautela para olhar tudo isso.
Precisamos comemorar o avanço da formalização, mas devemos perceber que tipo de emprego está sendo gerado. Nesse sentido, o que vemos é uma migração dos empregos que estavam vinculados às categorias profissionais organizadas, que se liga ao tema da terceirização. Ou seja, o crescimento do volume de empresas terceirizadas é o que explica o nível de formalização com baixos salários. A terceirização é uma explicação para isso. Mas, se o país cresce e a lucratividade das empresas é satisfatória, faz-se necessário manter o crescimento de empregos, porém pagando os salários que possam ser considerados justos, que sejam pensados do ponto de vista do bem-estar dos trabalhadores.

Revista IHU On-Line, n. 390, 30-04-2012.