Eloisa Helena Capovilla
da Luz Ramos – Unisinos
RESUMO
O processo da
(re)democratização brasileira foi arquitetado pelos militares entre
os quais despontava a figura do General Golbery do Couto e Silva, que
também havia sido um dos artífices da implementação do
autoritarismo no país, 21 anos antes. Figura controvertida da
história política brasileira contemporânea, Golbery atuou nos
bastidores tanto na etapa inicial do processo autoritário, quanto no
traçado da política de (re)democratização, juntamente com o
Presidente, General Ernesto Geisel. Neste processo, foi secundado
pela ação da sociedade civil, que à sua maneira resistiu, indo às
ruas, nos anos 80 pela volta da democracia. Tais atos culminaram com
a anistia e, posteriormente com a eleição indireta de Tancredo
Neves para a Presidência da República, em 1984. De lá para cá, os
governos e as crises se sucederam, mas o processo de
(re)democratização do Brasil aparentemente está se consolidando.
ETAPA 1 – DA ABERTURA
Para além dos marcos
cronológicos, porém,
o fato é que da ditadura fez-se a democracia ...
(Reis: 2000, p.11).
A política não segue
um desenvolvimento linear: é feita de rupturas que parecem acidentes
para a inteligência organizadora do real (Rémond: 1996, p.
449). Se assim não fosse, teríamos dificuldade em assimilar a
idéia de que o processo de (re)democratização do Brasil no período
pós-64 foi arquitetado pelos governos militares dos Generais Ernesto
Geisel e João Batista Figueiredo, tendo ainda a participação, como
mentor do processo, do General Golbery do Couto e Silva, criador e
primeiro diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI). É
considerando a perspectiva de que houve uma abertura política “por
cima” que iniciamos a análise da volta da democracia em nosso
país.
A crise econômica do
Brasil, no início dos anos 1970, estava ligada, externamente, `a
questão do petróleo, colocando o país numa situação econômica
bastante difícil. Além disso, internamente, o governo Médici, que
recém terminara, havia sido de um profundo autoritarismo, o mais
pesado até então, desde 1964. Sua ação, através dos órgãos de
repressão, deixara muitas marcas na população brasileira. Entre os
militares, por seu turno, havia posições muito independentes, tanto
sobre temáticas políticas quanto no que se referia à repressão
ilimitada em nome da segurança nacional. Tais posicionamentos
denotavam fratura na hierarquia e na ordem, sempre tão caras ao
setor. Era mister preservar as Forças Armadas como instituição ou
poder-se-ia correr o risco de inviabilizar o modelo de Estado
desenhado e que vinha sendo executado pelos militares. Assim, a
necessidade de modificar a estrutura do regime começava timidamente
a se manifestar.
O presidente Ernesto
Geisel e seu chefe do Gabinete Civil, o General Golbery do Couto e
Silva eram, entre os militares, os articuladores de um projeto
político mais amplo, cujo objetivo era propiciar uma maior
flexibilização política ao país. Era a teoria da distensão,
que naquele contexto, pretendia assegurar um afrouxamento da
tensão sócio-política, no dizer de Alves (1984, p. 185).
O objetivo de tal atitude, era traçar os passos que pudessem levar a
uma flexibilização gradativa dos mecanismos da coerção legal,
como por exemplo, acabar com o Ato Institucional n° 5 (AI- 5). No
desenrolar desta ação, os atores principais da distensão política
deram uma atenção especial ao sistema eleitoral, incluindo-se neste
objetivo, a médio prazo, também, uma reforma partidária. Para o
General Golbery, a repressão ilimitada, na busca de uma segurança
absoluta, levaria, em última análise, à debilitação da segurança
nacional pretendida (Alves:1984, p.186). A teoria da distensão,
da forma como foi pensada, isto é, de forma lenta e gradual,
pretendia, segundo seus autores, ser uma forma de legitimação do
Estado autoritário então vigente. Mas esta não era uma tarefa
fácil de ser desenvolvida porque uma ala da corporação militar, a
chamada “linha dura” não concordava com tal estratégia.
Portanto, como afirmamos anteriormente, essa era uma posição
personalizada em alguns atores militares.
A análise do período
de governo dos Generais Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo e
da atuação mais intensa do General Golbery na condução do
processo de abertura política, mostrou claramente a necessidade do
uso de medidas de exceção além de medidas estratégicas para
alcançar os objetivos traçados, tanto por parte dos Presidentes
como de seu fiel escudeiro. Isto pode ser visto nas relações com
lideranças do Exército, nas relações com a sociedade civil e
também nas relações com a classe política. Que espécie de
legado Figueiredo receberia de seu firme mentor? Geisel e Golbery
levaram a liberalização mais longe do que todos os analistas
políticos consideravam possível desde 1974. Mas importantes poderes
arbitrários permaneciam, especialmente na Lei de Segurança Nacional
(Skidmore: 1988, p. 49). É preciso que se diga, a bem da verdade,
que a flexibilização do regime não excluiu perseguições,
torturas, atos de exceção, mortes. Apesar delas, o processo
avançou, chegando ao final do período Geisel, com a revogação do
AI – 5.
Já os seis anos do
Governo Figueiredo caracterizaram-se pela política de “abertura”
embora possam ser também caracterizados como limitadores de uma
participação ampla dos setores até então excluídos do processo
político. Entre os procedimentos que marcaram particularmente o
primeiro ano de governo do General Figueiredo temos a anistia
política, em agosto e a reforma partidária em dezembro.
Porém, houve também uma sombra de retrocesso, na linha do
terrorismo anti-comunista: a bomba no Riocentro. Nesse mesmo
contexto a oposição avançava, ampliando sua participação
na vida política nacional. Sua meta, agora, era a eleição direta
para Presidente. O processo, uma vez desencadeado, envolveu
diferentes setores da sociedade civil, que assumiram um importante
papel no desenrolar dos acontecimentos. A Emenda apresentada pelo
Deputado Dante de Oliveira, buscando eleições diretas, não foi
aprovada no Congresso. A mobilização, porém, continuou, com a
rearticulação das oposições, numa campanha aberta nas principais
cidades do Brasil. Milhares de pessoas acorriam aos comícios e
caminhadas ao lado de líderes políticos como Tancredo Neves,
Ulisses Guimarães, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva ,
além de intelectuais engajados e de representantes da Igreja, como
D. Paulo Evaristo Arns. Nesse contexto, buscava-se também convencer
à sociedade civil que um nome de peso nacional da
oposição, que estivesse engajado na luta por mudanças, poderia
concorrer no Colégio Eleitoral, - que fora criado pela ditadura -.
Isso, na opinião das oposições, poderia ser tomado como uma
derrota do autoritarismo. Seria, nesse caso, matar a cobra com o seu
próprio veneno.
Tendo continuado vigente
a fórmula indireta para a eleição do Presidente da República,
novas negociações da oposição resultaram na escolha de um
candidato para concorrer à Presidência. O nome consagrado foi o do
mineiro Tancredo de Almeida Neves, um político dos velhos tempos e
um nome de consenso entre seus pares.
Ao mesmo tempo em que a
oposição se mobilizava, dentro do quadro sucessório possível,
isto é, no contexto da abertura proposta pelos militares, o grupo
governista se dividia entre um candidato militar ou um candidato
civil, do partido do Governo, o PDS. O grupo favorável a uma
candidatura civil, vitorioso, acabou se desarticulando pois o
candidato da situação, Paulo Maluf, não era um candidato de
consenso. Sirlei Gedoz, analisando os discursos de lideranças
parlamentares no Congresso Nacional nesse período, constatou que
existiam três hipóteses que levavam tanto a situação como a
oposição a adotar a saída negociada (2003, p. 234),
no processo eleitoral que se anunciava. Para ela, as
hipóteses eram as seguintes:
os
interesses do próprio regime;
os
interesses político-pessoais, como o de Tancredo Neves, que, na
hipótese de eleição direta, teria que disputar a indicação
dentro do partido com Ulysses Guimarães;
o
temor, tanto da situação, como da oposição conservadora,
representada pela cúpula do PMDB, que via a redemocratização
apenas como restituição das prerrogativas jurídico-institucionais,
sem tocar em questões fundamentais da redistribuição do poder
político, por exemplo (Gedoz: 2002, p. 237).
Apesar da solução
negociada, porém, a oposição capitalizou os votos dos descontentes
e, dentro do próprio sistema inventado pelos militares, saiu
vitoriosa.
Uma nova etapa de vida
democrática estava começando – outra vez -, no Brasil. O sucesso
alcançado no processo eleitoral sofreu o primeiro baque com a doença
e morte do Presidente eleito. Assumiu o cargo seu vice-presidente,
José Sarney, parlamentar maranhense que no período final do
processo ditatorial aliou-as à oposição, rompendo com o Governo.
Não era, pois, merecedor da confiança dos brasileiros.
Numa análise sucinta
desta primeira fase do processo de (re)democratização brasileira,
isto é, abertura para a participação da sociedade civil no
processo político, é possível concluir que esta foi proposta e
dirigida pelo governo, não porque houvesse naquele momento pressão
da sociedade civil sobre os militares, uma vez que a luta armada
havia sido vencida e esmagada, mas por quê havia uma certa
consciência entre um grupo de militares, da necessidade de
liberalizar o regime, sob pena de não se poder mais “salvaguardar”
a integridade da instituição militar. Nessa perspectiva é que a
flexibilização foi pensada e posta em prática pelos seus
idealizadores, os já citados Generais Golbery do Couto e Silva e
Ernesto Geisel. A preocupação, em última análise, era com a
corporação militar e não com a sociedade civil. Com esta, os
idealizadores da abertura só buscaram costurar um pacto de
governabilidade pelo alto, isto é, através de seus representantes.
O jurista Hélio Bicudo diz que a escolha de Tancredo Neves, no
Colégio, é apenas uma maneira de continuarmos numa democracia
relativa, controlada pelas cúpulas militares, com o conformismo das
cúpulas partidárias dominantes (Apud Barros:1994, p. 119).
ETAPA 2 - DA TRANSIÇÃO
Em primeiro lugar é
preciso estabelecer qual é o tempo exato do “período de
transição” que sobreveio ao fim do regime militar brasileiro.
Grosso modo, os 5 anos do Governo Sarney são considerados como de
transição para a verdadeira democracia, cuja pedra de toque deveria
ser a eleição direta do Presidente da República. Mas isto não é
consenso. Para Daniel Aarão Reis (2000), a transição começou em
1979, com o fim dos atos de exceção e aprovação da anistia.
Refletindo sobre a gênese e o desenvolvimento da ditadura militar no
Brasil, este autor preocupa-se também em analisar a sua extinção,
já que para ele a ditadura foi redefinindo-se, transformando-se,
transitando para uma democracia sob formas híbridas, mudando de pele
como um camaleão muda de cores, em uma lenta metamorfose que até
hoje desencadeia polêmicas a respeito de quando, efetivamente,
terminou (Reis: 2000, p.11). Sua hipótese é que tal período
terminou em 1988, com a nova Constituição. O que é na realidade
uma transição? É a passagem? É o caminhar? Será o espaço
situado entre dois acontecimentos, já que transição pressupõe a
existência de um outro lado? Ou seja, se estamos em transição é
porque queremos chagar a algum “outro” lugar? Do ponto de vista
da vida política brasileira, a transição parece compreender um
certo hibridismo, com partes do que deixou de existir, e outras
partes novas. Não é mais o passado, mas ainda não chegou no
futuro.
O acontecimento, e com
mais razão ainda, a crise, que é um paroxismo do acontecimento, tem
a característica de ser irreversível: eles modificam
irremediavelmente o curso das coisas, diz René Rémond (1996, p.
449). Foi o que ocorreu no episódio da eleição de Tancredo Neves,
em 1984/85. Diante da realidade da morte do presidente eleito, da
efetivação de seu vice-presidente, José Sarney, no comando do
Governo e tendo presente que o período caracterizava-se como de
transição, pois os mecanismos de salvaguarda, resquícios do
passado recente, permaneciam sobre a cabeça dos políticos que
detinham o comando do país, o chefe da Nação inicia seu trabalho
enfrentando uma crise econômico-financeira de grandes proporções.
A inflação galopante, mudava o valor da moeda todos os dias. Para
combatê-la o Presidente anunciou, no final de fevereiro de 1986, um
novo plano econômico: o Plano Cruzado, cujo sucesso foi efêmero –
de março a outubro - . A nova medida trouxe em seu bojo a
participação popular – os fiscais do Sarney – e uma bem urdida
manobra política que garantiu a vitória do PMDB nas eleições de
outubro/1986.
A tentativa de acerto
econômico/financeiro, o “calcanhar de Aquiles” do Brasil,
condição sine qua non para a arrancada rumo ao
desenvolvimento, tem sido a tônica dos governos brasileiros, desde
então. Analisando a administração da transição, isto é, a
administração Sarney, verificamos que além da tentativa de “matar
a inflação com um só tiro” realizada com o Plano Cruzado, houve
outras reformas econômicas de menor porte, que foram realizadas sem
sucesso. É, portanto, um período de crise. Se esperava,
ingenuamente, diz José Murilo de Carvalho, que a democratização
fosse resolver com rapidez as dificuldades econômicas. Pelo
contrário, ao invés de diminuir, os problemas aumentaram (
1995, p.162).
Mesmo assim, o Congresso
Nacional foi convocado, os Constituintes se reuniram e, em 1988,
promulgaram a atual Constituição. Estes dois episódios, Plano
Cruzado e Constituição de 1988, foram, em nossa opinião, os que
marcaram positivamente o Governo Sarney.
O texto constitucional
aprovado trazia várias inovações. Era também a prova irrefutável
da volta da democracia, entendida aqui como a aprovação do texto
constitucional. O que se viu, posteriormente, é que não basta
fazer um texto constitucional. É preciso também regulamentá-lo. E
isto, em grande parte está, ainda hoje, por fazer. Uma Constituição
que há 16 anos não está regulamentada é um arremedo de Lei maior.
Como fica, então a democracia, neste contexto? Apesar das
dificuldades ligadas à regulamentação constitucional, consideramos
que após a promulgação da Constituição um novo momento
sócio-político se inaugurava: o da democracia plena, que
deveria se tornar realidade com a próxima eleição para Presidente
da República. A possibilidade do pleno exercício da cidadania,
animava os brasileiros.
ETAPA 3 – DA DEMOCRACIA
Os anos 1990 são
inaugurados no Brasil com um novo presidente que fora eleito pelo
voto direto da maioria dos brasileiros em turno e returno. Era
Fernando Collor de Mello. Sua imagem, bem administrada pela mídia, o
projetava como jovem, esportista, dinâmico... e depois, corrupto.
Isso lhe custou a Presidência cerca de dois anos após o início de
seu mandato e, mais do que isto, lhe trouxe uma impopularidade
fenomenal. Todos o rejeitavam, agora, inclusive a mídia que tanto o
incensara. Talvez convenha notar que, mesmo que Collor fosse
absolvido e reintegrado no cargo, ele estaria desmoralizado. Seu
governo acabou em farsa e não em tragédia (Ribeiro:1994, p.
38). Outra vez, o Vice-Presidente, o mineiro Itamar Franco, teve que
assumir o mandato presidencial para completá-lo. A nova República
parece que não avançava nas questões democráticas. Ou será que
avançava? Aqui a reflexão tem que ser embasada nos pressupostos da
democracia. Definição difícil dada a pluralidade das
interpretações que suscita, a teoria democrática está embasada em
distintas tradições históricas, cuja origem remonta à Grécia e
ao pensamento do governo do povo. Em seus desdobramentos
históricos temos encontrado em diferentes autores que República,
liberdade e democracia são, mais do que simples conceitos
justapostos, idéias que estão imbricadas, fundidas numa busca
quase utópica.
Décio Freitas,
historiador Rio-grandense recentemente falecido, aponta para o fato
da democracia não ser sinônimo de desenvolvimento ou de assegurar a
estabilidade política. Para ele, a democracia é uma bela idéia,
mas a realidade é esquálida e intratável (in ZH: 2003, p. 2),
podendo, em última instância, ser reduzida ao cumprimento da
liturgia
do voto.
Para Renato Janine
Ribeiro, a democracia expressa o desejo por mais. Bem orientado,
esse desejo se converte em direito à igualdade de bens, de
oportunidades ou perante a lei (2001, p. 77).
Transpondo essas idéias
para a análise do período de transição para a democracia no
Brasil, é possível perceber quais as idéias que estão circulando:
aquelas onde a liberdade de participação política e melhores
condições de cidadania permitam a garantia de uma democracia plena.
Aliada à participação política estava ainda embutida a esperança
na solução dos problemas econômicos do Brasil. Neste contexto o
que constatamos foi que, apesar da permanência da crise
econômico-financeira, os partidos políticos estavam ocupando seus
espaços, embora o fizessem dentro de um modelo bastante conservador.
Quanto à participação
popular, foi importante sua presença no episódio “fora Collor”.
Pode-se dizer que a sociedade civil tomou uma decisão: não lhe
servia mais o Presidente; havia desmerecido sua confiança. Se, por
um lado a população assumiu um papel ativo no episódio, o que é
louvável, por outro foi tomada por uma profunda descrença nas
instituições, uma profunda desilusão. Wanderley Guilherme dos
Santos expressou assim esse desencanto:
Houve
um presidente impedido por ser indigno, houve um plebiscito que
falhou em produzir o que dele esperavam (...), mas legou-nos parte de
uma elite derrotada, ressentida e rancorosa; descobriu-se uma
sementeira parlamentar de “anões” meliantes; a inflação
saracoteia e os oligopólios desconhecem a existência das
autoridades governamentais; a capacidade operacional do Estado é
cadente – mas o país resiste. Ou melhor, as instituições
políticas contrapõem surpreendente solidez a todas as forças
desestabilizadoras, a todos os presságios que mais parecem atrações
fatais (Santos: 1994, VII).
Um outro componente pode
ser agregado ao desencantamento já apontado: o que levou em conta
que a população brasileira desacreditou da classe política. Os
escândalos cada vez mais visíveis não davam tréguas e os
principais jornais e revistas assumiram o papel de “caça-ladrões”
da vida pública nacional. Embora chocados com o rumo da política e
dos políticos brasileiros, o que escapava ao senso comum era a
possibilidade da vivência da liberdade e da democracia onde, o
direito de opinião e o exercício da liberdade de falar voltavam a
ocupar lugar de destaque. Por isso, o período militar foi muitas
vezes re(s)significado já que parecia, aos olhos desses homens e
mulheres brasileiros, que o tempo anterior, da ditadura, havia sido
melhor, porque embora sem liberdade, havia sido também sem
corrupção, já que esta não era denunciada. Portanto, o que fica
explicitado é que o exercício da liberdade como um componente
fundamental da democracia é bastante complexo no dia-a-dia.
Quanto à cidadania nesta
análise, está ligada ao projeto de políticas públicas pela
inclusão social que durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso
e de Luís Inácio Lula da Silva vem sendo construído, embora com
diferentes ênfases. Cada um a seu modo, busca integrar os
socialmente excluídos. FHC, priorizou, porém, a estabilidade
econômica, processo iniciado com o Plano Real em 1994. Dentro de um
quadro político neo-liberal sacrificou setores da sociedade
brasileira em nome da meta maior a ser alcançada. Nesta caminhada, o
exercício da cidadania, como componente do avanço democrático, ao
que parece, foi bastante sacrificado pelo desemprego e pelas reformas
estruturais ditas necessárias. Já o governo Lula, que se iniciou
sob o olhar de expectativa e de esperança de brasileiros e
latino-americanos e de desconfiança de outros países mais
desenvolvidos, representou, naquele momento, mais uma etapa da
consolidação do processo democrático nos países da América
Latina e, mais do que isto, representou o sonho não realizado em
seus países, de muitos dos que hoje estão aqui presentes. Como
Partido Político e partido do Presidente, o PT (Partido dos
Trabalhadores) afirma seu compromisso com a democracia plena
exercida diretamente pelas massas. Nesse sentido, proclama que sua
participação em eleições e suas atividades parlamentares se
subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e sua
lutas (Manifesto: 1998, p. 65 –66, apud Gedoz: 2002, p. 237).
Pela sua origem pessoal e partidária, o Presidente Lula encarna de
certa maneira a nova possibilidade [por ser um novo tempo] de um
governo de esquerda [que possa chegar ao fim], em nosso Continente.
Sem querer fazer exercício de futurologia, que assim seja.
Entretanto, concordamos com Souza, quando diz que se as medidas de
reforma constitucional tiverem como objetivo exclusivo a
governabilidade do sistema, não haverá engenharia institucional que
garanta a estabilidade do regime, se não se procurar pôr fim à
longa espera da sociedade, que anseia pela alteração do quadro de
profundas desigualdades sociais e econômicas que a aflige (Souza:
1988, p. 615).
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