29/12/2012

liberdade


































Curso da Escola de Formação
Fé, Política e Trabalho 2013 .ano 10

Realização:
Unisinos + IHU (Instituto Humanitas) + Diocese de Caxias + Cáritas Caxias

Certificação:
Unisinos - Instituto Humanitas - www.ihu.unisinos.br

Local: 
Centro de Formação Pastoral - Bairro Colina Sorriso – Caxias do Sul

Período: 
Um final de semana por mês, de março a dezembro de 2013

Inscrições:
Até 06 de março:
- em www.diocesedecaxias.org.br
- ou enviando os dados (conforme ficha no saite) para fepoliticaetrabalho@gmail.com

Investimento: 
R$ 80 por etapa - partilhados entre o participante, sua comunidade ou entidade e a Diocese
O valor inclui hospedagem, refeições e materiais


Centro Diocesano de Formação Pastoral:
Rua Emílio Ataliba Finger 685 B.Colina Sorriso
Caxias do Sul-RS  Fone (54) 3211-5032

11/12/2012

Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2012.ano9


10ª etapa:

Chegamos ao final de mais um ano (nono ano) da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho




































Agora já somos mais de 750 pessoas que puderam tomar conhecimentos e beber de águas puras que podem auxiliar na construção de um mundo melhor, outro possível.

Agradecemos os nossos bispos Alessandro e Paulo, padres, irmãs, pastorais, movimentos sociais e de Igreja, organizações, sindicatos, associações, cooperativas e alun@s e ex-alun@s que colaboraram conosco, nos apoiando, enviando alun@s, nos transmitindo palavras de incentivo, durante esses nove anos.

Agradecemos também todos que gratuitamente se dispuseram a organizar a Escola, assessor@s, IHU que acreditou e acredita na proposta da Escola e aos funcionários do Centro de Pastoral que dedicaram muito carinho para conosco.

Texto: José Antônio Somensi
Foto: Milena Leal

09/12/2012

Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2012 – 10ª etapa


Texto: José Antônio Somensi
Fotos: Fernanda Seibel

Com o objetivo de proporcionar estudo e reflexão sobre o Ensino Social da Igreja analisando a vida e a prática, compreendendo as crises como necessárias para a formação de uma nova mentalidade, novas atitudes e um novo agir que fomente um pensamento social á luz deste Ensino Social da Igreja é que trouxemos nesta 10ª e última etapa da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho em sua nona edição o tema: 
“O Ensino Social da Igreja e os desafios do desenvolvimento humano, econômico, técnico e social” 
e contou com a assessoria do Prof. Ms. Flávio Guerra – ESTEF – Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana.
No início da manhã de sábado, tivemos a  participação do Prof. Dr. Laurício Neumann, além do acompanhamento durante toda a etapa.


Em sua participação Frei Flávio nos trouxe que a Igreja tem a missão de anunciar e atualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais onde o ser humano está inserido e esta atualização se dá através de um desenvolvimento capaz de proporcionar aos seres humanos que vivem em ‘condições menos humanas’ (alimentação, saúde, educação, opressão, exploração, individualismo) possam ter ‘condições mais humanas’ (vida digna, paz, bem comum e com fé em Deus).


Vivemos numa sociedade que passa, no dizer do Documento de Aparecida, uma mudança de época que positivamente traz a busca de um sentido de vida e da transcendência, de construir o próprio destino, mas também de forma negativa marcada pela exclusão social de muitos pobres, enfermos, mulheres que vivem como supérfluos e descartáveis, a mercê do desemprego, da violência, do desamparo; de pessoas que por força de uma sociedade consumista, individualista, manipulada pelos meios de comunicação, governos dependentes de um sistema financeiro dominado pela lógica do mercado e por uma política de interesses de grandes grupos.
Diante desta realidade Frei Flávio nos traz o Ensino Social que olha para a prática de Jesus que apresenta a proposta de vida em abundância – saúde, comida, acolhida, valorização e inclusão dos pobres na sociedade; poder como serviço colocando os talentos em favor dos outros; igualdade para todas as pessoas libertando-os dos males provocados pela sociedade e religião; solidariedade como saída para os excluídos exemplificado no bom samaritano; vida sagrada de todos os seres pois Deus é o criador de tudo.

Frei Flávio reforça que todas as ações são políticas (partidárias e/ou participativa) e que precisamos fortalecer a Política através dos princípios éticos que o Ensino Social da Igreja nos traz. A) Bem comum que respeita e garante os direitos fundamentais de todas as pessoas, promove a paz, prioriza os pobres nas políticas públicas. B) Participação com uma educação adequada, exercício de cidadania plena com o devido cuidado na escolha dos representantes, na formação, nas ações sociais, no favorecimento da participação dos excluídos na vida da sociedade. C) Solidariedade com a partilha dos bens e serviços com os mais fracos, com os pobres, promovendo a paz social.

Torna-se necessário a partir do conhecimento que adquirimos buscar o poder como serviço e exercê-lo através da gratuidade trabalhando pelo povo, libertarmo-nos da ambição que pode nos levar ao vedetismo e empenharmo-nos em favor dos outros colocando os nossos talentos a serviço de uma sociedade de justiça e de paz.

Desta forma chegamos ao final de mais um ano (nono ano) da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho. Agora já somos mais de 750 pessoas que puderam tomar conhecimentos e beber de águas puras que podem auxiliar na construção de um mundo melhor, outro possível.

Agradecemos os nossos bispos Alessandro e Paulo, padres, irmãs, pastorais, movimentos sociais e de Igreja, organizações, sindicatos, associações, cooperativas e alun@s e ex-alun@s que colaboraram conosco, nos apoiando, enviando alun@s, nos transmitindo palavras de incentivo, durante esses nove anos. 
Agradecemos também todos que gratuitamente se dispuseram a organizar a Escola, assessor@s, IHU que acreditou e acredita na proposta da Escola e aos funcionários do Centro de Pastoral que dedicaram muito carinho para conosco.
Em 2013 vamos construir a décima edição. Acessem www.fepoliticaetrabalho.blogspot.com , www.diocesedecaxias.org.br divulguem e inscrevam mais pessoas que possam nos ajudar a vencer os males que continuam escorrendo pelo ralo de nossa sociedade:   

08/12/2012

O Ensino Social da Igreja e os desafios do desenvolvimento humano, econômico, técnico. Como a fé inspira a militância cristã na prática da justiça social, da ética, da política.

Frei Flávio Guerra

Introdução.

A Igreja tem a missão de “anunciar e atualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais” onde o ser humano está inserido, isto é, da “própria sociedade”. A missão social da Igreja refere-se ao cuidado do ser humano, pois este vive inserido na sociedade. E sua “convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade de vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendam a si próprios e decidem de si mesmos e da própria vocação”. Esta é a razão pela qual a Igreja se ocupa “com tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora da vida social”. Por isso, “a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e mundano e, portanto, marginal e alheio à mensagem e à economia da salvação”(Compêndio da Doutrina social da Igreja - CDSI, 62). A palavra oficial da Igreja sobre a sua missão social encontra-se no seu Ensino Social, ou, em outras palavras, na sua Doutrina Social.

Por isso, O Ensino Social da Igreja tem uma palavra a dizer sobre os desafios do desenvolvimento humano, econômico e técnico. Esta palavra diz respeito à compreensão que a Igreja tem do desenvolvimento da qual provém diretrizes de ação no sentido de torná-lo mais justo e solidário.

Desde o início de nossa reflexão é bom saber que para o Ensino Social da Igreja o desenvolvimento humano, econômico e técnico consiste em proporcionar ao ser humano a passagem de condições menos humanas de vida para condições mais humana de vida. Aquelas são definidas em relação: “as carências materiais dos que são privados do mínimo vital; as carências morais dos que são mutilados pelo egoísmo; a presença de estruturas opressivas, quer provenham do abuso da posse ou do poder; a exploração dos trabalhadores e as injustiças das transações”. As condições mais humanas de vida dizem respeito: “a passagem da miséria à posse do necessário; a vitória sobre os flagelos sociais; o alargamento dos conhecimentos; a aquisição da cultura; a consideração crescente da dignidade dos outros; a orientação para o espírito de pobreza; a cooperação no bem comum; a vontade de paz; o reconhecimento, pelo homem, dos valores supremos, e de Deus que é a origem e o termo deles, sobretudo, a fé, dom de Deus acolhido pela boa vontade do homem, e a unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a participar como filhos na vida de Deus vivo, Pai de todos os homens” (Populorum Progressio - PP 20; 21).

Em outras palavras, pode-se afirmar que o desenvolvimento é integral na medida em que realiza todas as dimensões do ser humano. Na dimensão econômica ele requer a participação ativa e em condições de igualdade no processo econômico internacional; na dimensão social busca a evolução para sociedades instruídas e solidárias; na dimensão política empenha-se para consolidar regimes democráticos capazes de assegurar a liberdade e a paz; na dimensão religiosa promove a abertura do ser humano para a transcendência (Caritas in Veritates - CV 21; 29).


I. Os principais desafios do desenvolvimento humano.

Hoje o que mais afeta o modo de ser e de viver do ser humano é a realidade cultural. Ela carrega consigo aspectos positivos, mas, ao mesmo tempo, não contribui para que o ser humano possa desenvolver sua vocação humana de acordo com o desígnio de Deus.

Segundo o documento de Aparecida a humanidade passa por uma mudança de época que traz mudanças significativas no modo dos ser humano se entender. O lado bom dessas mudanças, dizem respeito: ’ao valor fundamental da pessoa, de sua consciência e experiência, a busca do sentido da vida e da transcendência (52); a necessidade de construir o próprio destino e o desejo de encontrar razões para a existência pode colocar em movimento o desejo de se encontrar com os outros e compartilhar o vivido como maneira de dar de si uma resposta (53); ênfase na experiência pessoal e vivencial leva a considerar o testemunho como componente chave na vivência da fé (55).

Porém, a atual cultura contém muitos elementos negativos que atingem questões fundamentais da vida das pessoas e dos cristãos, a saber: ‘Deus é excluído do horizonte das pessoas; sobrevalorização da subjetividade individual que enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço,dando papel primordial à imaginação (44); ciência e tecnologia colocados exclusivamente a serviço do mercado com critérios únicos de eficiência, de rentabilidade e do funcional; os MCS,introduz na sociedade um sentido estético, uma visão a respeito da felicidade, uma percepção da realidade e até uma linguagem que quer impor-se como autêntica cultura (45); nova colonização cultural pela imposição de culturas artificiais, desprezando as culturas locais e com tendência de impor uma homogeneização de todos os setores (46); exasperada defesa dos direito individuais e subjetivos deixando em segundo plano os direitos sociais (47); a felicidade que propõe a avidez do mercado é o bem-estar econômico e da satisfação hedonista (50); a cultura de consumo afeta mais as novas gerações imprimindo nelas a lógica do individualismo pragmático e narcisista que não a impressão de um mundo de libera de e igualdade (51).


II. Os principais desafios do desenvolvimento econômico.

Nosso povo ainda é atingido por graves problemas que amargam sua vida devido a um desenvolvimento econômico que privilegia o lucro e o consumo em detrimento da vida das pessoas e do meio ambiente. A seguir destacamos os principais problemas sociais que tornam a vida de milhões de pessoas menos digna. Estes problemas estão estritamente ligados ao projeto de desenvolvimento neoliberal que está em vigor no Ocidente.

1. Exclusão social. Não tem como negar que, apesar da melhora das políticas públicas adotadas pelo governo federal, estadual e municipal, ainda existe uma multidão de pobres e miseráveis fruto de ‘antigas e novas pobreza’ em cujos rostos resplandece o rosto pobre e crucificado de Jesus: moradores de rua, migrantes, enfermos, dependentes de substâncias químicas, presos, mulheres exploradas por questão de gênero, étnica e situação sócio-econômica, crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Eles já não são somente explorados, mas supérfluos e descartáveis (Diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil - Diretrizes, 25).

2. Desemprego estrutural. Um dos fenômenos da globalização econômica é o desemprego estrutural. Ele “se caracteriza pela diminuição da mão-de-obra empregada na indústria, pela fragmentação do processo produtivo e pela flexibilização das relações de trabalho”(Diretrizes 26).

Essa situação gera dois graves problemas. Um diretamente ligado à organização dos trabalhadores, pois gera a desunião e desmobilização dos mesmos na luta pela defesa de seus direitos. O outro problema diz respeito à dignidade do trabalhador, principalmente dos jovens, pois, o desemprego “destrói a dignidade pessoal, a visão de futuro, e o sentido de lealdade e solidariedade” (Diretrizes, 26). Além disso, o Brasil tem oferta de emprego em vários setores da economia, mas as autoridades econômicas e políticas não se preocuparam com a capacitação dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Pelo fato da economia e a vontade política não proporcionar trabalho para todos surge o trabalho informal. Calcula-se que quase a metade da população economicamente ativa vive do trabalho informal. Este “se vê submetido à precariedade das condições de emprego e à pressão constante da subordinação, que traz consigo salários mais baixos e falta de proteção na área de seguridade social, não permitindo a muitos o desenvolvimento de uma vida digna”(Documento de Aparecida - DA 71).
3. As populações rurais desassistidas. Boa parte das populações rurais não consegue realizar sua dignidade humana. Elas “sofrem as consequências da pobreza, agravada pela falta de acesso à terra própria, de financiamento adequado, de condições gerais de vida digna e de apoio à agricultura familiar. A reforma agrária continua sendo uma exigência diante da escandalosa concentração de terra nas mãos de poucas pessoas e grupos econômicos e da violência do campo” (Diretrizes, 29; DA 723).

4. Degradação do Planeta Terra. O Planeta Terra no Brasil está sendo agredido de diversas formas: a biodiversidade que é alvo de cobiça internacional está sendo destruída e muitas espécies correm o risco de serem extintas; o acervo de conhecimentos tradicionais sobre a utilização dos recursos naturais é objeto de apropriação intelectual ilícita por parte de indústrias farmacêuticas e de biogenética; o aquecimento global; o exaurimento dos recursos naturais; a natureza, a terra e a água são tratadas como mercadorias negociáveis disputadas pelas grandes potências (Diretrizes, 37).


III. Os desafios do desenvolvimento técnico segundo a Cartas in Veritate.

A reflexão sobre o desenvolvimento dos povos e a técnica faz sentido na medida em “que o problema do desenvolvimento está estritamente unido ao progresso tecnológico, com suas deslumbrantes aplicações no campo biológico”. Em seguida, define a técnica como “um dado profundamente humano, ligado a autonomia e a liberdade do homem”. Ela “permite dominar a matéria, reduzir os riscos, poupar fadigas, melhorar as condições de vida”. Ela é “considerada como obra do gênio humano, o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria humanidade”. “A técnica é o aspecto objetivo do agir humano cuja origem e razão de ser está no elemento subjetivo: o homem que atua”. Nesse sentido, ela “manifesta o homem e suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim a técnica insere-se no mandato de ‘cultivar e guardar a terra’ (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há de ser orientado para reforçar aquela aliança entre o ser humano e o ambiente em que se deva refletir o amor criador de Deus” (69).

1. A mentalidade tecnicista do desenvolvimento. O documento preocupa-se na possibilidade do desenvolvimento tecnológico deixar-se ‘induzir’ pela “idéia de auto-suficiência da própria técnica”. Isso acontece quando o ser humano interroga-se “apenas sobre o como” e esquece “de considerar os muitos porquês pelos quais é impelido a agir”. Por isso, “a técnica apresenta-se com uma fisionomia ambígua”. De um lado, ela expressa a “criatividade humana como instrumento de liberdade da pessoa”. E de outro, ela “pode ser entendida como elemento de liberdade absoluta”, isto é, “que prescinde dos limites que as coisas tragam consigo”. Esta ‘visão muito forte hoje’, é denominada “mentalidade tecnicista” na qual “o único critério de verdade é a eficiência e a utilidade”. Nesse sentido, se tem uma concepção de desenvolvimento voltada exclusivamente no fazer. (70).

2. A tecnização da economia. A possibilidade da “mentalidade tecnicista” acontece “nos fenômenos da tecnização do desenvolvimento e da paz. Aquele é “considerado um problema de engenharia financeira, de abertura dos mercados, da redução das tarifas aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas institucionais”. Tudo isso é necessário. No entanto, “as opções do tipo técnico tem resultado apenas de modo relativo” porque o “desenvolvimento não será jamais garantido completamente por forças de certo modo automático e impessoais, seja elas as do mercado ou as da política internacional”. A razão de tudo isso, está no fato de que o desenvolvimento só é possível com “homens retos”, isto é, “operadores econômicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum”. Caso contrário, “verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério de ação, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado de suas descobertas”. O resultado disso, é prática da injustiça e o uso dos conhecimentos técnicos “em benefício dos seus proprietário, enquanto a situação real das populações que vivem sob tais influxos, e quase sempre na sua ignorância, permanece imutável e sem efetivas possibilidade de emancipação” (71).
3. Os meios de comunicação social a serviço dos interesses econômicos e políticos. Os meios de comunicação social muita vezes enfatizam sua natureza estritamente técnica’. Eles ficam subordinados “a cálculos econômicos, no intuito de dominar os mercados e, não último, ao desejo de poder ideológico e político”. Além disso, condicionam “o modo de ler e conhecer a realidade e a própria pessoa humana”. Por isso, “torna-se necessário uma atenta reflexão sobre sua influência principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do desenvolvimento dos povos”. Aí reside seu sentido e sua finalidade: “tornar-se ocasião de humanização, não só quando (...) oferecem maiores possibilidade de comunicação e de informação, mas também e sobretudo quando são organizados e orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem comum que traduza os valores universais”. (72).

4. O absolutismo da técnica na manipulação da vida. Mais do que nunca a questão social “tornou-se radicalmente antropológica, enquanto toca o próprio modo não só de conceber, mas também de manipular a vida, colocando-a cada vez mais nas mãos do homem pelas biotecnologias”. Aqui entra a “fecundação in vitro, a pesquisa sobre embriões, a possibilidade da clonagem e hibridação humana”. Nesse campo o ser humano acha que já desvendou todos os “mistérios porque já chegou à raiz da vida”.
Além disso, estamos diante de “novos e poderosos instrumentos que a cultura da morte tem à sua disposição”: ‘a chaga do aborto; “uma sistemática planificação eugenética dos nascimentos; “a mens eutanásia”. O que está em causa nisso tudo é uma cultura negacionista da dignidade humana, isto é, “uma concepção material e mecanicista da vida humana”. Quais são os efeitos de tal mentalidade sobre o desenvolvimento? Essa mentalidade de indiferença no que diz respeito ao que é humano e com aquilo que não é humano levam a muitos a se escandalizar por coisas marginais e a tolerar injustiças inauditas. “Enquanto os pobres do mundo batem às portas da opulência, o mundo rico corre o risco de deixar de ouvir tais apelos à sua porta por causa de uma consciência já incapaz de reconhecer o humano”(75).

5. A redução do ser humano a sua dimensão psíquica e neurológica. O espírito tecnicista também se faz presente quando “considera os problemas e as emoções ligados à vida interior somente do ponto de vista psicológico, chegando-se mesmo ao reducionismo neurológico”. Esta visão, muitas vezes, reduz o eu ao psíquico, e a saúde da alma é confundida com o bem-estar emotivo”. “Na base, estas reduções tem uma profunda incompreensão da vida espiritual e levam-nos a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos depende verdadeiramente também da solução dos problemas de caráter espiritual”. Isto implica conceber o ser humano como um “ser uno”, composto de alma e corpo, nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente”. O desenvolvimento humano acontece quando o ser humano: “cresce no espírito; “sua alma se conhece a si mesma e apreende as verdades que Deus nela imprimiu em gérmen”; “dialoga consigo mesmo e com seu Criador” (76).


IV. Jesus indica os valores que garantem o verdadeiro desenvolvimento para toda pessoa humana: ‘vida em abundância para todos’.

Para os cristãos Jesus é modelo de pessoa humana plena. Pela sua vida, Ele provou que o ser humano tem condições de viver a sua missão na terra segundo o desígnio original de Deus a seu respeito. Este tem por finalidade a comunhão plena do ser humano com seu Criador, com o outro como irmão e com a natureza com irmã (Gen 1, 1-29).

Jesus vive e prega o Reino de Deus que é vida em abundância para todos (Jo 10, 10). O conteúdo essencial do Reino de Deus é o amor a Deus e o amor ao próximo (Mt 22, 34-40; Lc 10, 25-28; Jo 13, 34; 15, 21). O amor ao próximo, nas relações sociais, se concretiza na prática da justiça social: os direitos dos pobres e excluídos são concretizados; a dignidade das pessoas é respeitada e a organização social é estruturada em vista do bem comum, isto é, da realização dos direitos fundamentais de todos.

Para que o Reino de Deus penetre e transforme mais profundamente a dimensão pessoal e social do ser humano é necessário viver e anunciar seus principais valores.
1. A vida como valor maior. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10, 10). Essa afirmação resume o sentido da missão de Jesus que é a de construir o Reino de Deus na história da humanidade. Segundo a vida e a prática de Jesus ‘vida em abundância’ é saúde(os doentes são curados); comida(a partilha do pão), acolhida, valorização e inclusão dos excluídos na sociedade e na comunidade(o pecador, a mulher, o estrangeiro, a criança, o cobrador de impostos...); relação sadia com os outros(amor gratuito e reconciliador e solidário) e com Deus(Pai e Mãe amoroso e misericordioso e disposição da pessoa em colaborar com o plano de Deus) e com o Planeta Terra(respeito e cuidado com todos os seres criados).
Ilustrativo sobre o valor, em primeiro lugar, da vida é o conflito entre Jesus e os fariseus sobre a lei absoluta do sábado (Mc 23. 3, 6). Na sua reflexão Jesus afirma que o sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado. Jesus, com essa compreensão sobre a lei do sábado, livra o ser humano da ‘alienação legal’. Toda e qualquer lei, religiosa, política e econômica é legítima se estiver a serviço da vida do ser humano e de todos os seres criados.

2. O poder como serviço em vista da realização da justiça. Poder serviço é o empenho generoso em favor do outro. É o jeito de viver o poder que: coloca os talentos em favor dos outros (Mt 25, 24-30); que se dispõe a dar a vida pelo bem dos outros (Mc 10, 45; Jo 10, 11). Isto acontece através da promoção da justiça. Ela é a razão principal do exercício do poder serviço. Por isso, um governante só é legítimo, na medida em que pratica a justiça em favor de todos. Ele é bem-aventurado porque tem ‘fome e sede’ de justiça (Mt 5, 6), mesmo à custa das perseguições(Mt 5, 10-11).

3. Igualdade fundamental de todas as pessoas. Jesus veio com a missão realizar o plano original de Deus para toda a criação. Todos tem o direito de levar uma vida digna. Todos tem a mesma dignidade, pois foram gerados pelo mesmo Pai e Criador. E, portanto, tem os mesmo direitos e deveres. Por isso, Jesus libertou as pessoas dos males provocados pela sociedade e religião excludente daquela época. A desigualdade é criação humana. Ela é fruto de uma determinada organização social. Por isso, ela é contrária ao projeto do Reino de Deus, vivido e pregado por Jesus. No Reino de Deus vivido e pregado por Jesus não tem lugar, nem espaço para a discriminação.

4. A solidariedade como saída para os excluídos. A solidariedade é o caminho para conseguirmos a igualdade. O bom samaritano é símbolo de solidariedade. Ela é o novo nome do amor ao próximo(Lc 10, 25-37). A parábola define o jeito de amar de Deus e de seu Filho Jesus: ir ao encontro do necessitado, seja pessoa ou grupo, pois é fruto de uma sociedade injusta ou de uma circunstância da vida; acolher, valorizar e dar uma solução satisfatória. A solidariedade com os excluídos com gestos concretos é critério indispensável para fazer parte do Reino (Mt 25, 31-46).

5. A vida ‘sagrada’ de todos os seres criados. A fé cristã afirma que Deus é o criador de tudo. Com a entrada da maldade no mundo a criação também ficou prejudicada. A ressurreição de Jesus trouxe a reconciliação de todos os seres terrestres e celestes. Jesus inaugura um ‘novo céu e uma nova terra’ onde se realiza a fraternidade universal( irmão sol, irmã e mãe terra, irmão lobo... – S. Francisco de Assis) de todos os seres criados. O Planeta Terra forma a ‘família de Deus’. Nela um depende do outro para sobreviver. Tudo está ligado, conectado pelo mistério divino da vida criada por Deus. Daí a necessidade de criar a consciência de que o ser humano é parte integrante do Planeta Terra. Ele é um nó inteligente na rede do mistério da vida nas suas mais variadas formas que fazem parte do Planeta Terra. Portanto, o ser humano depende totalmente dos outros nós, sem os quais ele não consegue viver.


V. Avaliação moral do desenvolvimento econômico.

O atual desenvolvimento econômico que anda de mãos dadas com o desenvolvimento técnico é o principal responsável:
a) Pela atual situação desfavorável dos trabalhadores do campo pois, “ele privilegia o mercado financeiro e o agronegócio. Isso leva a expansão da pecuária extensiva e das monoculturas de soja, eucalipto, cana-de-açúcar, assim como a projetos do biocombustível, em detrimento da agricultura familiar, da reforma agrária e de projetos populares como a construções de cisternas, por exemplo, no semi-árido do país” (Diretrizes, 37);
b) Pela subordinação do Estado. “Atualmente o Estado encontra-se na situação de ter de enfrentar as limitações que lhes são impostas à sua soberania pelo novo contexto econômico comercial e financeiro internacional, caracterizado nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de produção materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político do Estado” (CV 24);
c) Pela degradação da natureza: “o atual modelo econômico, que privilegia o desmedido fã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza. A devastação de nossas florestas e da biodiversidade mediante uma atitude predatória e egoísta, envolve a responsabilidade moral dos que a promovem, porque coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do hábitat dos camponeses e indígenas, que são expulsos para as terras improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoados nos cinturões de miséria”. Além disso, “uma industrialização selvagem e descontrolada” que tanto no campo quanto na cidade contamina “o ambiente com todo tipo de dejetos orgânicos e químicos”. A mesma situação acontece com as indústrias extrativas. É necessário “controlar e neutralizar seus efeitos danosos sobre o ambiente circundante”, pois “produzem a eliminação das florestas, a contaminação da água e transformam as regiões exploradas em imensos desertos” (DA, 473);
d) Pelo surgimento de novos rostos de pobres e excluídos: “os migrantes, as vítimas da violência, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e seqüestros, os desparecidos, os enfermos de HIV e de enfermidades endêmicas, os tóxicos-dependentes, idosos, meninos e meninas que são vítimas da prostituição, pornografia de violência ou do trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da exclusão e do tráfico para a exploração sexual, pessoa com capacidades diferentes, grandes grupos desempregados e de desempregadas, os excluídos pelo analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes cidades, os indígenas e afro-americanos, os agricultores sem terra e os mineiros (DA, 402);
e) Pela desigualdade entre as nações, pois celebra “freqüentes Tratados de Livre comércio entre países com economias assimétricas, que nem sempre beneficiam os países mais pobres”;
f) Pelo alto custo de propriedade intelectual, pois pressiona “os países da região com exigências desmedidas em matérias de propriedade intelectual, a tal ponto que se permitem direitos de patentes sobre a vida em todas as formas”;
g) Pela dependência dos organismos geneticamente manipulados. Estes “tem mostrado que nem sempre a globalização contribui para o combate contra a fome, nem para o desenvolvimento rural sustentável” (CV, 67).

João Paulo II teve a clarividência, na encíclica Solicitude Social, de perceber a lógica que move o desenvolvimento econômico denominado capitalista. “É necessário denunciar a existência de mecanismos econômicos, financeiros e sociais que, embora conduzidos por vontade dos homens, funcionam muitas vezes de maneira automática, tornando mais rígidas as situações de riqueza de uns e da pobreza de outros. Estes mecanismos, manobrados – de maneira direta ou indireta – pelos países desenvolvidos, com seu próprio funcionamento favorecem os interesses de quem os manobra, mas acabam por sufocar ou condicionar as economias dos países menos desenvolvidos” (SRS, 16).

O documento olha do ponto de vista teológico o funcionamento dos mecanismos econômicos, financeiros e sociais e observa “que entre as nações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo e as ‘estruturas’ a que elas induzem, as mais características hoje parecem ser sobretudo duas: por um lado, há avidez exclusiva de lucro; e, por outro lado, a sede de poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão: ‘a qualquer preço’. Em outras palavras, estamos diante da absolutização dos comportamentos humanos, com todas as consequências possíveis”(SRS, 37).

Esse tipo de comportamento social da parte dos detentores do poder econômico, fruto do pecado, prejudica não somente os indivíduos, mas também as nações. E pode-se dizer que configuram ‘estruturas de pecado’, isto é, o “conjunto dos fatores negativos, que agem no sentido contrário a uma verdadeira consciência do bem comum universal e á exigência de o favorecer, dá a impressão de criar, nas pessoas e nas instituições, um obstáculo difícil de superar” (SRS 36). Do ponto de vista moral, “por detrás de certas decisões, aparentemente inspiradas só pela economia e pela política, se escondem verdadeiras formas de idolatria: do dinheiro, da ideologia, da classe e da tecnologia” (SRS, 37).

O remédio moral e social para superar as denominadas estruturas de pecado é a virtude da solidariedade assim entendida: “não é um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”. Esta determinação está fundada na firme convicção de que as causas que entravam o desenvolvimento integral são aquela avidez do lucro e aquela sede de poder de que se falou acima. Estas atitudes e estas ‘estruturas de pecado’ só poderão ser vencidas – pressupondo o auxílio da graça divina – com uma atitude diametralmente oposta: a aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para ‘perder-se’ em benefício do próximo em vez de o explorar, e para ‘servi-lo’ em vez de o oprimir para proveito próprio “(Mt 10, 40-42; 20, 25; Mc 10, 42-45; Lc 22, 25-27).

As exigências práticas da solidariedade podem ser resumidas nas seguintes ações:

a) Partilha dos bens e dos serviços com os mais fracos.
A solidariedade, diante de uma sociedade desigual, exige a partilha dos bens e dos serviços em favor dos mais pobres e excluídos. "A prática da solidariedade, no interior de cada sociedade, é validada quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que contam mais, dispondo de uma parte melhor dos bens e de serviços comuns, hão de sentirem-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por outro lado, os mais fracos, na mesma linha de solidariedade, não devem adotar uma atitude meramente passiva ou destrutiva de tecido social mas, embora defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que lhes compete para o bem de todos. (SRS, 39).

b) Promoção da solidariedade entre os pobres.
O melhor caminho para a solução dos graves problemas sociais que atingem os pobres é a promoção da solidariedade entre eles. Eles são os primeiros sujeitos na conquista de seus direitos fundamentais.
"Sinais positivos no mundo contemporâneo são, ainda, a maior consciência de maior solidariedade dos pobres entre si, as suas intervenções de apoio recíproco e as manifestações públicas no cenário social sem recorrer à violência, mas tornando-se presentes as próprias necessidades e os próprios direitos perante a ineficácia e a corrupção dos poderes públicos. Em virtude do deu peculiar compromisso evangélico, a Igreja se sente chamada a estar do lado das multidões pobres, a discernir a justiça de suas solicitações e a contribuir para satisfazer, sem perder de vista o bem dos grupos no quadro do bem comum" (SRS, 39, 3).

c) A solidariedade promove a paz social.
Sem justiça social a paz fica cada vez mais distante. A prática da solidariedade é uma forma de promover a justiça social. Nesse caso, a solidariedade é entendida no sentido de colocar os bens, os serviços, as qualidades das pessoas e dos grupos em favor da promoção humana de todos e de cada um. Por isso, "... a solidariedade que nós propomos é o caminho para a paz e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento. Com efeito, a paz do mundo é inconcebível se não se chegar, por parte dos responsáveis, ao reconhecimento de que a interdependência exige por si mesmo a superação da política dos blocos, a renúncia de todas as formas de imperialismo econômico, militar ou político, e a transformação da recíproca desconfiança em colaboração. Esta última, precisamente, é o procedimento próprio da solidariedade entre os indivíduos e entre as nações" (SRS, 39, 8).
d) Promoção da solidariedade internacional a serviço dos pobres.
O princípio da solidariedade se aplica também nas relações internacionais. Tudo deve estar a serviço de todos, privilegiando os mais pobres. "O mesmo critério aplica-se, por analogia, nas relações internacionais. A interdependência deve transforma-se em solidariedade, fundada sobre o princípio de que todos os bens da criação são destinados a todos: aquilo que a indústria humana produz, com a transformação das matérias primas e com a contribuição do trabalho, deve servir igualmente para o bem de todos (SRS, 39,4).


VI. A fé inspira a militância cristã na prática da justiça social.

A justiça como fruto do amor. Segundo nossa fé o amor é fruto do Espírito Santo. E ele não está desligado do amor ao próximo. Isso Jesus deixa bem claro depois de lembrar o amor a Deus: "amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas" (Mt 22, 39-40; LC 55).

O amor cristão tem uma identidade própria. Seus traços principais são os seguintes: amor aos inimigos e perseguidores; amor misericordioso; amor cheio de compaixão; amor gratuito e universal.( LC, 55).

O amor vivido e pregado por Jesus se converte no imperativo da prática da justiça. "O amor evangélico e a vocação de filho de Deus, à qual todos os homens são chamados, tem como consequência a exigência, direta e imperativa, do respeito de cada ser humano em seus direitos à vida e à dignidade. Não existe distância entre o amor ao próximo e a vontade de justiça. Opor amor e justiça seria desnaturar a ambos. Mais ainda, o sentido da misericórdia completa o da justiça, impedindo a esta última de se fechar no círculo da vingança".(LC). O amor que deságua na promoção da justiça prioriza os pobres. "O amor ao homem - em primeiro lugar ao pobre, no qual a Igreja vê Cristo - concretiza-se na promoção da justiça. Esta nunca se poderá realizar plenamente, se os homens não deixarem de ver nos necessitado, que pede ajuda para a sua vida, um inoportuno ou um fardo, para reconhecerem nele a ocasião de um bem em si, a possibilidade de uma riqueza maior"(CA, 58).

Por isso, "As desigualdades iníquas e todas as formas de opressão, que hoje atingem milhões de homens e mulheres, estão em aberta contradição como Evangelho de Cristo e não podem deixar tanquila a consciência de nenhum cristão" (LC, 57).

Sentido amplo da justiça. Como vimos a justiça tem como fonte o amor ao próximo. E tem como objetivo, regular as relações humanas e sociais no sentido de respeitar os direitos de cada um. É o que diz o Sínodo dos Bispos sobre a Justiça no Mundo: "O amor é antes de tudo exigência absoluta de justiça, isto é, reconhecimento da dignidade e dos direitos do próximo" (JM, 37).
Dentro desse espírito, a Igreja define o sentido de justiça como virtude moral. "a justiça é uma virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhe é devido. A justiça para com Deus chama-se 'virtude da religião'. E para com os homens ela dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para como o próximo"(CIC, 1807).

Sentido da justiça social. O amor cristão se dirige a Deus e ao próximo. O amor ao próximo se pratica na vivência da justiça no sentido geral que nos referimos acima. Porém o ser humano vive em relação com os outros, com a comunidade e com a sociedade. O amor cristão praticado no âmbito da sociedade chama-se justiça social.

"A Igreja fala de justiça social para definir o que compete à sociedade para garantir as condições e os meios básicos que permite aos grupos, as associações e às pessoas obter o que lhes é necessário segundo a sua natureza e vocação. Por isso, a justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade"(CIC, 1928).

A justiça social está intimamente ligada ao bem comum. "É próprio da justiça social, impor aos membros da comunidade tudo o que é necessário ao bem comum. Porém, do mesmo modo como num organismo vivo provemos as necessidades do corpo inteiro fornecendo a cada uma de suas partes e a cada um de seus membros o que lhes falta para que cumpram suas funções, assim também, em toda a coletividade, é preciso que se dê a cada uma das partes e a cada um de seus membros - ou seja, homens que tenham a dignidade de pessoas - aquilo que lhes é necessário para o cumprimento de suas funções sociais" (DR, 51).

Todo ser humano é portador de uma dignidade inviolável e sujeito de direitos e deveres que o dignificam na sua relação com Deus como filho, com os outros como irmãos e com a natureza como senhor. Mas não é suficiente o reconhecimento formal dessa dignidade e igualdade fundamentais. É preciso que esse reconhecimento seja traduzido na proporção de condições concretas para realizar e reivindicar os direitos fundamentais de todos os homens e de todas as mulheres: direito à vida e a um padrão digno de existência, direito à saúde e ao lazer; direito à educação, inclusive religiosa e a escolher o tipo de educação desejada para os filhos; direito à liberdade religiosa; direito ao trabalho e à remuneração suficiente para o sustento pessoal e da própria família; direito de todos à propriedade, submetida à sua função social; direito à segurança, à preservação da própria imagem e à participação da vida política”. (CNBB, 38, 91).

Além disso, os direitos da pessoa pode ser ampliado: à vida; à integridade corporal, à defesa contra a sujeição forçada da mente ( GS, 27), à proteção do ambiente físico (AO, 21), à proteção contra a tortura moral ou física (GS, 27), aos meios suficientes para um nível de vida digno, incluindo: alimentação, habitação, cuidados médicos, lazer (PT, 11), aos meios para desenvolver-se por si mesmo (GS, 69), ao trabalho em condições justas (GS, 66), sem ofender a dignidade física (RN, 35), sem prejudicar a vida familiar do trabalhador (RN, 16), com remuneração justa (RN, 16), à propriedade particular dos bens necessários para liberdade pessoal e familiar (GS, 71), à iniciativa econômica (MM, 51-58), a participar equitativamente da riqueza nacional (AO, 16), aos serviços indispensáveis dos Estado, em caso de: doença, invalidez, velhice, viuvez, demissão de emprego, ou contra causa involuntária em que se perdem os meios de subsistência (PT, 11), a conhecer e exercer seus direitos e deveres (GS, 75), a não ser discriminado por razão de sexo, raça, cor, condição social, língua ou nacionalidade (GS, 29 e 66).

A sociedade humana consegue desenvolver-se adequadamente se tiver uma autoridade legítima que persiga o bem comum. “A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda a não ser que lhe presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum” (CIC, 1897). A legitimidade da autoridade está ligada ao emprego de “meios moralmente lícitos. Se acontecer que os dirigentes promulguem leis injustas ou tomem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não poderão obrigar a s consciências” (CIC, 1903). Para evitar que a autoridade extrapole seus limites é necessário “que cada pode seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no justo limite. Este é o princípio do 1estado de direito, no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens” (CIC, 1904).


VII. A fé inspira a ética pessoal do militante.

A caridade é a essência da vida cristã. Ela “é o princípio não só das microrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos”(CV, 2). Ela é dom de Deus. “a sua nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor que, pelo filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual existimos; amor redentor, pelo qual fomos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo” (Jo 13, 1) (CV, 2).Ele o testemunho, sobretudo, “com a sua morte e ressurreição” (CV, 1). Deus derrama esse amor “em nossos corações pelo Espírito Santo”(Rm 5, 5) (CV 5).
O ser humano recebe o amor de Deus como graça, e de ‘graça’. E é chamado por Deus a ser instrumento da graça, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade (CV 5). Ela é “força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” (...). É “uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz” (CV, 1).

Os mistérios da espiritualidade cristã conduzem a atitudes básicas que conformam o comportamento ético do militante. “Falamos aqui, em primeiro lugar, dos grandes imperativos morais do militante, imperativos esses ligados às virtudes cardeais: prudência, (dispõe a razão prática a discernir em qualquer circunstância nosso verdadeiro bem e os meios adequados para realizá-lo), justiça, (vontade constante e firma em dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido), temperança, (modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados), fortaleza (dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem). Eis os principais valores éticos do militante cristão:

- amor pela coisa pública;
- opção preferencial pelos pobres e excluídos;
- espírito de serviço ao povo;
- magnimidade ou grandeza de alma, que leva a transcender toda mesquinharia e ser generoso no perdão e na reconciliação para com todos, mesmo para com os inimigos;
- fortaleza na luta, mesmo sob as ameaças de morte;
- parresia, ou coragem de dizer a verdade, incluindo a denúncia profética;
- inconformismo e rebeldia contra toda injustiça;
- sobriedade como padrão de vida (pobreza evangélica);
- valorização do que é pequeno, mas seminal;
- modéstia ou humildade política;
- simplicidade das pombas, dialeticamente aliada à prudência das serpentes (Mt 10, 16);
- mansidão evangélica, ou seja, ânimo pacífico, que prefere lançar mão dos meios não-violentos, por atuarem sobre as consciências e serem acessíveis a todos (Mt 10, 16).

Falamos, em segundo lugar, daqueles imperativos básicos que estão no fundo dos comportamentos acima e que se situam do lado das “virtudes teologais”: fé, esperança e caridade. Eis alguns deles:
- a confiança da Graça, sempre mais forte que o pecado (Rm 6, 20), graça que pode transformar os corações mais inflexíveis a abrir as situações mais fechadas;
- o senso da Cruz nos contextos de perseguição e d martírio, conseqüências do empenho para instaurar a justiça e a solidariedade;
- a perseverança frente à adversidade e ao bloqueio dos horizontes históricos, ‘esperando contra toda a esperança’ e acreditando que ‘o assassino não prevalecerá para sempre desde a vítima’ (M. Horkheimer);
- a alegria do Espírito, virtude que se mantém mesmo no seio da luta e da provação.
Como se vê, aqui estamos no campo da ética política, que é de per si distinta da espiritualidade. Pois a ética consiste em imperativos e deveres, enquanto espiritualidade vive de verdades e certezas. “Mas, para ser efetiva e se difundir, a ética precisa estar animada de dentro por uma espiritualidade e nela se enraizar”(P. 205-206).


VII. A fé inspira a militância cristã na política.

Antes de refletir sobre a ação do militante cristão é necessário tomar consciência das mudanças que se referem ao campo da política.

a) Descrédito acentuado e geral pela atividade política.

A atividade política institucional passa por momento de descrédito. O desencanto sempre existiu. Porém, nunca atingiu tamanho grau e a extensão.
Três razões explicam esse fenômeno do ponto de vista macro dimensional: a) A vigência do neoliberalismo que prioriza o mercado sobre qualquer outra instituição social, incluindo as instâncias políticas do Estado, do parlamento e dos partidos: b) A queda do socialismo trouxe consigo a queda da confiança nas lutas políticas como meio de transformação do sistema. As esquerdas estão resignadas e não conseguem consenso quanto as suas análises e estratégias em vista de mudança estrutural; c) A mentalidade pós-moderna arraigada em certos meios, de modo especial na juventude, não favorece o engajamento político. A referida mentalidade não acredita nas grandes causas ou nos grandes projetos. Ela privilegia a subjetividade enredada no desejo consumista, no sentimento individualizado e no hedonismo desencantado.
Diante dessa situação emerge a pergunta, o descrédito vigente sobre a atividade política institucional é contra a política ou contra a forma atual de fazer política?
Três razões objetivas postulam por mais política: a) Os problemas sociais exigem soluções sociais e estas não tem como não passar pela mediação política; b) Podem as vítimas da sociedade moderna deixar de buscar vida e justiça?; c) O fermento da fé, no seio da sociedade, sempre anseia por uma sociedade nova onde reina a justiça, a fraternidade e a paz.

b) Preferência pela atuação política imediata e direta.

A tendência atual é de atuar ao nível de sociedade civil e menos na sociedade política. Desse modo, se faz política com P maiúsculo. Acredita-se que a ação direta e imediata frente ao Estado ou simplesmente frente aos cidadãos é mais eficaz, pelo mesmo em questões específicas e urgentes. Como exemplo disso, temos a ação da Cidadania conta a fome, pela Vida de Betinho. E Viva Rio, de Rubens César Fermandes.

c) “Personalização” da política partidária.

Em vista do declínio dos aparatos partidários, emerge, com força, a figura pessoal do político. Esta vem acompanhada da ‘espetacularização' da política. Essa tendência é tão forte que se fala em ‘videocracia’. A TV é o principal meio para fazer a mediação entre o político e a massa. Ela é o grande ‘palanque’ eletrônico e, ao mesmo tempo, o trono. O cetro é o microfone. Diante de uma sociedade cada vez mais conformada pela mídia, imagem é poder ou um de seus componentes essenciais. E como nossa sociedade tem alto grau de analfabetismo a mídia manipula a consciência ingênua do povo.

d) Subjetivação da política.

A subjetivação da política corresponde à sensibilidade pós-moderna e tem o sentido de apropriação dessa atividade pelo eu singular psicológico (gosto e potencialidades) e espiritual (carismas e virtudes). Isso decorre em três níveis.
a) Afetividade. Faz-se política não só como dever, mas com prazer sem sacrificar a dimensão afetiva (amizade, namoro, família) no altar no bem político. É um desafio exigente.
b) Espiritualidade. Os cristãos querem embeber sua prática política na própria fé e nas grandes inspirações para qualificá-la. Isso leva o militante a reservar tempo e espaço de liberdade e gratuidade, como o da contemplação prazerosa, do louvor transbordante e do diálogo amoroso com o Criador e Pai.
c) O quotidiano como espaço das relações interpessoais acolhe a política. Os comportamentos pessoais têm relevância política democrática. Está presente em todas as esferas: família, associação, escola, trabalho, etc. Cresce a rejeição ao poder patriarcal em nível de família e de gênero em geral.
As mulheres têm papel protagônico em renovar a política puxando-a para o chão da vida concreta(p. 38.

e) Valorização do poder local.

A política municipal ganha cada vez mais importância. Ela é para o cidadão comum expressão mais imediata da ‘polis’ ou a célula política da nação. Essa tendência de descentralização não acontece por acaso. É fruto do descrédito nas macro-estruturas e em seu compulsivo centralismo.
A política local tem a vantagem de estar mais próxima da maioria dos cidadãos e, por isso, pode envolvê-los com mais facilidade. E quando ele for exercido com qualidade serve de modelo para círculos mais amplos. Consegue com isso um poder de irradiação sobre a sociedade envolvente, precisamente por seu efeito de demonstração.
No entanto, a questão aqui é como articular o poder local com o poder central. É que aquele depende deste e, ao mesmo tempo, incide sobre o poder central. (Fé e política: Alguns ajustes, Clodovis Boff, p. 29-30).
Em relação ao poder público o Ensino Social da Igreja exige a realização do bem comum. E em relação à intervenção da pessoa no mundo da política a Igreja exige a prática da participação como exercício da cidadania.


1. O bem comum: princípio ético do Estado.

O princípio do bem comum expressa qual dever ser o comportamento do Estado em relação ao povo que governa e administra. Sua razão de ser, de existir e de agir está vinculada ao bem comum. “A comunidade política existe precisamente em vista do bem comum; nele ela encontra a sua completa justificação e significado, e dele deriva seu direito natural e próprio” (GS 75).

Em que consiste o bem comum? Ele se realiza na medida em que se cria “todas as condições sociais para que toda e qualquer pessoa ... possa desenvolver plenamente a sua dignidade” (PT 53). Em outras palavras, ele se concretiza “no conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana"(MM 62). O bem comum é superior ao bem privado, mas inseparável do bem da pessoa. O bem comum nacional é a responsabilidade e a própria razão de ser do Estado que só pode realizar aquilo que promove o bem de todos sem discriminação.

A responsabilidade primeira do Estado de promover o bem comum, não isenta todos os cidadãos, em nível pessoal e em nível de grupos organizados, de contribuir na promoção do bem comum. Nesse sentido, todos devem empregar “bens e serviços na direção indicada pelos governantes, dentro das normas da justiça e na devida forma e limites de competência” (PT 53).


Para compreender melhor o alcance concreto do bem comum destacamos quatro aspectos fundamentais:

Respeitar e garantir os direitos fundamentais de todas as pessoas. "Em nome do bem comum os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade é obrigada a permitir que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana. 'Tais são os direitos de agir segundo a norma reta da consciência, o direito à proteção da vida particular e à justa liberdade, também em matéria religiosa"(CIC 1907).
"O desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. É claro, cabe a autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares. Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de fundar um lar, etc"(CIC 1908).

Promove a paz na sociedade. Só pode viver dignamente e desenvolver-se integralmente quem vive pessoal e coletivamente numa sociedade onde reina a paz. Ela consiste numa"... ordem justa, duradoura e segura. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva" (CIC 1909).
Priorizar os pobres nas políticas públicas. Numa sociedade desigual, como a nossa, os que têm sua dignidade ameaçada merecem uma atenção especial de toda a sociedade. "A sociedade inteira deve ser solidária com todos os homens, solidária, em primeiro lugar com o homem que tem mais necessidade de auxílio, o pobre. A opção pelos pobres é uma opção cristã; é também uma opção da sociedade que se preocupa com o verdadeiro bem comum"(CNBB 38, 94).

Construir o bem comum internacional. Diante do mundo globalizado onde as interdependências entre as nações são cada vez maiores se faz necessário pensar e promover o bem comum em nível internacional. Ele é denominado como o bem da comunidade das nações (CA, 52). "As dependências humanas se intensificam. Estende-se aos poucos à terra inteira. A unidade da família humana, reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual, implica um bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das nações capaz de 'atender às várias necessidades dos homens, tanto no campo da vida social (alimentação, saúde, educação...) quanto em certas condições particulares que podem surgir cá ou lá, tais como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados (...) bem como de ajudar os emigrantes e suas famílias".


2. Participação: princípio da prática política do cristão.

A participação é outro princípio ético-social que orienta a reflexão e o comportamento político-social de todos os membros da Igreja na construção de uma sociedade justa e solidária. Ele é definido como "o envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações sociais. É necessário que todos participem, cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que desempenha, na promoção do bem comum. Este dever é inerente à dignidade da pessoa humana" (CIC 1913). E tem como conseqüência a realização da justiça social, condição indispensável para uma nova convivência humana (FS p. 53).

O cristão tem o dever de participar também ele nesta busca diligente, na organização e na vida da sociedade política. Ser social, o homem constrói o seu destino, numa série de grupos particulares que exigem, como seu complemento e como condição necessária para o próprio desenvolvimento, uma sociedade a mais ampla, de características universais, a sociedade política. Toda a atividade privada deve enquadrar-se nesta sociedade ampliada e toma, por si mesmo, a dimensão do bem comum" (OA, 24; CDSI, 189).

A participação eficaz na construção do bem comum requer duas condições básicas fundamentais:

Necessidade de uma educação adequada.
A participação qualitativa na vida política requer uma educação adequada “tanto para o povo como, sobretudo, para a juventude a fim de que todos os cidadãos possam desempenhar seu papel na vida da comunidade política” (GS, 75, 4).
Uma forma de motivar a participação política dos cristãos é a promoção de cursos, grupos de reflexão, formação e ação (Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil: DGAEIB 2008-2009, 187).
Outro elemento importante na educação política é a informação sobre os direitos de cada um e o reconhecimento dos deveres de cada um em relação aos outros. É bom salientar que o sentido e a prática do dever sofrem o condicionamento do domínio de si mesmo, a aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo (OA 24, 2).

Exercício da cidadania plena.
O exercício da participação leva ao compromisso de transformar a sociedade onde o bem comum é a prioridade das prioridades. O primeiro passo é assumir as próprias responsabilidades com a comunidade e a sociedade através da participação democrática. Não se deixar guiar pelo individualismo e corporativismo. Isso acontece através:
- da co-responsabilidade na gestão dos bens públicos (escolas, postos de saúde, orçamento municipal) através da participação nos conselhos paritários (da saúde, da assistência social, da criança e adolescente...). Acompanhar, apoiar, fiscalizar as Câmeras Municipais, as Assembléias Legislativas, o Congresso Nacional, o Poder Executivo e Judiciário para saber onde são gastos os recursos públicos. Assim o Estado estará a serviço dos interesses da população e não de poucos privilegiados.
- do cuidado na escolha dos representantes do povo; avaliar o desempenho dos partidos e acompanhar a atuação dos eleitos.
- da promoção da formação política e do estudo dos programas dos partidos. E de outras iniciativas (cartilhas, palestras, debates e escolas de fé e política).
- do incentivo da participação nos partidos, nos sindicatos e nos movimentos sociais.
- da intensificação da ação social em parceria com os poderes públicos, outras Igrejas e com as ONGs (Organizações Não Governamentais).
- de outros instrumentos de participação ativa do povo: plebiscito, referendo, participação nos orçamentos municipais.
- do favorecimento da participação dos excluídos na vida da sociedade. “... se torna imprescindível à exigência de favorecer a participação, sobretudo dos menos favorecidos no mundo da política na defesa de seus direitos” (CDSI, 189; P, 1162).


3. Espiritualidade política.

O texto que segue é fruto da síntese livre do artigo de Clodovis Boff sobre Espiritualidade do Militante (com enfoque pneumatolótgico) no livro: Fé e Política, fundamentos, Pedro A. Ribeiro de Oliveira, organizador, editora, Idéias e Letras, 2004, Aparecida, p.191-214.

Espiritualidade: “andar segundo o Espírito. São Paulo usa essa expressão para identificar a vida espiritual (Rm 8, 5; Gl 5, 16-18). O sentido profundo de espiritualidade é viver segundo o Espírito de Deus. Isso diz respeito a tudo o que o seguidor de Jesus faz até mesmo as coisas menos espirituais, como comer, beber, repousar, trabalhar e também fazer política. A base, a essência de toda a espiritualidade é viver a totalidade da vida segundo o Espírito de Deus.

O Espírito de Deus é o Espírito de Jesus, o Espírito Santo. Como foi dito é Ele quem enviou, consagrou e ungiu Jesus. E Jesus é o modelo de alguém que se deixou conduzir pelo Espírito de Deus. Por isso, temos em Jesus a referência inspiradora de alguém que viveu em plenitude segundo o Espírito. Ele através de sua palavra, de seu exemplo, de suas promessas, de seu Reino é a luz que ilumina todo modo de ser e de agir de seus seguidores. Numa palavra, espiritualidade é viver do jeito de Jesus, pois Ele viveu e concretizou o Reino de Deus guiado pela força do Espírito Santo.

E o modo de ser, de viver e de agir de Jesus se resume numa palavra: ágape ou amor cristão. “Pois aí está a ‘forma’ de toda a atividade do cristão, inclusive da política. O ágape é como a alma da militância política: ele anima, direciona e unifica toda a prática política do cristão comprometido. Em resumo, o Espírito nos remeta a Cristo e Cristo nos remete ao amor Agápico.

Na verdade Cristo apontou a ágape como o “sinal de reconhecimento ou “senha’ de seus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35). Não só: o testemunho da ágape é o primeiro e fundamental apostolado do cristão leigo. Lemos, com efeito, em outro passo: “Que todos sejam um, a fim de que o mundo creia”(Jo 17, 21; cf. v. 23).

A política para um cristão é uma forma da ágape: uma diaconia de libertação, um serviço de amor. O político cristão é a seu modo um pastor do povo. Assim também eram chamados os chefes dos povos no mundo antigo, inclusive no mundo bíblico ( Ez 34; Mt 9, 36; Jo 10; p. 199).

O agapé ou amor cristão direciona todo o jeito de militar na política. O jeito está ligado ao como, a maneira de fazer política. É um jeito de fazer inspirado no espírito da ágape ou da caridade cristã. Da fonte do espírito agápico emerge duas virtudes do militante: amabilidade e discrição.

A espiritualidade própria do militante em geral. A espiritualidade do militante é a espiritualidade do cristão, pois, antes de ser militante ele é cristão. O caminho de santificação cristão é um só: o seguimento de Jesus Cristo. Ao falar de espiritualidade para os leigos o Vaticano II diz que ela consiste essencialmente na prática das três virtudes teologais, a saber, fé, esperança e caridade (AA, 4).

Cada cristão a partir de sua vida e de seu engajamento viverá as virtudes teologais ao seu modo. Por isso, existe e deve existir um estilo militante de viver a fé, a esperança e a caridade. Esse estilo ‘militante de viver a espiritualidade cristã tem três tratados: espiritualidade encarna no mundo; espiritualidade com ênfase e espiritualidade dialética.

Espiritualidade específica do político cristão: espiritualidade do poder. O ponto anterior tratou do militante cristão em geral. Aqui vamos refletir sobre o militante político. Aquele que lida com o poder. Portanto, se trata da espiritualidade do poder.

Quando se reflete sobre o poder importa ser realista. Ele não é mau, mas carrega consigo risco e perigo, pois tem a tendência em se tornar poder-dominação. É só olhar a história passada com seus despotismos e imperialismos. E o momento atual com os totalitarismos modernos e as ditaduras de vários gêneros. Nem mesmo, a democracia do jeito que está gera entusiasmo.

Os grandes filósofos políticos, os antigos e os novos, advertem sobre o demonismo no poder político, enquanto todo o poder tende como que naturalmente, para o abuso, o arbítrio e a dominação. “O poder quer sempre mais poder”, sentenciou Hobbes.

Também a apocalíptica, judaica e cristã, descreve com uma inigualável força expressiva o satanismo do poder sob a forma teratológica de figuras monstruosas, como se pode ver em Daniel e no apocalipse.

Segundo S. Gregório Magno, no campo do poder não pode haver ingenuidade. Ele teve experiência do poder como prefeito de Roma e embaixador em Constantinopla e o fez de modo exemplar. Diz ele que só exerce bem o poder aquele que conhece a sua força de seduzir e de cegar: do contrário, será vítima Dele (p. 2007-208).

Em vista, de colocar freios no poder, a democracia institui diferentes mecanismos de controle e limitação de poder: divisão dos poderes, alternância, eleições diretas, prestação de contas, etc.

Jesus Cristo propôs uma concepção revolucionária de poder, o poder-serviço. É um pode essencialmente diferente do poder-dominação. Ele é convertido, exorcizado do demônio da prepotência que costuma fazer nele sua habitação. Trata-se de um ‘evangelho’, uma boa-nova que deve ser vivida como um credo, uma convicção profunda. “A idéia de poder-serviço deve estar profundamente enraizada no coração do cristão militante. Para ele, esse poder-serviço deve constituir um tema permanente de meditação e uma fonte perene de inspiração. Trata-se de um ideal que deve penetrar em todas as veias da alma e do corpo, para daí irradiar em forma de atitudes e de comportamentos conseqüentes”(p. 208).

O conteúdo do poder-serviço se desdobra em três atitudes fundamentais:

a) “A gratuidade, é a despretensão ou o desinteresse com que se há de exercer o poder. É trabalhar para o povo sem pensar em recompensas pessoais e em outros dividendos meramente corporativos. Nada mais eloqüente desse espírito que a parábola do ‘servo inútil’ (Lc 17, 7-10; p. 208);
b) A ausência de ambição. A política é palco para a glória e escada par a autopromoção. Relembremos que o vedetismo foi uma das tentações de Cristo: lançar-se abaixo do pináculo do Templo, aos olhos e com o aplauso da multidão (Mt 4, 5-7). Ao contrário, o que vale aqui é a palavra do Mestre: ‘Quando deres esmola, não toques a trombeta.. Que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita’ (Mt 6, 2-3);

c) O empenho generoso em favor do outro. Esse é o sentido evangélico do poder como serviço. É um tipo de trabalho que: rende os talentos em favor dos outros (Mt 25, 24-30); seja ‘amoroso’, ao modo do Bom Pastor (Jo 10); dispõe a ‘dar a própria vida’ em benefício dos irmãos (Mc 10, 45; Jo 10, 11; Mt 16, 25). Todas essas atitudes se resumem numa virtude chamada humildade. É uma virtude de primeira ordem na política porque é antídoto de toda dominação. Longe da humildade, tirar o poder. Ela o purifica, o radicaliza e o reforça na sua essência evangélica de ser libertador.

O poder só é serviço quando é instrumento de justiça. Ela é a qualidade principal de um governante. O poder não tem outra finalidade a não ser instaurar a justiça. Em outras palavras, só o direito pode legitimar a força e nunca o contrário. Daí porque ‘fome e sede de justiça’ (Mt 5, 6), mesmo à custa das perseguições (Mt 5, 10-11) é a grande virtude do verdadeiro político”(p. 209).


Abreviaturas:
  1. ONGs: Organizações não governamentais.
  2. P: Documento de Puebla.
  3. DSD: Documento de Santo Domingo.
  4. GS: Documento do Vt. II, Gaudiun et Spes.
  5. LC: Documento Instrução sobre Liberdade Cristã e a Libertação.
  6. EN: Documento Evangelii Luntiandi.
  7. CIC: Catecismo da Igreja Católica.
  8. MM: Documento Mater et Magistra.
  9. SRS: Documento Sollicitudo Rei socialis.
  10. OA: Documento Octoagesima Advenians.
  11. CDSI: Compendio da Doutrina Social da Igreja.
  12. OIT: Organização Internacional do Trabalho.
  13. LE: Documento Laborem Execens.
  14. PT: doumento Pacen in Terris.
  15. CA: Documento Centtessimus Annos.
  16. DSI: Doutrina Social da Igreja.